No último sábado, numa passagem rápida por BH, fui ver a peça A vertigem, com o grupo A Patela. Com texto de Patrícia Mc Quade, conta a história de Fedon, príncipe insigne que nos meandros da vida tornou-se escravo e filósofo, personagem de Platão, interlocutor de Sócrates. O monólogo traz à cena Robson Vieira. Num difícil trabalho corporal em meio à elocução do texto ricamente poético, Robson baila seu corpo mestiço em movimentos que nos remetem à Grécia, os discóbolos e a ideia da academia antiga. O espetáculo é dirigido por Claudio Márcio e teve curta temporada na Campanha de Popularização de Teatro. Em breve, pelo que sei, haverá uma outra temporada. Quando houver, deixo a dica e aviso aos desavisados.
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A vertigem – Patela cia teatro & dança
Nos dias 24, 25 e 26 de setembro estréia em Belo Horizonte o espetáculo A vertigem, com o grupo Patela. Inspirado na vida de Fedon, príncipe insigne, escravo, bailarino de prostíbulos da Grécia antiga, discípulo de Sócrates. Sua trajetória é marcada pela dor e pelo amor, elementos básicos de sua filosofia. Personagem que deu título a uma obra de Platão, cuja vida guarda mistérios até mesmo sobre sua real existência.
A vertigem traz à cena Robson Vieira, que interpreta o papel de Fédon. A dramaturgia é de Patrícia Mc Quade em colaboração com o grupo e a direção é de Claudio Márcio.
O espetáculo começa às 20h, no Espaço Ambiente, na rua Grão Pará, 185 – Santa Efigênia, atrás do Lapa Multishow. Na sexta-feira terá um bate-papo após a sessão. No sábado e no domingo, a peça será exibida a preços populares.
O negro, a flor e o rosário
Está em cartaz no Teatro do Izabela Hendrix o espetáculo cênico-musical “O negro, a flor e o rosário”. Nele, são contadas poéticas histórias da presença do negro no Brasil, com uma África sempre mítica, uma poderosa mãe que proporciona a esperança aos que foram levados pra longe, que atravessaram o Calunga Grande (o mar). Personagens como Zumbi, Dandara, o Saci e muitos outros aparecem para rechear de beleza o imaginário referente ao negro no Brasil.
“O negro, a flor e o rosário” é uma criação de Maurício Tizumba e Vítor Alvim. Faz parte da programação da 36ª Campanha de Popularização do Teatro. No seu elenco: Benjamin Abras, Julia Dias, Elisa de Sena, Tásia D’Paula, Eneida Silva, Maíra Baldaia, Simone Meireles, Josi Lopes, Ana Luisa Moreira e Viviane Moreira.
O espetáculo está em cartaz de quinta a sábado (às 21h) e aos domingos (às 20h) até o dia 24 de janeiro.
mercado de santa tereza
ESSA É A ÚLTIMA SEMANA para quem quiser votar no futuro do mercado distrital de santa tereza. estão no páreo três propostas interessantíssimas. e pelo que andei vendo, está disputadíssimo. mas acho que ainda tem muita gente para votar. uma grande oportunidade para o cidadão escolher o destino de um determinado espaço da cidade, que sempre está à mercê da especulação financeira.
os três projetos são os seguintes:
centro de artes, cultura e tecnologias sócio-ambientais (proposto por tambor mineiro, ietec educação tecnológica, lume estratégia ambiental e mundo mico – coletivo de artistas)
mercado mineiro de santa tereza (proposto por associação do bairro de santa tereza, instituto de estudos do desenvolvimento sustentável e incubadora de artes do espetáculo)
mercado cultural de santa tereza (proposto por grupo giramundo, centro cultural galpão cine horto – grupo galpão e agentz produções)
patrícia mc quade | suja de piche
patrícia mc quade é a mulher que povoa meus sonhos. isso eu nunca escondi de ninguém. aliás, boa parte dos poemas que aparecem aqui, ali, traduções de poemas, minhas idéias mirabolantes, estão dedicados a ela. professora genial, sabe ensinar do jeito que deveria ser a educação que não há no brasil. no começo deste ano, publiquei uma entrevista que fiz com ela no overmundo, onde ela fala das coisas da educação, da poesia, das crianças e dos adultos.
há algum tempo, ela começou a publicar num blogue delicado chamado suja de piche. falei: vou noticiar no meu salamalandro. mas ela, tímida, não queria. agora ela está lá, repleta de notícias de um pouco do bonito que encontra nos palcos e telas da cidade, além de poemas, crônicas, citações e outras coisas belas que ela sabe fazer. uma dica para os navegantes: visitar as postagens mais antigas, que estão repletas de poesia. por via das dúvidas, publico aqui um dos poemas dela que mais gosto:
pena de passarim
para john willis, meu pai
todo dia bem cedinho
seu joão se levanta
e cuida de passarim
é gorjeio aqui
trinado ali
piada acolá
uma beleza de se escutar
mas a piada melhor
é a de seu joão
de alma de passarim
e pena de voar
bom é acordar juntinho
com seu joão
sempre bem cedinho
de pena leve
e alma de passarim
canta pra mim passarim
canta pra mim
patrícia mc quade
www.sujadepiche.blogspot.com
as aventuras de molière
este ano, nos meses de maio e junho, muitos amigos andaram reclamando do meu sumiço. isso se deu porque eu estava às voltas com a revisão do livro o doente imaginário, de molière*. há tempos eu esperava a chance de uma segunda edição. eu queria, além de rever partes da tradução, reescrever o texto que acompanha a peça. o resultado foi um “posfácio” sobre a época de molière, suas venturas e desventuras, a cosmovisão sua e de seus contemporâneos e como ele colaborou, enquanto artista, para alargar essa cosmovisão.
curiosamente, pouco tempo depois, entrou em cartaz nos cinemas o filme as aventuras de molière (no original ele se chama apenas molière), do francês laurent tirard. não pretendo contar a história do filme, mas um pequeno résumé rola: o filme parte de um desvio na história. da biografia de molière, conta-se que ele, jovem, foi preso por dívidas, dificuldades que enfrentava para administrar sua trupe teatral. tirard imagina, então, a chegada de um burguês chamado jourdain que, desejoso de aprender algumas técnicas de teatro (a fim de conquistar uma preciosa dama), “compra” a dívida do comediante e o leva para uma temporada em sua casa. nessa estada, ocorrem situações cômicas que definirão sua carreira e sua obra mais célebre.
trata-se de uma fantasia, um pouco à moda do shakespeare apaixonado, de john madden. mas o interessante é a excelente pesquisa de época, com personagens falando um francês carregado. outra coisa que gosto muito é a atuação do ator principal, romain duris (que fez albergue espanhol) e da atriz co-adjuvante, laura morante. além disso, o filme é um verdadeiro prefácio à obra de molière. os entendedores reconhecerão diversas passagens tiradas das suas comédias. se eu tivesse visto esse filme antes, muitas passagens do posfácio se tornariam desnecessárias.
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*eu queria agradecer à patrícia mc quade, pela paciência, interlocução, apoio moral e logístico naqueles dois meses (isso tudo sem falar no amor imensurável, constante e atemporal, o carinho cotidiano, a vida partilhada, coisas das quais qualquer agradecimento nunca pode ser suficiente). além de ter sido ela a responsável pela minha reconciliação com o teatro (paixão que tinha se calado ao ver tanta porcaria em cartaz). sem isso, tenho certeza que não teria saído revisão nem posfácio nenhum. não achei espaço no livro para agradecer, agradeço aqui.
fit bh – 2008
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o rei da vela
você acredita que new york teria aquelas babéis vivas de arranha-céus e as vinte mil pernas mais bonitas da terra se não se trabalhasse para wall street de ribeirão preto a cingapura, de manaus à libéria?
oswald de andrade
há algum tempo, a peça “o rei da vela” do oswald de andrade me espreita da prateleira. já a conhecia de vista. sabia passagens praticamente de cór. já tinha visto cenas bem e mal interpretadas. mas nunca tinha lido na íntegra. não tenho vergonha de dizer que não li ainda alguns dos livros mais indicados e indicáveis. talvez algum dia eu os leia. fazer o quê?
“o rei da vela” me espreitava lá da prateleira da estante. resolvi encará-lo. e me surpreendi. é uma das coisas mais interessantes que já li. uma radiografia do brasil e das relações inter-sociais que rolam aqui, escrita em 1933. extremamente atual.
uma peça de teatro engraçada não é necessariamente uma peça de humor. o humor aceita a fantasia. faz rir através da imaginação. a piadinha. o lugar comum. a maioria das “comédias” que se assistem hoje são peças de humor. ironia é diferente. você joga com o real. escancara as entranhas, as feridas do discurso. se as aparências enganam, a ironia caçoa das aparências. e o rei da vela é assim.
waly sailormoon e a teatralização: trechos de um texto de antônio cícero
uma das publicações mais bonitas de poesia que tive acesso nos últimos tempos é o livro “me segura qu’eu vou dar um troço” de waly sailormoon, publicado em 2003 pela editora aeroplano em parceria com a biblioteca nacional, organizado por heloísa buarque de hollanda e luciano figueiredo. trata-se trabalho do primeiro do baiano que, em 1972 ficou preso no carandiru por causa do porte de uma “mera bagana de fumo”.
“meu primeiro texto teve de brotar numa situação de extrema dificuldade. na época da ditadura, o mero porte de uma bagana de fumo dava cana. e eu acabei no carandiru, em são paulo por uma bobeira, e lá dentro eu escrevi “apontamentos no pav 2”. não me senti vitimizado de ver o sol nascer quadrado. para mim foi uma liberação da escritura”.
nesta edição, há um belíssimo prefácio de antônio cícero, verdadeiro testemunho de admiração e amizade por um dos poetas mais importantes que apareceram na cena brasileira dos últimos 50 anos. fiz uma pequena edição de um trecho que me toca, especialmente agora, neste instante da vida. espero que o cícero não se importe. segue o texto:
a falange de máscaras de waly salomão
(…)
em 2002, waly resume a relação entre a prisão e a escrita, dizendo que “… ver o sol nascer quadrado, eu repito esta metáfora gasta, representou para mim a liberação do escrever que eu já tentava desde a infância.
se desde a infância ele já buscava a liberação que a escritura de “me segura”viria a lhe proporcionar, então, de algum modo, a vida anterior a essa escritura devia ser por ele percebida como uma prisão ou um confinamento: confinamento do qual o carandiru tornou-se o emblema. de que se trata? são muitas as possíveis prisões. em texto sobre “me segura”, intitulado “ao leitor, sobre o livro”, lê-se:
sob o signo de PROTEU vencerás.
por cima do cotidiano estéril
de horrível fixidez
(waly salomão)
de que modo a poesia proporciona a liberação a quem foi confinado? o desprezo pela fixidez do cotidiano, a rejeição dos princípios lógico-formais da identidade e da contradição, a vontade de abolir as fronteiras entre o eu e os outros e o fascínio pela metamorfose são características que trazem à mente a noção de carnavalização. mas, não creio que o termo carnavalização seja adequado para caracterizar a obra de waly. na verdade, aquilo que merecia o epíteto de carnavalizante era a pessoa ou a irradiante presença de waly, inclusive na sua atividade de conferencista e nas suas aparições na televisão, mas não a sua poesia. em relação a esta, prefiro empregar o conceito que ele mesmo elegeu: o de teatralização.
“é que eu transformava aquele episódio, teatralizava logo aquele episódio, imediatamente, na própria cela, antes de sair. eu botava os personagens e me incluía, como marujeiro da lua. eu botava como personagens essas diferentes pessoas e suas diferentes posições no teatro: tinha uma agente loira babalorixá de umbanda, tinha um investigador humanista e o investigador duro. o que quer dizer tudo isto? você transforma o horror, você tem que transformar. e isso é vontade de quê? de expressão, de que é isso? não é a de se mostrar como vítima”.
a vítima é o objeto nas mãos do outro. quem aceita a condição de vítima no presente, quem diz: “sou vítima” está, ipso facto, a tomar como consumada a condição de não ser livre. é contra essa atitude de implícita renúncia à liberdade que waly teatraliza a sua situação. ao fazê-lo, ele a transforma em mera matéria prima para o verdadeiro drama, que é o que está a escrever. a vítima passa a ser apenas o papel de vítima, a máscara de vítima. por trás da máscara há o escritor. mas isso não é tudo, pois o que é o escritor senão o papel de escritor?
waly sailormoon, o marujeiro da lua, diz que: “chego nos lugares e percebo as pessoas como personagens de um drama louco”. mas não se deve cair no equívoco de supor que a teatralização consista simplesmente em opor ao mundo real o imaginário. não é o delírio ou a alucinação que waly aqui defende. não se trata de opor o teatro ao não-teatro. o que ele julga é, antes, que tudo é teatro. ao afirmar que percebe as pessoas como personagens de um drama louco, waly não quer dizer apenas que as interpreta como tais, mas que se dá conta de que são personagens de tal drama. retomando a idéia do theatrum mundi, originada na antigüidade.
mas, se tudo já é teatro, se até o fato é teatro, qual é o sentido da teatralização? por que teatralizar o que já é teatro? é que o fato social é o teatro que desconhece o seu caráter teatral. o processo que leva a esse desconhecimento ocorre, por assim dizer, “naturalmente”: como a peça que se representa no teatro do mundo parece ser sempre a mesma, os atores ignoram que se trate de uma peça, isto é, de obra humana e artificial; ignoram, em outras palavras, que seja uma dentre muitas peças reais ou possíveis, e a tomam por natureza. longe de reconhecer espontaneamente o teatro do mundo como teatro, o indivíduo, no interior da sua cultura, aceita os papéis sociais como dados ou fatos desde sempre já prontos: o que equivale, como foi dito, a tomá-los por natureza, não por teatro.
a atitude de waly é diametralmente oposta a essa. ele nunca esquece que o “fato” social é o teatro que se enrijeceu ou esclerosou a ponto de olvidar a sua natureza teatral: o teatro que se pretende superior ao teatro, que se pretende mais real do que o teatro. na medida em que tem êxito em sua impostura, a “horrível fixidez” daquilo que podemos chamar de “teatro do fato” não somente expulsa ou degrada ao segundo plano as virtualidades ainda não realizadas do presente, que o superam em riqueza, mas, além disso, congela o movimento criativo que, em princípio, exige a abertura permanente a novas possibilidades interpretativas. a teatralização walyniana funciona, portanto, como a água de mnemosune, o antídoto contra a água da fonte de lete, do esquecimento naturalizante e confinante.
(do prefácio de antônio cícero ao livro “me segura qu’eu vou dar um troço”, de waly salomão, publicado em 2003 pela editora aeroplano)