Entrelinhas, entremontes

Versos contemporâneos mineiros

O ano era 2020, e era janeiro. Estávamos, como de costume, à beira de grandes acontecimentos. Viagens em torno à poesia (que só aconteceram tempos depois), lançamentos de projetos novos, muita disposição para ir adiante. Também já nos rondava a notícia de que uma pandemia viria para assustar as nossas vidas. Quando tivemos a triste notícia da partida de um dos nossos mestres inventores: o poeta Marcelo Dolabela havia partido.

No entanto, a belíssima antologia Entrelinhas, entremontes: versos contemporâneos mineiros já se anunciava. Como as melhores coisas destas Minas Gerais, o livro vinha de uma longa gestação, organizado por nosso querido (e já então saudoso) Marcelo Dolabela, pela Vera Casa Nova e por Kaio Carmona. A edição ficou a cargo da belorizontina Quixote-Do.

A editora e seus autores pretendiam (e desejavam) que o livro fosse lançado ali por volta do mês de maio. Mas outra má notícia atrapalhou os planos. A pandemia já havia colocado uma imensa parte da população mundial em clima de pavor, isolada e impossibilitada de participar de qualquer encontro onde houvesse mais pessoas. Não fizemos lançamento algum, tendo ficado a expectativa de, em algum momento, fazermos o encontro de maneira presencial. Momento ainda guardado na nossa imensa câmara dos desejos.

São ao todo sessenta e um poetas que participam cada qual com sua particularidade e diversidade, marca tão forte na poesia produzida em Minas Gerais. Diversas formas e diversas maneiras de se abraçar a poesia, a antologia demonstra a força da poesia que aqui se faz. Neste mesmo livro você lerá a imagética poesia de um Antonio Barreto, os achados e percepções perspicazes de uma Ana Martins Marques, a poesia-cinema de Emilia Mendes, a síntese quase-zen de Camilo Lara (outro que também, para nossa tristeza, se foi enquanto a antologia era organizada). É possível se ler ainda: a poesia pura-linguagem de Adriana Versiani, a poesia-mergulho de Adriane Garcia, com sua multiplicação de peixes em estado de ironia, o despojamento transgressor de Renato Negrão, a doçura lúcida de Maria Esther Maciel e assim por diante. Uma surpresa após outra, passando por Edimilson de Almeida Pereira, os poemas dos próprios organizadores Marcelo Dolabela, Kaio Carmona e Vera Casa Nova (pontos altos na publicação), Sérgio Fantini, Sônia Queiroz, Mônica de Aquino, Bruna Kalil Othero, Fabrício Marques e mais uma lista tão repleta de surpresa quanto rica em nos fornecer um gostinho de quero mais, já que ainda há muita coisa incrível produzida em Minas que não aparece aqui.

Colaboro nesta antologia com meus ritmos de tambor e minhas conversas em busca do ngunzu entre as palavras.

A obra traz ainda um texto introdutório de Domício Proença Filho. Um texto interessante, embora peque no excesso de avaliação e busca de tendências. Ele declara, no entanto, o papel da poesia viva de Minas. “Em síntese, os textos reunidos em Entrelinhas, entremontes: versos contemporâneos mineiros evidenciam, sem esghotar, as tendências configuradoras, a continuidade de aspectos significativos da dispersão assinalada”. Embora ele se perca nas ilusões da temática, da rima e do verso livre (coisas quase desimportantes neste século XXI e, principalmente, na antologia que ele mesmo apresenta), ele busca mostrar a possibilidade do encontro entre o leitor e a poesia, todos reunidos num mesmo espaço: “nas terras mineiras, a poesia vive”, arremata.

A edição ainda ganhou um adendo: sua versão podcast, na qual você poderá ouvir cada um dos muitos poemas presentes no livro. A série pode ser ouvida no spotify, no seguinte link: https://open.spotify.com/show/2UeizQCN1lYLuak7p87B41.

Para comprar o livro, você pode procurar o seu livreiro preferido, online ou pessoalmente. E pode também ir direto no link da editora: https://quixote-do.com.br/produto/entrelinhas-entremontes-versos-contemporaneos-mineiros/

*

A título de amostra, deixo aqui um poema de Edimilson de Almeida Pereira:

Na casa da palavra

os homens que falam poeira cadê sua miséria
comentam o motivo de falarem poeira cadê
sua miséria.

Poeira cadê sua miséria não é só poeira cadê
sua miséria: mas o ovo de outras coisas.

Os homens que falam poeira cadê sua miséria
se vestem de poeira cadê sua miséria. Eles se
conhecem desde o-ó-do-mundo pela música
que poeira cadê sua miséria faz neles.

O modo de falar poeira cadê sua miséria deixa
a língua no sal.

Os homens que falam poeira cadê sua miséria
treinam de usá-la. E nunca repetem o que dis-
seram no camaleão poeira cadê sua miséria.

*

Poetas que participam desta antologia:

Adriana Versiani, Adriane Garcia, Adriano Menezes, Alexandre Rodrigues da Costa, Alícia Duarte Penna, Álvaro Andrade Garcia, Ana Caetano, Ana Elisa Ribeiro, Ana Martins Marques, Angélica Amâncio, Antonio Barreto, Brenda Mar(que)s, Bruna Kalil Othero, Caio Junqueira Maciel, Camilo Lara, Carlos Augusto Novais, Carlos Ávila, Carlos Barroso, Dagmar Braga, Daniel Arelli, Djami Sezostre, Edimilson Pereira de Almeida, Elaine Oliveira, Emília Mendes, Erick Costa, Fabrício Marques, Flausina Márcia, Flávio Boave, Francesco Napoli, Gean Simões, Gilberto de Abreu, Inês Campos, José Américo Miranda, Jovino Machado, Júlio de Abreu, Kaio Carmona, Kiko Ferreira, Léo Gonçalves, Lúcia Afonso, Luciana Tonelli, Luiz Edmundo Alves, Malluh Praxedes, Maraíza Labanca, Marcelo Dolabela, Marcus Vinícius de Faria, Maria Esther Maciel, Mário Alex Rosa, Mônica de Aquino, Natália Menhem, Paula Vaz, Renato Negrão, Rodrigo Leste, Ruth Silviano Brandão, Sônia Queiroz, Sérgio Fantini, Simone de Andrade Neves, Simone Teodoro, Teodoro Rennó Assunção, Thaís Guimarães, Vera Casa Nova, Wagner.

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