Quem já ouviu falar do viaduto Santa Tereza, pode pensar que se trata de uma obra prima da construção civil. Mas não é. É apenas um dos muitos lugares inóspitos da cidade, construído originalmente para a travessia de carros e pedestres. Não é longo: caminhando com calma, pode-se atravessá-lo em 10 minutos. Seus famosos arcos e os postes antigos que o iluminam dão-lhe um ar pitoresco, e pode ser animado pela imensa faixa de céu que se abre acima, o sol que se esconde à esquerda, atrás da praça da estação, e a feia linha do metrô que passa por baixo. Também passa embaixo o rio Arrudas que, de tão feio e fedorento, foi coberto de cimento e asfalto. Olhando na extremidade que está conectada ao centro, vemos muitos prédios. E por todos os lados, asfalto e tráfego. Embora por ali passe sempre muita gente, sua função é a de unir os bairros da região leste de Belo Horizonte ao centro, garantindo o tráfego funcional do município.
A proposição se chama Sobreabismos. Duas bacias dispostas lado a lado em cada extremidade da calçada direita. Em uma delas, água. Na outra, uma combinação de pigmentos que lembram algum minério extraído das minas gerais. A performer Cinthia Mendonça pisa na bacia com água, molha bem os pés descalços e depois se deixa sujar com o pó amarelo-avermelhado da outra bacia. Segue então seus passos até o outro lado da ponte. O trabalho, que faz parte da programação da MIP2 (Movimentação Internacional de Performance), teve seu início na sexta-feira, dia 07 de agosto às 14h e foi até o pôr do sol. No percurso, observações, contatos humanos, encontros previsíveis e imprevisíveis, diálogos, descobertas, um rastro colorido no chão e a teimosa vontade da artista de ser elo entre os dois lados do incontornável precipício que habita o indivíduo da cidade grande.
Às 16:30, começa outra performance, desta vez na praça da estação. Durante duas horas e meia, o grupo Xepa realiza a Edificação: muros construídos com tijolos limpos cor laranja. Os tijolos, encaixados um por um pelos performers, não levam cimento e são colocados num ângulo levemente deslocado até o ponto de cair. Por alguns instantes, a simbologia de dureza e rigidez é forçada ao ponto de tornar-se movimento. O resultado final é um conjunto de esculturas-instalações que fazem da cinzenta praça um lugar apocalíptico e colorido por onde o passante pode sentir que está ou entre barricadas ou no meio de um quadro surrealista. Infelizmente, por questão de tempo, só pude ver esse trabalho no momento em que os realizadores já não estavam presentes. Mas, enquanto passava por ali, por volta das 19h, por entre as muretas caídas e abandonadas, ainda pairavam no ar algumas reflexões.
A palestrante portuguesa Suzana Vaz, comentou a idéia de Joseph Beuys de que “todas as pessoas são artistas” para concluir algo mais ou menos assim: “Quanto a mim, acho que a maioria das pessoas atualmente sofre de uma certa normalpatia que as leva a não entender nada que não caiba nos moldes do sistema consumista. É claro que essa minha opinião não está livre de discordâncias, mas assim é como eu vejo”.
Em Belo Horizonte, nesta época do ano, o sol se põe antes das 18h. Nesse horário, o centro está repleto de pessoas que vão e vêm em busca das conduções que as levarão de volta para casa. Na praça da estação, especialmente, há muitos pontos de ônibus que levam até os bairros mais periféricos da cidade. É realmente um grande e rápido fluxo de gente. E, exatamente por esta razão, uma operadora de telefonia móvel resolveu instalar ali um ruidoso balão dirigível vermelho com a notícia de sua mais nova promoção, eclipsando as Edificações do Xepa. E, enquanto eu caminhava pela populosa praça, onde as pessoas não podiam deixar de olhar para o imenso outdoor que a todo momento ameaçava alçar vôo, eu sentia a melancolia de quem anda sobre abismos. Os mesmos e incontornáveis abismos que distanciam de ações propositivas como estas e muitas outras que participam da MIP2, as imensas procissões cotidianas do consumismo e da normalpatia.