Pode-se dizer que, no Brasil, o mercado editorial está passando por um momento inteiramente novo e otimista. Nos meus mais de 15 anos em que fui de leitor a livreiro, editor, tradutor, prestador de serviços editoriais, atravessando booms e depressões do mercado, é a primeira vez que vejo tamanho interesse no público brasileiro por parte de grandes investidores. Eventos literários em cidades dos quatro cantos do país (a Flip é apenas o mais prestigioso), investimentos de grandes empresas (como a Portugal Telecom), inúmeras editoras de todos os tamanhos aparecendo aqui ali. A via é de mão dupla: em termos de expansionismo, a coisa também parece promissora. O Brasil tem sido o homenageado em diversas feiras de livro pelo mundo afora, o que prenuncia a chegada a outros mercados. Isso, sem falar no novo desafio: o e-book, que ganha cada vez mais espaço no país. Eu, que sou leigo em assuntos financeiros, lanço o palpite de que talvez seja um dos setores em maior expansão, hoje, no Brasil, a despeito de todas as crises e racionamentos de verba de que se possa reclamar.
Alguns fatos de 2011 ilustram bem o que estou dizendo. A venda de 45% das ações da Companhia das Letras para a Penguin (uma das maiores empresas editoriais do mundo) foi um dos fatos mais comentados do ano. Mas não foi a única, nem a primeira aparição de investidores estrangeiros no país. Aliás, isso está se tornando cada vez mais comum. Oxford, SM, Santillana, Pearson, Alfaguara são algumas das que já demonstram crescimento no setor.
No mercado de livros eletrônicos, há também um grande crescimento. Segundo o Publishnews, em 2011 a Companhia das Letras vendeu 1.200% mais e-books que em 2010, ano em que começou as atividades nesta área. Há pelo menos três empresas multinacionais em busca de suas brechas para inserir seus e-books no Brasil: a Amazon (dona dos Kindle), a Apple (com o controle sobre os iPads e seus aplicativos) e a Google, que parece estar apostando alto nesse nicho e tem mandado representantes para se unir com editores e livreiros em busca de parcerias.
O comentário mais recorrente é o de que somos 200 milhões de potenciais leitores em todo o país. É claro que ainda não é o público comprador, quem mais “consome” livros. Mas o Ministério da Educação é um dos maiores compradores de livros do planeta. Pelo Brasil afora, pululam as licitações públicas de compra de livros. Todos estão de olho nesses compradores.
Onde entram os poetas nisso tudo
Com tudo isso, quero dizer que, ao contrário do que se diz, há muito dinheiro circulando ao redor dos livros, mas a maior parte da literatura autoral publicada no Brasil hoje se vale dos seguintes dispositivos: 1) pequenos editores que os publicam muitas vezes dividindo com o autor o custo da edição, 2) conseguem verba do governo através das leis de incentivo à cultura, situação em que o autor acaba optando entre publicar por conta própria, administrando o dinheiro recebido, ou fazer uma parceria com algum pequeno editor e 3) o autor se anima a tirar do próprio bolso para a publicação, sem auxílio de nenhum editor.
Isso gera uma confusão: embora o mercado esteja em expansão, o seu conteúdo deixa a desejar. O que os grandes editores querem é autores que vendam 20 mil exemplares no dia do lançamento. Isso faz com que eles empurrem um mar de porcarias na cabeça do público. Parece que um dos pré-requisitos para ser um best-seller é ser literatura descartável. Somado ao fato de que, salvo poucas excessões, já não se faz editores como antigamente, essa situação faz com que ao longo do ano se imprimam rios e rios de livros cujo destino final será ir parar nalgum aterro sanitário. O fino da literatura, aquilo que é produzido pelos autores mais criativos, muitas vezes passa desapercebido pelos editores, atentos apenas aos cifrões imediatos e à sobrevivência a curto prazo.
Esse dito “mercado”, ainda não conseguiu desenvolver um sistema que mantenha os seus escritores em atividade. Conheço inclusive alguns editores que estão francamente dispostos a não manter relações com escritores. O discurso hoje ultrapassado de que “poesia não vende” é o primeiro assombro do editor. O segundo é a perseguição dos autores que ficam ali cobrando a venda de seus livros. É como disse o poeta Chacal: “não é que poesia não venda, é que os editores não sabem vendê-la”. Eu diria ainda mais: muitos editores não sabem sequer como lê-la. Daí a dificuldade em se decidir quanto à publicação de bons livros.
O mercado editorial brasileiro precisa, cada vez mais, de pessoas capacitadas para fazer com que o conteúdo ultrapasse os limites da chamada “literatura comercial”, que eu chamo de literatura de curto prazo. Assim como estamos num momento otimista do mercado editorial, a literatura brasileira goza de boa saúde, embora seja escrita (e muitas vezes financiada) por autores que estão constantemente de bolso vazio e precisam dar duro para descobrir como farão para pagar a próxima conta de luz. Editores e investidores são espertos quanto a isso. E os poetas? Continuarão com o discurso de que mercado é inimigo da poesia e esperando que algum milagre aconteça? Se a coisa vai por aí, tenho mesmo certeza de que o mercado crescerá sem poesia.