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Babilak Bah e o seu Enxadigma

babilak

Enxadigma, enxadário, curacões, corpoletrado, ou a gente se raoni ou a gente se sting. O divertido vocabulário de Babilak Bah é uma verdadeira festa e se parece com a parafernália sonora que ele mesmo vem criando há alguns anos. Quem não conhece, não devia perder mais tempo: procure, fuce, ouça, leia. Ou então, vá vê-lo no próximo sábado, dia 05 de dezembro:

Babilak Bah e Quarteto de Enxadas lançam: Enxadigma + Corpoletrado (livro de poemas do Babilak) + Curacões (vídeo documentário sobre um tema recorrente e interessante: o cu).
Sábado, dia 05 de dezembro às 21h
no Teatro do Oi Futuro Klauss Vianna (Av. Afonso Pena, 4001)

(Babilak se apresentará em breve também em Recife e em Barcelona, aguardem)

Para ouvi-lo é no:

www.myspace.com/babilakbah
www.babilakbah.com.br

palavra macumba no FORUMDOC 2009

forumdoc 2009

A programação do 13º FORUMDOC.BH.2009 – está uma delícia, com destaque especial para a Mostra Cineastas Africanos que me faz brilhar os olhos. Quem quiser dar uma olhada, sugiro conhecer a página do Festival, com seu projeto visual deslumbrante.

De quebra, no catálogo, o leitor encontrará a tradução de um poema de Aimé Césaire feita por mim, o “palavra macumba“. Que, diga-se de passagem, é um dos meus favoritos.

www.forumdoc.org.br/2009/

patrícia mc quade | suja de piche

suja de piche :: blogue de patrícia mc quade

patrícia mc quade é a mulher que povoa meus sonhos. isso eu nunca escondi de ninguém. aliás, boa parte dos poemas que aparecem aqui, ali, traduções de poemas, minhas idéias mirabolantes, estão dedicados a ela. professora genial, sabe ensinar do jeito que deveria ser a educação que não há no brasil. no começo deste ano, publiquei uma entrevista que fiz com ela no overmundo, onde ela fala das coisas da educação, da poesia, das crianças e dos adultos.

há algum tempo, ela começou a publicar num blogue delicado chamado suja de piche. falei: vou noticiar no meu salamalandro. mas ela, tímida, não queria. agora ela está lá, repleta de notícias de um pouco do bonito que encontra nos palcos e telas da cidade, além de poemas, crônicas, citações e outras coisas belas que ela sabe fazer. uma dica para os navegantes: visitar as postagens mais antigas, que estão repletas de poesia. por via das dúvidas, publico aqui um dos poemas dela que mais gosto:

pena de passarim

para john willis, meu pai

todo dia bem cedinho
seu joão se levanta
e cuida de passarim

é gorjeio aqui
trinado ali
piada acolá
uma beleza de se escutar

mas a piada melhor
é a de seu joão
de alma de passarim
e pena de voar

bom é acordar juntinho
com seu joão
sempre bem cedinho
de pena leve
e alma de passarim

canta pra mim passarim
canta pra mim

patrícia mc quade
www.sujadepiche.blogspot.com

as aventuras de molière

este ano, nos meses de maio e junho, muitos amigos andaram reclamando do meu sumiço. isso se deu porque eu estava às voltas com a revisão do livro o doente imaginário, de molière*. há tempos eu esperava a chance de uma segunda edição. eu queria, além de rever partes da tradução, reescrever o texto que acompanha a peça. o resultado foi um “posfácio” sobre a época de molière, suas venturas e desventuras, a cosmovisão sua e de seus contemporâneos e como ele colaborou, enquanto artista, para alargar essa cosmovisão.

curiosamente, pouco tempo depois, entrou em cartaz nos cinemas o filme as aventuras de molière (no original ele se chama apenas molière), do francês laurent tirard. não pretendo contar a história do filme, mas um pequeno résumé rola: o filme parte de um desvio na história. da biografia de molière, conta-se que ele, jovem, foi preso por dívidas, dificuldades que enfrentava para administrar sua trupe teatral. tirard imagina, então, a chegada de um burguês chamado jourdain que, desejoso de aprender algumas técnicas de teatro (a fim de conquistar uma preciosa dama), “compra” a dívida do comediante e o leva para uma temporada em sua casa. nessa estada, ocorrem situações cômicas que definirão sua carreira e sua obra mais célebre.

trata-se de uma fantasia, um pouco à moda do shakespeare apaixonado, de john madden. mas o interessante é a excelente pesquisa de época, com personagens falando um francês carregado. outra coisa que gosto muito é a atuação do ator principal, romain duris (que fez albergue espanhol) e da atriz co-adjuvante, laura morante. além disso, o filme é um verdadeiro prefácio à obra de molière. os entendedores reconhecerão diversas passagens tiradas das suas comédias. se eu tivesse visto esse filme antes, muitas passagens do posfácio se tornariam desnecessárias.

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*eu queria agradecer à patrícia mc quade, pela paciência, interlocução, apoio moral e logístico naqueles dois meses (isso tudo sem falar no amor imensurável, constante e atemporal, o carinho cotidiano, a vida partilhada, coisas das quais qualquer agradecimento nunca pode ser suficiente). além de ter sido ela a responsável pela minha reconciliação com o teatro (paixão que tinha se calado ao ver tanta porcaria em cartaz). sem isso, tenho certeza que não teria saído revisão nem posfácio nenhum. não achei espaço no livro para agradecer, agradeço aqui.

como era gostoso o meu francês

Um filme precursor, de Nelson Pereira dos Santos, rodado em 1971. Talvez o primeiro a trazer para as telas uma visão renovada da “antropofagia” de Oswald de Andrade. Relata a história de um homem que, tendo chegado ao Brasil na frota do viajante Villegagnon, acaba ficando por aqui. O francês é capturado por um grupo de tupinambás que pretende comê-lo. Porém, durante a preparação da carne, acaba passando um longo tempo junto à tribo, o que o leva a adotar hábitos dos indígenas. O filme é falado em tupi e francês (obedecendo às origens de cada personagem), mas há alguma passagem em português lusitano.

O filme foi proibido em sua época pela ditadura militar e conseguiu a licença em seguida com o argumento de que nudez de índio não é pornografia. Mas a liberação, só com censura 18 anos.

Com uma visão irônico-crítica dos relatos dos europeus que vinham para as praias brasileiras, afastado dos tiques típicos da arte partidária, procurando uma visão o menos caricatural possível do indígena brasileiro, o filme evidencia, contudo o olhar do estrangeiro que chega por aqui. O que faz com que o diferente, o “primitivo” se torne elemento de intolerância, irritação e chacota por parte de quem se quer “civilizado”.

Uma vez inserido na cultura brasileira, o estrangeiro acaba por se dissolver nela. Não sem uma certa paixão que chega a ser erótica e romântica. “Só a antropofagia nos une”, repetiria a indiazinha com quem o francês se amasia. E logo, é feita a divisão das partes, do francês: “o braço é para o irmão do cacique, o outro para o guerreiro mais forte, o pescoço é da amante…” e assim por diante. O jovem (que não chega a possuir um nome, no filme) quer levá-la de volta para a Europa. Ela se recusa. “Só a antropofagia nos une”. O pescoço já está prometido.

Recentemente, surgiu na cena cinematográfica uma nova onda: a de filmes falados em línguas mortas ou esquecidas. O filme “Desmundo”, outro filme excelente (dirigido por alain fresnot e baseado no romance homônimo de Ana Miranda) tenta reproduzir, depois de profundos estudos lingüísticos, o português da época de Pero Vaz de Caminha (isso sem falar dos filmes recentes de Mel Gibson, os paranóicos “Apocalypto”, falado na língua Maia, e “Paixão”, em hebraico, aramaico e latim).

Certa vez ouvi do senegalês Hamidou Sall uma citação de Césaire que era mais ou menos assim: “Há duas maneiras de se perder no mundo: uma é se diluindo na universalidade, a outra se dissolvendo no seu próprio íntimo”. A antropofagia, um modo de pensar incompreensível para europeus supercivilizados, é um modo de não se deixar dissolver, mas assimilar o outro em si mesmo. A existência deste filme é um alívio. Acredito cada vez mais que a antropofagia não foi suficientemente aproveitada pelo brasileiro que se sente ansioso por uma certa originalidade impossível.

Em tempos de globalização, a tendência de sermos engolidos por culturas hegemônicas é muito forte. Por outro lado, o brasileiro, que sempre quis ansiosamente ser “o outro”, preferencialmente um sujeito civilizado e civilizante, pensar o nosso lado selvagem é de extrema urgência. Especialmente sabendo que temos hoje cerca de 170 línguas faladas além do português no território nacional e que há muito mais quilombos escondidos do que se supunha. Pensar a antropofagia hoje, significa descobrirmos como olhar para dentro. Uma antropofagia como autofagia ou como rememoração desavergonhada de nossos hábitos canibais.

O filme agora pode ser visto no youtube. A cópia digital não está muito boa, mas dá para curtir.

Ginsberg & Pasolini

pasolini

é interessante pensar que há apenas 40 anos atrás, o povo americano não representava apenas uma massa amorfa e sem opinião, limitado pelos ditames da televisão. o americano era um povo rebelde. eu não havia entendido o que michael moore queria dizer quando, no filme “tiros em columbine”, saiu perguntando “onde está o meu país?” (como se tivesse nascido num lugar que não existe mais).

mas numa carta a allen ginsberg, pier paolo pasolini comentava o seguinte:

a tua burguesia é uma burguesia de loucos, a minha, uma burguesia de idiotas. você se revolta contra a loucura com a loucura (distribuindo flores aos policiais); mas como se revoltar contra a idiota?

os americanos representavam a mais romântica rebeldia nos anos 60. estranho que isso tenha acabado. será que ginsberg, hoje, se rebelaria contra a burguesia idiota (como é, aliás, no brasil)? pasolini continua:

todos os homens da tua américa são obrigados, para se exprimirem, a serem inventores de palavras! nós aqui, ao contrário (mesmo aqueles que têm agora dezesseis anos), já temos nossa linguagem revolucionária pronta e acabada, com uma moral implícita. e eu também – como está vendo. não consigo misturar a prosa com a poesia (como você faz!).

o pasolini, nos anos 60, inventou um negócio chamado cinema de poesia, que ele contrapunha ao que ele chamava de cinema de prosa. o tal cinema de poesia que ele fazia é um soco no estômago, um cinema de cores vivas (mesmo quando em preto e branco), repleto de jogos de linguagem e de situações mitopoéticas que reconfiguram o sentido da palavra “poesia”. um cinema exuberante, difícil e indigesto mesmo hoje, quando já se passaram 32 anos de sua morte.

sobre ginsberg, tenho apenas uma lenda, que já diz tudo: certa vez, numa entrevista ao vivo para a televisão, o repórter perguntou a ele: “para você o que é a poesia?” e ele, suscinto: “nudez”. o entrevistador, não satisfeito com a resposta então perguntou: “e o que é nudez?” ginsberg tirou a roupa.

tropa de elite: alguém falou em culpa?

muito curiosa a polêmica lançada pelo filme “tropa de elite”. parece que ele agradou e, ao mesmo tempo, incomodou a gregos e goianos. os partidários da polícia ficaram chateados, as boas mocinhas acharam que ele faz apologia à violência, os malucos acham que o filme é ufanista, há quem diga que como filme é bom, mas que a violência pesada não justifica. por outro lado, há quem diga que, como filme é ruim, mas que o que é dito ali não pode deixar de ser dito, pois é bem o retrato da polícia. falou-se em problemas educativos, falou-se em pirataria, ouvi reclamações que “meu filho anda cantando a música tema do filme, e eu acho isso muito perigoso”.

de minha parte, custei um pouco a ir vê-lo. mas posso dizer que gostei. achei o estilo denso e envolvente, achei que o diretor acertou a mão no tempo da narrativa e nas frases de efeito (“bota na conta do papa” vai entrar pra história). teve gente que andou reclamando que parecia demais com o “cidade de deus” do fernando meirelles. mas cá pra nós: se cinema dependesse de originalidade, hollywood já tinha falido há umas 3 décadas (sendo otimista). eu, pelo contrário, acho mesmo é que o filme será pra sempre um marco no cinema nacional e conquistará, ao lado do “cidade de deus”, muitos seguidores.

particularmente não acho que o filme faça apologia à violência. pelo contrário, acho que ele mostra o quanto a violência é nefasta e triste. supor que uma ficção é uma apologia a qualquer coisa é lamentável para um país que se quer “civilizado”. seria o mesmo que dizer que o “saló”, do pasolini é uma apologia ao nazismo ou que a “ilíada” não deve ser lida por estar vazada de sangue. ora bolas, um bom artista produz coisas que o deixam fora até mesmo da sua moral pessoal, a questão “bem” ou “mal”, tão reducionista e tão corrente no país que se diz “abençoado por deus”.

por outro lado, não dá pra negar uma coisa: conheço um mundaréu de gente que ao ver o filme ficará muito entusiasmado em sair por aí pregando que a coisa tem que ser por aí. mas não é o filme que ensina isso. todos nós sabemos que ninguém entra numa sessão de cinema para aprender como é a vida. quem quiser saber isso, vai no mínimo procurar um jornaleco qualquer desses que circula a rodo pelo país e que dá as ordens no pensamento dos pretensos “cidadãos”. no filme não. não posso responder por todo mundo, mas posso dizer que fiquei orgulhoso de ver que ao menos no cinema, existe a intenção, ainda que seja de um único diretor, de se criar o “mito do policial honesto”. até por quê, acho que policial honesto é coisa que não existe em nenhum lugar que pratica tão fervorosa e convictamente a repressão (se você é brasileiro, você sabe do que estou falando).

pois bem, mas eu vi que teve um bando de burgueses maconheiros que também ficou meio nervosificado com a narrativa. imagina, mexer nos vícios é coisa séria. pode levar a conseqüências químicas. e eu sei que todo mundo prefere virar a cara e fingir que não é com ele. medo de ficar sem o seu sagrado baseado. não serei eu a aliviar a barra da burguesada, apenas quero saber se a galera vai ficar aí dizendo “a culpa é de quem?”, borrando as calças de medo por só porque viu o próprio retrato na tela.

quer saber a minha opinião? foda-se a culpa. (por que ninguém fala no essencial?) chama o povo na responsa pra fazer algo que preste: ensinai as criancinhas. que saber é poder. entreguem óculos para os garotinhos que não enxergam direito, como o matias queria fazer no filme, e fez. e assistam como elas fazem o que não soubemos fazer, já que fomos educados por professores incompetentes. criar o mito do “ensinar para dar poder”. antes que tudo exploda e não tenha volta.