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Rebeldes e revoltados

Rimbaud

Estamos em tempos de revolta. Caiu na rede, jogou palavras ao vento, à esquerda ou à direita, feminista ou machista, racista ou antirracista, fascista ou progressista, direitista-conservador ou anarquista libertário, passando por todas as nuances de um polo a outro, parece que o sentimento mais disseminado por todas e todos é: a revolta. A rebeldia, no entanto, parece uma promessa esquecida, uma utopia obsoleta, jogada ao relento, adormecida como o adormecido do vale de Rimbaud.

O revoltado está puto. Vai quebrar tudo. Prepare-se. É porrada que ele quer.
O rebelde observa.
O revoltado tem certeza. Foi cometida contra ele a maior das injustiças: roubaram seu pirulito, pediu o café, o café não veio, por que estão gritando a essa hora?

Os olhos do rebelde te devoram e te atravessam. Há um alvo, um plano, um fim. Por isso, ele não tem muitas certezas. Certezas podem se transformar em obstáculos intransponíveis.

Revoltado com o ônibus que passou direto, o homem pôs-se a gritar. Parecia um animal a caminho do sacrifício. Seus motivos eram todos muito corretos. Um homem honesto e branco não pode ser deixado às 4h30 da manhã na rua. Não pode ser desprezado assim por um motorista, não pode ser tratado como uma pulga pedindo carona no meio da noite. Onde está o fiscal desta porra?

“Deve ter ido comer coxinha”, responde, rebelde, um adolescente. Se levanta e vai embora. A pé. “Foda-se o ônibus”, diz.

O homem revoltado é uma bomba, um grito em uníssono, o estouro da boiada.

O rebelde é insubmisso: jamais fará parte do rebanho.

O revoltado está reunindo uma turma de revoltados para surrar Emmett Till, o garoto negro que assobiou para uma moça da turma.

Rebelde, Emmett Till olhou safado para a moça da turma e ela retribuiu com tesão. Um dos revoltados viu tudo e resolveu tomar uma atitude. Estou misturando histórias. Não importa.

O revoltado lincha.

O rebelde incomoda.

O revoltado segue às cegas uma causa, um princípio, uma moral, uma ideologia, um deus.

O rebelde olha ouve fareja tateia saboreia.

Rebelde, Rosa se sentou no banco destinado a pessoas brancas e se recusou a se levantar.

O rebelde, no átrio do templo, quebrou as mercadorias, gritou, esperneou e fez cantar a chibata. Disse que deus não está a venda. Revoltados, os donos das mercadorias pediram a cabeça do rebelde numa bandeja. Chamaram-no de terrorista.

O rebelde foge da multidão, vira herói romântico.

Os fãs de hoje são os revoltados de amanhã. Revoltados lincham seus ídolos quando estes fazem algo inesperado. Rebeldes sempre fazem coisas inesperadas.

Rebeldia fez Rimbaud abandonar a poesia aos 20 anos, logo após revolucioná-la. Revoltada por ter sido trocada por um boy, Mathilde Verlaine acusou o marido de sodomia e de outros crimes, obrigando-o a cumprir uma pena de alguns anos. Na prisão escreveu um poema intitulado “Crimen Amoris”.

O rebelde, em tempos de formalidade, aparece na foto com a gravata torta e o cabelo bagunçado.

O revoltado veste uniforme.

Revoltados amam a ordem, por isso não hesitam em vandalizar, destruir, quebrar e saquear o que veem pela frente. Rebeldes detestam a ordem. Por isso se ausentam dela. Seja para destruir. Seja para preservar.

Obrigados a comer o sal extraído pelos ingleses, indianos caminharam até a praia e declararam o sal um bem da natureza. A ordem era ir ao trabalho de trem. O trem era dos ingleses. Por isso, decidiram ir a pé, proporcionando o caos.

Rebeldes podem conviver com o caos porque sabem que ele é uma etapa rumo a uma vida menos esculhambada.
Rebeldia é estratégia.
Revolta é reação.
Rebeldia é senso crítico e duradouro descontentamento.
Revolta é sangue nos olhos.

Há rebeldes que se revoltam.
Há rebeldes que se rebelam.
Tudo depende da hora.
Revoltados apenas se revoltam, mesmo quando os rebeldes iluminam suas almas com grandes sonhos.
Rebeldia é Tesão.
Revolta é retaliação.
Revoltados querem o polegar para baixo.
Rebeldes mostraram o dedo do meio para o César.

Revoltados só estavam seguindo a ordem, a moral e os bons costumes.
Rebeldes perguntaram por quê e foram punidos por isso.
Revoltados, ao se juntar à massa, esqueceram seus princípios.
Rebeldes não se juntaram à massa, não formaram uma massa, mas uniram-se em favor de uma causa maior.

O rebelde quer o fim do poder instituído.
O revoltado quer instituir um novo poder.

Rebeldes invadiram as escolas e exigiram respeito, transformando-as em algo bem melhor do que eram antes.

Rebeldes mudam a natureza das coisas.

Revoltados se enfurecem.

Beatriz Preciado: Nós dizemos revolução

Beatriz Preciado

Publicado no caderno “Culture” do jornal Libération de 20 de março de 2013, este artigo de Beatriz Preciado continua atual. Faz pensar nas discussões em torno a partidarismos e apartidarismos nas manifestações que ocorrem no Brasil hoje, o massacre que a mídia faz sobre os Black Blocs (nosso talvez Occupy brasileiro) e a incapacidade que a mentalidade política centenária tem para compreender as múltiplas revoluções possíveis nos dias atuais. Para postar aqui, traduzi com uns toques do meu amigo Josaphat Franca Fonseca Neto (que foi também quem me indicou a leitura do texto). Quem quiser ler o original, ele está aqui: www.liberation.fr

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NÓS DIZEMOS REVOLUÇÃO
Beatriz Preciado

Parece que os gurus da velha Europa colonial estão ultimamente obstinados a querer explicar aos ativistas dos movimentos Occupy Indignados, aleijado-trans-bicha-intersexual e pospornô, que nós não poderemos fazer a revolução porque nós não temos uma ideologia. Eles dizem “ideologia” como minha mãe dizia “marido”. Ora, nós não precisamos nem de ideologia nem de marido. Nós as novas feministas não precisamos de marido porque não somos mulheres. Da mesma forma que não precisamos de ideologia porque não somos um povo. Nem comunismo nem liberalismo. Nem a ladainha católico-muçulmana-judia. Falamos outra língua. Eles dizem representação. Nós dizemos experimentação. Eles dizem identidade. Nós dizemos multidão. Eles dizem domesticar a periferia. Nós dizemos mestiçar a cidade. Eles dizem dívida. Nós dizemos cooperação sexual e interdependência somática. Eles dizem capital humano. Nós dizemos aliança multi-espécies. Eles dizem carne de cavalo nos nossos pratos. Nós dizemos “montemos nos cavalos para escaparmos juntos do abatedouro global”. Eles dizem poder. Nós dizemos potência. Eles dizem inclusão. Nós dizemos código aberto. Eles dizem homem-mulher, branco-negro, humano-animal, homossexual-heterossexual, Israel-Palestina. Nós dizemos: vocês sabem muito bem que seu aparelho de produção de verdades não funciona mais… De quantos Galileus precisaremos desta vez para reaprendermos a nomear as coisas nós mesmos? Eles nos proporcionam a guerra econômica a golpes de facão digital neoliberal. Mas nós não vamos chorar pelo fim do Estado-providência porque o Estado providência era também o hospital psiquiátrico, o centro de inclusão de deficientes, a prisão, a escola patriarcal-colonial-heterocentrada. É tempo de colocar Foucault na dieta aleijado-queer e escrever a Morte da clínica. É tempo de convidar Marx para um atelier eco-sexual. Nós não vamos encenar o Estado disciplinar contra o mercado neoliberal. Esses dois aí já fizeram um acordo: na nova Europa, o mercado é a única razão governamental, o Estado se torna um braço punitivo cuja única função é a de recriar a ficção da identidade nacional através do medo securitário. Nós não queremos nos definir nem como trabalhadores cognitivos nem como consumidores farmacopornográficos. Não somos Facebook, nem Shell, nem Nestlé, nem Pfizer-Wyeth. Não queremos produzir franceses, tampouco produzir europeus. Não queremos produzir. Somos a rede viva descentralizada. Recusamos uma cidadania definida por nossa força de produção ou nossa força de reprodução. Queremos uma cidadania total definida pela divisão das técnicas, dos fluidos, das sementes, da água, dos saberes… Eles dizem que a nova guerra limpa se fará com drones. Nós queremos fazer amor com os drones. Nossa insurreição é a paz, o afeto total. Eles dizem crise. Nós dizemos revolução.

A revolta do vinagre ou “não temos tempo de temer a morte”

df

 

Muita gente anda dizendo que não está entendendo nada. Da coluna do Antonio Prata na Folha ao pronunciamento da presidente sobre as manifestações de segunda-feira, todos parecem querer dizer a mesma coisa: “não estou entendendo nada”. O poeta Carlito Azevedo postou numa rede social: “Quem não estiver confuso não está bem informado”. A frase, que ele encontrou num dos cartazes da manifestação, foi originalmente dita pelo detestável Delfim Neto por ocasião da crise mundial. Como lembrou minha amiga Fabiana Motroni no twitter, nada mais apropriado para ambos os casos.

Mas será realmente tão difícil compreender o texto e o subtexto de todas as falas e gritos de revolta pelas ruas do país? Vinte centavos foram a gota d’água de uma série de abusos que vêm nos acompanhando incessantemente há mais ou menos uns 500 anos. Um dia o caldo entorna, e vinte centavos passam a ser uma fortuna incontornável.  Muito sobre isso já foi dito. Que não é esse o primeiro protesto decorrente de um aumento nos preços das passagens. Que o movimento pelo passe livre não é novo.

O que talvez não tenha sido dito ainda em palavras explícitas e reunidas num canto só é:

“Nesses vinte centavos, vocês querem mais uma vez nos fazer de otários. Não aceitaremos isso mais.”

E eis o texto que acompanha:

“Há tempos estamos saindo às ruas. São inúmeras as marchas. Marcha contra Belo Monte. Marcha das vadias. Marcha contra Marcos Feliciano. Marcha contra Renan Calheiros. Marcha contra a corrupção. Marcha contra a Pec 37. Marcha contra o genocídio de índios. Marcha pela melhoria da educação. Marcha contra a desapropriação da Aldeia Maracanã. Marcha disso, marcha daquilo.

Mas vocês não ouvem. Gritamos e vocês fazem ouvidos moucos, fingem-se de surdos. Fingem que não é com vocês.

Disseram e sustentam que esta é uma democracia. Mas sabemos que para vocês o país só é democrático na época das eleições. Somos obrigados a ir às urnas para escolher entre o ruim e o pior. Não bastasse isso, não se sentindo satisfeitos com a democracia de aparências, vocês procuram os desfavorecidos para comprar seus votos. Vocês já têm as cartas marcadas e nos querem usar para validar a sua democracia.

Então um dia, saímos para reclamar e vocês nos jogam na cara suas bombas de gás lacrimogênio, seus sprays de pimenta, suas balas de borracha, seus militares-cães-de-guarda e pensaram que iríamos nos acovardar. Mas nós nos cansamos, caros políticos. Não nos acovardamos desta vez. Saímos aos milhares e vocês fizeram suas demonstrações de guerra contra nós. Provaram que estão mentindo. Nós não queremos  a sua truculência. E por isso agora já somos milhões.

Podem usar a mídia para confundir os confusos, mas vocês não conseguirão conter a fúria de um povo abusado. Como diz um verso do Chico Science: “um homem roubado nunca se engana”. Estamos cansados.

Estamos cansados dessa política que é definida pelas empresas privadas, pelos capitalistas interessados, pelos altos lucros das megaempresas.

Estamos cansados de política tratada como negócio.

Estamos cansados de manipulação das informações.

Não somos crianças. Não somos idiotas. Chega de abusar da nossa paciência.

Presidente, você não tem coragem para admitir que seu país está iniciando uma insurreição e quer tratar os protestos apenas como mais uma onda de “marchas”. Você se finge de tola, mas sabe muito bem que seus panos quentes não resolverão. Queremos que você ouça as lideranças do seu país. Queremos que você converse com os índios, as mulheres, os negros, os representantes das classes. Não queremos que você seja só uma gerentona. Queremos alguém capaz de enxergar a vida para além da economia. Se quiséssemos só uma gerente, teríamos eleito um ministro da economia e não uma presidente.

Governadores, não queremos que sua polícia militar garanta a segurança de outro que não nós. Avisamos que se continuarem soltando seus cães contra nós, vocês correm o risco de que eles também se unam à nossa causa. Porque a nossa causa é também a deles. Vocês também os exploram. Os treinaram para serem cães, mas mesmo os cães quando maltratados um dia se voltam contra seus donos.

Prefeitos, não queremos que vocês vivam com as calças abaixadas para as oligarquias do transporte. Não queremos nosso dinheiro investido na Copa do Mundo quando milhões de pessoas morrem de fome, de pobreza e de falta de educação. Não queremos a cidade vendida e loteada para que só alguns ricaços apodreçam de tanto ganhar dinheiro às nossas custas.

Senadores, deputados, vereadores, não queremos que vocês votem mais leis contra nós mesmos. Não queremos Cura Gay. Não queremos Ato Médico. Não queremos impunidade. Não queremos, sobretudo, pagar tantos milhões ao ano para sustentar vocês.

Estamos cansados!”

 

É isso que dizem os cartazes. Quem não entendeu, ou é porque é mais conveniente, ou é porque não quer ver, ou é, ainda, porque preferem ter esperanças numa possível burrice dos participantes. O que talvez dê no mesmo.

BH: Carnaval e Política

Talvez Belo Horizonte seja hoje um caso único na política brasileira. Primeiro do lado do poder: as notícias quase não circulam fora de Minas, o que permite aos políticos fazer o que bem entendem e ainda serem admirados como salvadores da pátria. É o caso do ex-governador e atual senador Aécio Neves, que criou um sistema de censura branca em todo o estado, fez muita demagogia, manteve tudo como estava antes dele ou piorou um pouco mais alguns pontos. Para sair bonito na fita, criou um centro administrativo nos confins da cidade, dificultando o acesso do povo ao poder de uma maneira pomposa – o projeto do cidade administrativa (que ganhou o apelido de Nevesland) é de Oscar Niemeyer. No mais, muita corrupção, drogas e arbitrariedade, coisas que não aparecem na revista Caras. Outro que sai bonito na fita é o atual prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda. Amigo dos endinheirados, trata a cidade como uma empresa – que ele administra com pouquíssima visão de futuro, já que seu projeto mais ambicioso é a imediatista Copa do Mundo. Recentemente, apareceu em pesquisas como o prefeito brasileiro com maior nível de aprovação, embora exista um movimento Fora Lacerda! e inumeráveis manifestações cotidianas nas ruas e nas redes sociais contra ele.

Mas não são só as falcatruas que passam de liso para os ansiosos de informação. Desde que Márcio Lacerda proibiu o uso da Praça da Estação para atividades públicas, começou a surgir um movimento alegre e carnavalesco na cidade que está gerando a maior dor de cabeça para a prefeitura. Incomodados com a proibição, jovens da cidade decidiram fazer a “Praia da Estação” e esta passou a ser um importante ponto de encontro, para o qual converge a maioria dos os movimentos de contestação política da cidade. Me lembro das vezes em que fui: uma hora em que se pode estar livre dos afazeres cotidianos, conversando livremente sobre as coisas da cidade. Nos intervalos entre um papo e outro, toma-se um refrescante banho na fonte da praça, aos gritos de “Hei, polícia, a praia é uma delícia!”. Márcio Lacerda, sem querer, transformou a Praça da Estação numa Ágora, e agora a coisa cresce cada dia mais.

Envolvidos com as questões urbanas da cidade, a população se une para reclamar seus direitos. Momento memorável aconteceu na última quinta-feira (dia 09/fev). Eis o caso: os vereadores belorizontinos haviam decidido que mereciam um reajuste salarial de 61,8%. A notícia foi escandalosa e a imprensa local não deixou o caso em brancas nuvens. O povo protestou. Resultado: o prefeito vetou o aumento. Os vereadores bateram o pé. Se reuniram novamente para votar a derrubada do veto. Porém desta vez, havia uma multidão assistindo, filmando, protestando, pressionando. Os vereadores não tiveram a coragem de manter o veto contra a vontade dos manifestantes (clique aqui para assistir a alguns momentos da votação). Comentário geral: “Com o povo em cima, a coisa anda”.

É bonito ver que essa mudança de atitude, esse desejo de participação tenha surgido por dentro da alegria e da paz. Não sei de nenhuma notícia de manifestante que tenha tentado agredir alguém, machucar um colega ou mesmo um policial. Nada disso. Tudo é feito em meio ao clima carnavalesco que, de repente, tomou conta da cidade. Quando a coisa vai por esse lado, não há nada que as autoridades consigam fazer. A coisa penetra na alma do povo e todo mundo dança, pula, batuca. Não foi o que ocorreu com a canção “Na coxinha da madrasta”, de Flávio Henrique (clique aqui para ouvi-la na voz de Juliana Perdigão)? O autor a havia disponibilizado na internet para participar do Concurso de Marchinhas Mestre Jonas. Mas eis que, ofendido com o caso, o vereador Leo Burguês resolveu acionar seu advogado e ameaçar o compositor, acusando-o de ofensa e difamação. Restultado: por causa disto, a marchinha ganhou ainda maior notoriedade. O povo entusiasmado reduplicou e disponibilizou a canção em blogs, colocou a letra nas redes sociais e protestou muito. “Tira a mão/tira a mão/é hora de dar um basta/a grana da população foi parar/na cozinha da madrasta”, diz o refrão da marchinha que ganhou o concurso e certamente se tornará um hino pela mudança de atitude dos políticos na cidade. Caso raro: a notícia acabou se espalhando para fora de Minas. Aí está um fato que pode estragar de vez a carreira política de Leo Burguês.

Essa coesão política assim tão espontânea, para mim, é um caso inédito. O carnaval possui de fato um potencial político incrível, quando surge do desejo das pessoas que criam a festa. Tudo parece muito bonito, mas é preciso ficar alerta: o ineditismo está deixando os políticos e os policiais completamente desorientados. Usam métodos antiquados para um fato completamente novo. Chegam truculentos, lançam bombas para dispersar a festa, sprays de pimenta, acuam, agridem fisicamente manifestantes e foliões. Aconteceu ontem mesmo no desfile da Banda Mole, o pré-carnaval da cidade. Um verdadeiro vexame. Um verdadeiro perigo.

Lambe-lambe no xerox

Sou um entusiasta do DO IT YOURSELF. Mais do que apenas fazer você mesmo, também me empolgo com o DO IT YOUR WAY, faça do seu jeito.

Isso me faz lembrar o quanto foram importantes para mim as ondas da poesia marginal, que me chegaram em plenos anos 90. Belo Horizonte tinha cheiro de mimeógrafo. Já não era tanto pelo projeto “marginal”, mas muito mais pelo “DO IT YOURSELF”, os poetas animados a fazer o que era de se fazer sem esperar apoios, governos, editores. Sintomaticamente, boa parte dos poetas com quem eu convivia era punk ou ex-punk. Era exatamente como eu ouvi o Marcelo Dolabela dizer em maio: uma nova geração de poetas, com outra influência da poesia marginal, com outra influência do Leminski, com outro olhar sobre a utopia. Dos que mais me envolvi naquela época estão o Marcelo Companheiro e a turma dos Dragões do Paraíso: Renato Negrão, Paulinha, Daniel Costa, Tati Tavares e os inesquecíveis saraus na Casa Rosa, o bar da Inês. A anarquia era a prova dos nove.

Há duas semanas, durante a Flip, decidi fazer eu também o meu panfleto. Lambe-lambe é um desses projetos que você topa fazer para experimentar. Com tiragem super pequena, posso alterá-lo, revisá-lo a cada nova edição. Pode ser que mude de nome, pode ser que mude algum poema, quem sabe o design, quem sabe os desígnios. Lambe-lambe é só o começo da história. Um jogo. Feita a tiragem, nada me impede de continuar preparando meu próximo livro, cujo nome pretendo também abandonar.

Depois de xerocado e grampeado é que fui me lembrar de onde eu havia emprestado o nome. “Lambe-lambe” é um poema da Ana Ramiro de que gosto muito (um beijo, Ana!!!). Quase um manifesto para mim. Já o meu Lambe-lambe são poemas com cuspe, tonta manifestação política. Poemas de amor de um projeto abandonado, mas não esquecido. É o meu LET’S DO IT, façamos. MY WAY nesse Lambe-lambe é a procura de uma fala urbana que penetre em tudo o que se faz, em tudo o que se vive. Cartazes nas vigas do Minhocão. Fotógrafo de praça. Pirulitos. Língua de fora de tanto perder tempo tentando fazer sentido. E estranhos vendedores ambulantes que te abordam com uma pergunta indiscreta, a propósito da mercadoria que têm em mãos: “Você gosta de poesia?”

Não foi só da Ana que fiz empréstimos: o principal e quem me lançou o mote foi o Chacal, ao me mostrar seu folheto Subversão, no qual reúne poemas éditos e inéditos [“Pessoas físicas são livres/para seguir seu caminho/sempre ao sabor do vento”]. Um projeto simples que, para mim, veio como uma lição de mestre. O livreto dele, feito no xerox, com pequenas colagens e posicionamentos políticos extremamente necessários nesses tempos de caretice crônica e poucas apostas est-éticas. “Voltando às origens”, ele disse.

O mundo precisa de poesia

Para quem atua na área cultural, ou por ela se interessa, o assunto da última semana foi o “Caso Maria Bethânia”, que surgiu devido à nota perpetrada pela Folha de S.Paulo na última quarta-feira (16 de março). Segundo o jornal, o Ministério da Cultura teria aprovado R$ 1,3 milhões a serem captados “para a criação de um blog”, o projeto “O mundo precisa de poesia”. As nuances do fato viraram tema central em diversas rodas de conversa, twitters, facebooks e se você procurar na rede verá um sem número de blogueiros, jornalistas e a própria ministra Ana de Hollanda lançando suas opiniões e esclarecimentos. O projeto aprovado de Bethânia é, na verdade, para a execução de 365 filmes de aproximadamente 60 segundos, dirigidos por Andrucha Waddington e produzidos pela Conspiração Filmes e a aprovação se deu ainda no governo Lula, sob a batuta do ministro Juca Ferreira, ficando para o ministério atual a homologação.

A reação foi imediata. O cantor Lobão já chegou tuitando de sola: “Devolve essa porra Bethânia”. Outros se voltaram contra o MinC, eco da insatisfação quanto à crise do direito autoral. Houve quem dissesse que essa aprovação é uma política de classe média. Tudo isso parece muito interessante. Posso até concordar com diversos desses pontos de vista, mas eu gostaria de chamar a atenção especialmente para o fato que realmente afeta este que vos fala. O mundo precisa de poesia.

Seria injusto partir apenas do ponto de vista acusatório, atacando a pessoa da cantora. Sou um grande admirador de Maria Bethânia, a forte ligação que ela sempre teve com a poesia desde o início de sua carreira. É inegável o papel que teve ao gravar poetas como Waly Salomão, Antonio Cícero, Capinam, Cacaso e tantos outros. Qual outra cantora brasileira se dá o trabalho de gravar todo um cd só com poemas de um Fernando Pessoa? O mundo precisa de poesia e de pessoas que brilhem como Maria Bethânia, e que ainda assim são capazes de apostar nos enjeitados, nos outsiders, nos artistas sem lugar e de fazê-los brilhar. O mundo precisa de coragem.

O ponto que não foi até agora discutido é: se o mundo precisa de poesia, o que fazer com os poetas? Ao contrário da maioria, que considera um crime a Bethânia receber dinheiro público (via renúncia fiscal) para sustentar seu trabalho artístico, eu vejo motivos para felicitá-la. Não vejo problemas em se pagar bem a execução de um blog durante um ano, não vejo por que o artista precisa ganhar menos que um deputado ou um advogado. Só não gostaria que esses artistas a ganhar bem fossem apenas os famosos de carteirinha. Falando em claro português: que política pública do governo oferecerá, como ofereceu à Bethânia, recursos para quem realmente trabalha com poesia.

Quero que prestem bastante atenção: o projeto é de uma pop star com o desejo de incentivar a fruição de poesia no Brasil. Não estou nem um pouco afim de dizer que não é válido. Os poetas deveriam, antes, tomar a iniciativa com bons olhos. Os patrocinadores de Bethânia provavelmente terão orgulho em investir tantos milhões em poesia. Isso é inédito no Brasil.

No dia 17 de março, começou em Belo Horizonte mais uma edição da ZIP/Zona de Invenção Poesia &, comandado por Ricardo Aleixo, Chico de Paula e Bruno Brum. O evento, como eu já disse antes, é um dos melhores acontecimentos da poesia brasileira. Uma edição da ZIP, certamente formará vários novos leitores, atrairá novos interessados em poesia e colocará em contato real poetas vivos e público. Quem tiver dúvidas a esse respeito, procure se informar sobre a repercussão das edições de 2006, 2005 e 1998.

Quanto dinheiro vem do governo para este evento? Em 2011, nenhum. Quantas empresas pedem renúncia fiscal para financiar a ZIP? Nenhuma. Todos, da coordenação ao poeta mais periférico, todos (repito) participam apenas por amor à causa.

Ricardo não entrou com pedido na Lei Rouanet nem em nenhum outro mecanismo de incentivo à cultura. Não desta vez. Vai indo, cansa. Palavras dele:

“em 2006, deixei claro que não voltaria a realizar nova edição da ZIP/Zona de Invenção Poesia & se não passássemos a dispor de recursos financeiros que nos permitissem desenvolver a proposta sem os sobressaltos típicos das ações culturais independentes. Sequer considerei, desde então, a hipótese de inscrever o projeto da ZIP nas leis de incentivo. Também decidi não gastar latim nos balcões dos órgãos públicos de cultura, com sua surdez funcional.”

Programas de promoção da poesia no Brasil têm investimento baixo. Idealizadores acabam passando por pedidores de esmola na porta de empresas que nunca toparão dar um tostão para promoção de uma arte que não dá visibilidade (dizem) às suas marcas.

Na via contrária dessa tendência, há alguns anos a Petrobrás vem disponibilizando uma parte do seu orçamento para a área de literatura. A ideia, que foi inovadora em seu momento, está no seu quinto ano. Funciona de uma maneira interessante: ela irá patrocinar (via Lei Rouanet, ou seja, renúncia fiscal) cerca de 20 escritores com trabalhos em vias de se concluir. O valor total destinado à literatura no último edital: R$ 810 mil. Nada mal. Poderia ser melhor, claro. Sempre pode. Que tal algo como… R$ 1,3 milhões?

Em novembro do ano passado, participei de um evento internacional: o III Simpoesia. Foram três dias interessantíssimos, com participação de alguns dos poetas de maior projeção no Brasil atual, ao lado de outros (como eu) que a maioria mal conhece. Experientes e inexperientes. Uma excelente oportunidade para conhecer pessoas como a canadense Erín Moure, poeta e tradutora, tradutorapoeta e poetradutora e o estadunidense Bruce Andrews, um dos editores do lendário jornal L=A=N=G=U=A=G=E. Aconteceu na Casa das Rosas. Passaram por ali, não apenas o excelente time de poetas convidados, mas também um público super diversificado que povoou de boas conversas e muita poesia a maior casa destinada à literatura na América Latina. Virna Teixeira, a principal organizadora do projeto, teve que fazer tudo com sua imensa boa vontade. Houve investimento? Houve. Mas ela não conseguiu pagar o cachê de nenhum dos poetas participantes.

Chacal comanda há mais de 20 anos o CEP 20.000 lá no Rio de Janeiro, sempre na dúvida se no próximo mês será possível realizá-lo. Em Montes Claros, o Psiu Poético, comandado pelo Aroldo Pereira, também já conta seus 25 anos de vida e já se tornou um evento tradicional. Não há poeta que não conheça. Quanta grana sai pro Psiu? Aroldo mal consegue pagar a passagem de alguns. Há mais ou menos 2 anos, a Bienal de Poesia foi cancelada às vésperas em Brasília. Motivo: falta de verba. As famosas Terças Poéticas de Wilmar Silva, embora tenham dinheiro do estado, também são levadas adiante aos trancos e barrancos. No final dos anos 1990, Guido Bilharinho parou de editar (por falta de verba) a longeva revista Dimensão. Claudio Daniel até hoje edita com dificuldade a revista Zunái, uma publicação virtual. A revista Coyote, editada por Marcos Losnak, Rodrigo Garcia Lopes e Ademir Assunção, a cada novo número, se vê sob a ameaça de não poder continuar.

Se o mundo precisa de poesia, resta saber então qual poesia merece ser financiada pelo governo. Como comentado no maldoso editorial de domingo (20 de março) da Folha de S.Paulo, 100% das empresas brasileiras só patrocinam mediante renúncia fiscal. A equipe de Bethânia não conseguirá levar adiante seu projeto sem aprová-lo junto ao governo. Mais que isso: ela não o levará adiante se não tiver a grana. O que resta saber é se seu projeto beneficiará (direta ou indiretamente) quem realmente “milita” (a palavra para quem faz o que o Ricardo Aleixo, a Virna Teixeira e todos os poetas citados acima fazem, é exatamente esta: militância) pela presença da poesia no mundo. Resta saber se Maria Bethânia valerá seu título de abelha rainha e fará de nós um instrumento de seu prazer.

Saudações à Dilma Roussef

Não quero esconder a minha felicidade em ter pela primeira vez uma mulher na presidência da república. Não que o gênero seja importante no caso. Por exemplo, imaginemos que a mulher eleita fosse a Roseana Sarney ou a Mônica Serra… acho que não cairia bem. E como diz meu amigo Ricardo Aleixo, o que muda é só o que há entre as pernas de quem manda.

Estou orgulhoso é de ter pela primeira vez uma ex-guerrilheira na presidência da república. Alguém de carne e osso que realmente lutou contra um regime que destruiu a memória do país, desapareceu, matou e desumanizou milhares de brasileiros. Que colocou o Brasil como capacho do capitalismo exploratório norteamericano. E outros tanto ques.

Mas não votei em Dilma Roussef por causa disto. Votei porque ela representa um projeto que tem melhorado o Brasil. Temos agora uma presidente habilidosa e capaz. A que melhor garantirá o desenvolvimento da democracia brasileira ainda tão frágil e mal resolvida em seus 21 aninhos de existência.

Em tempo: estar entusiasmado com a vitória de uma candidata, não significa manter-me cego às falcatruas e politicagens que todo governo até aqui tem feito. A oposição mais forte ao governo Lula não tem sido de grande força, com PSDB de um lado com sua política retrógrada e uma esquerda da esquerda com um radicalismo pouco inteligente, blindado. Mas acho que para ver a coisa melhorar, será necessário que cada vez mais nos saibamos políticos nós mesmos e façamos nós mesmos aquilo que queremos diferente. Em todo caso, a prática tem mostrado que lutar contra os desacertos de governos petistas tem resultado mais frutífero.

E agora, mãos à obra.

Não gosto de plágio

Mês passado eu li isto no blogue “Não gosto de plágio”, comandado pela corajosa Denise Bottmann:

numa ação movida pela editora landmark e pelo sr. fábio cyrino, estou sendo processada por pretensas calúnias contra os reclamantes, por ter publicado no nãogostodeplágio provas mostrando a prática de plágio nas traduções de persuasão, de jane austen, e o morro dos ventos uivantes, de emily brontë, ambas publicadas pela referida editora em 2007.

além de vultosa indenização por pretensos danos morais e materiais, os reclamantes solicitaram:
– “publicidade restrita”, isto é, que o processo corresse em sigilo de justiça,
– a remoção do blog nãogostodeplágio da internet, invocando o “direito de esquecimento”,
– “antecipação dos efeitos da tutela de mérito”, isto é, que a justiça determinasse a remoção imediata do blog antes da avaliação do mérito da ação impetrada.

No Brasil existe um curioso costume: interessadas em participar do incrível e promissor “mercado editorial brasileiro”, algumas editoras lançam clássicos da literatura universal cujo autor já se tornou Domínio Público (para não ter que pagar seus direitos autorais, mas principalmente para não serem processadas pelos detentores dos direitos) em traduções piratas.

– Traduções piratas?

– Sim. Veja como funciona: alguém vai até à livraria, encontra um livro traduzido e parafraseia palavra por palavra até tornar o trabalho do tradutor aparentemente irreconhecível. Depois publica a tradução sob um pseudônimo. Assim economizam uma parte da grana necessária para a edição. Depois fazem ainda uma publicação mais ou menos, organizam uma tiragem altíssima de modo a economizar bastante na gráfica e alcançam um preço unitário bem baixo. O resultado é uma obra clássica barata, pela qual o público vai facilmente se interessar sem muitos questionamentos. Afinal quem se interessa por saber quem são os tradutores de um livro? Muito pouca gente.

A lista de editoras desse tipo não é pequena. A Landmark é apenas uma das muitas. A Martin Claret é a mais conhecida. Mas temos também a Madras, a Hemus e por aí vai. O que fazer para se previnir? É sempre muito difícil julgar na hora da compra.

Há alguns anos, Denise Bottmann vem prestando um serviço incrível: compara, coteja, divulga traduções confiáveis e desconfiáveis. Tudo lá no nãogostodeplágio. Um verdadeiro exercício de paciência e persistência na arte de desmascarar.

Me parece incrível que tenha tardado tanto uma reação por parte das editoras. A petição do senhor Fábio Cyrino, por outro lado, foi um verdadeiro naufrágio. Logo em seguida, Denise (e Raquel Sallaberry, também incluída no processo), foram agraciadas por milhares de manifestações a seu favor. Blogues pelo país afora, matérias na imprensa, manifestos e petições. Confesso que este último fato acalmou meu pessimismo.

Veja mais notícias nos enlaces abaixo:

www.naogostodeplagio.blogspot.com

www.apoiodenise.wordpress.com

Vídeo documentário sobre o Poro

Ações efêmeras. Ou seja, ações sutis. Delicadas ações que podem passar desapercebidas. “A pessoa bruta não liga pra nuance das coisas” (mautner). Pequenas doses de beleza em paredes, em folhas, enxurradas. Desde 2002 inventando intervenções nos espaços públicos, o Poro acaba de lançar o seu primeiro documentário. Produzido em parceria com a Rede Jovem de Cidadania, o filme de 22 minutos mostra várias das principais ações que o Poro vem desenvolvendo nos últimos 8 anos.

Para saber mais, é no blogue oficial do poro:
http://poro.redezero.org/video/documentario/