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Vídeo documentário sobre o Poro

Ações efêmeras. Ou seja, ações sutis. Delicadas ações que podem passar desapercebidas. “A pessoa bruta não liga pra nuance das coisas” (mautner). Pequenas doses de beleza em paredes, em folhas, enxurradas. Desde 2002 inventando intervenções nos espaços públicos, o Poro acaba de lançar o seu primeiro documentário. Produzido em parceria com a Rede Jovem de Cidadania, o filme de 22 minutos mostra várias das principais ações que o Poro vem desenvolvendo nos últimos 8 anos.

Para saber mais, é no blogue oficial do poro:
http://poro.redezero.org/video/documentario/

Entrevista com Patrícia Mc Quade

versos travessos

Professora de uma escola na região metropolitana de Belo Horizonte, Patrícia Mc Quade vem desenvolvendo há quatro anos uma série de ações ligadas à literatura e à criatividade com seus alunos. Em 2003, lançou o primeiro trabalho: o livro “Versos travessos” é um lindo exemplo de boa poesia escrita por crianças de apenas 10 anos. Não parou por aí. No ano seguinte, inspirada nesse primeiro sucesso, decidiu criar uma biblioteca na sala de aula que se manteria com a colaboração dos alunos. O projeto se chamava “Doce de ler” e ela o mantém desde 2004, nas suas sucessivas turmas.

Ao mesmo tempo, compartilhava com eles sua paixão pelas narrativas maravilhosas da infância e também desenvolvia o projeto “Cordelistas mirins”. Deste trabalho, surgem 31 livretos de cordel, todos de autorias dos alunos. A impressão feita manualmente em 2004 com a colaboração de alunos de outras turmas, pessoas da comunidade escolar e até alguns familiares dos alunos que faziam parte do projeto.

E o trabalho dos cordéis continua, desta vez com o nome de “Cantadores de cordel” (a escolha é sempre feita com a colaboração dos alunos, comungando o desejo de ver o resultado final). O resultado (impresso em 2007) são 15 cordéis e mais um, criação coletiva, inspirado no conto “A terra onde nunca se morre”, copilado originalmente por Ítalo Calvino no livro Fabulas italianas (Cia das Letras, 1992). E a brincadeira não para: Patrícia ainda desenvolve atividades de teatro, fantoches, circo, contação de histórias, saraus, coro de poesia, projeto de escrita de fábulas e os seus alunos produzem sempre muita poesia. Não foi à toa que no final de 2005, o programa Minas um livro aberto, da TV Minas, filmou a turma de alunos de Patrícia para fazer o último programa do ano, especial de natal.

Acredito que toda essa experiência anuncia um conjunto de exemplos a serem seguidos na educação brasileira: em primeiro lugar, que o professor nunca abdique de suas paixões ao ministrar suas aulas. No caso (a paixão pela literatura) um excelente produtor de desejo por parte dos alunos. Em segundo lugar, a necessidade de mostrar o valor de uma empreitada com produto final palpável e com valor que ultrapasse a sala de aula. Com esse trabalho, a literatura não vira produto de competição via concurso ou melhor nota, mas instrumento de expressão pessoal.

Por isso decidi propor aqui essa rápida conversa que, tenho certeza, merece ser muito comentada, anotada, discutida e alimentada.

Leo Gonçalves: Fala-se muito, hoje em dia, em como as pessoas escrevem cada vez pior. Isto é um mito conservador ou trata-se de uma realidade a qual devemos combater? Como esse combate pode ser feito?

Patrícia Mc Quade: Eu acredito que se trata dos dois casos. Não diria exatamente “mito conservador”, mas senso comum, jargão reducionista. Me incomoda muito esse rótulo pejorativo que marca muitas realidades em apenas uma. Contudo devo admitir que esse senso comum tem sua razão de ser em parte, pois é notória a dificuldade que os jovens têm atualmente em escrever. Principalmente no que diz respeito à coerência, repetição de palavras e de idéias, dificuldades estruturais de texto e de ortografia, falta de imaginatividade e ausência de argumentação, etc. Essas dificuldades são mais marcantes em determinadas classes sociais, no entanto são problemas em todas elas. Porém, discordo que esse seja um problema que aflorou nesta geração. Talvez esteja mais evidente hoje considerando que, a passos de tartaruga, os brasileiros vêm aumentando sua escolaridade e conseqüentemente suas produções na área da escrita criativa ou acadêmica. Considero como principal desafio da educação a formação de verdadeiros leitores e a democratização da escrita. Logo que a educação regular está cada vez mais difundida, por que não trabalhar agora por uma qualidade de ensino? Não se pode culpar a falta de contato desses jovens com os mais variados tipos de textos pela falha no exercício da escrita: uma imensa máquina textual nos rodeia 24h por dia. O fato está em como essa variedade textual pode ser aproveitada na produção de textos na escola. Para mim, o problema está primeiro nas práticas pedagógicas das instituições de ensino que não respondem mais às necessidades da geração de hoje e das que ainda estão por vir. Nossa máquina educacional está obsoleta. Já que o senso comum sobre a dificuldade de se escrever é a nossa realidade, como devemos combatê-lo? Digo que melhorando a produção textual das crianças e jovens nas escolas públicas e particulares, reinventando outras novas práticas didáticas e renovando suas relações com o próprio texto. Mas, como fazer? Trazendo de volta o prazer do texto, das palavras, dos sons. E ainda antes disso, trazer novamente a própria prática da escrita para dentro das salas de aula, ela deve ser o foco em todas as disciplinas, principalmente na área das humanas. Reconto, interpretação de texto que desafie o aluno, leituras ensaiadas de vários gêneros textuais, relato, relatório, resenha, esquema, resumo, produção criativa e/ou coletiva, poema, propaganda, trava-língua, paródia, paráfrase, tudo pode ser trabalhado de forma substancialmente significativa dentro das salas de aula, desde que visando primeiro, uma base humana: a consolidação de uma auto-estima dentro de um regime de confiança onde o erro faz parte do processo assim como o sucesso; e segundo: o aprimoramento da escrita em cada ínfimo detalhe. Considero uma como reflexo da outra.

Leo Gonçalves: Qual o papel do livro e da literatura na nossa sociedade e como você entende o papel dela na sala de aula?

Patrícia Mc Quade: É muito difícil responder essa pergunta. Não saberia aqui discorrer sobre a importância do livro e da literatura para nossa sociedade. Por mais que construísse uma possível resposta acho que nunca a esgotaria. Esta pergunta me remete à idéia de que a escrita surgiu da necessidade de se fazer registros religiosos, que os nossos primeiros livros foram hieroglifos para depois pergaminhos, até chegar ao formato que conhecemos hoje e já migramos para outro estágio de livro que passa do concreto ao virtual. Basta pensar que um dos primeiros livros a serem impressos foi a bíblia traduzida para o alemão e depois disso nasce uma imensa industria editorial que vai desde literatura e ciência até panfletos que são distribuídos nas ruas. Através do livro se descobrem saberes, conhecimentos que não podemos adquirir unicamente através do contato com o mundo do nosso cotidiano. Através do livro se formam e transformam ideologias, crenças e realidades. Podemos sim descobrir muitas coisas a partir da leitura de um livro. A curiosidade é sua melhor e maior aliada. Com curiosidade e um bom livro nas mãos acredito que se pode fazer mágica. A criatividade é uma magia que deve ser alimentada através de leituras diversas. Para mim, a literatura é uma dessas possibilidades, e uma das mais agradáveis. Procuro apresentar aos meus alunos esse prazer, o de se encontrar quando se encontra o outro. O livro é um dos meios, a literatura é uma das mensagens. Ela toca no humano e o faz despertar do imenso sono que é a realidade. A literatura atiça as percepções do nosso corpo porque trabalha a mente, porque a estimula a conhecer. Quem gosta de literatura gosta da idéia de que as possibilidades de conhecimentos são infinitas, de que nunca vai conseguir conhecer tudo sobre determinado assunto. Quem gosta de literatura gosta de pesquisa, gosta da escrita e gosta da dúvida. Para mim esses são elementos muito importantes dentro de uma sala de aula para a formação de verdadeiros estudantes: leitura, pesquisa, escrita e dúvida. Esses elementos podem ser despertados e trabalhados a partir da literatura, mas esse não é o único jeito. Cada professor deve descobrir qual é o seu.

Leo Gonçalves: Nas suas aulas do curso fundamental você dá um enfoque todo especial à literatura. Não apenas como fonte de conhecimento, mas como liberador da criatividade dos educandos. Seus alunos lidam com a literatura como leitores, criadores, performadores. Todas essas atividades são complementos apenas para o ensino de Português e Literatura? Como a maioria dos professores do ensino fundamental você trabalha também com outras disciplinas, como Geografia, Ciências, História. Seus projetos colaboram para o aprendizado das outras áreas?

Patrícia Mc Quade: Meu enfoque especial é a literatura porque eu gosto de literatura. Dizem que meus projetos são legais, eu acho que isso se dá porque tento despertar nos meus alunos o gosto por aquilo que eu gosto. Mais do que ensinar, neste caso, é compartilhar. A partir dessa soltura de compromissos formais acontece a magia da criatividade junto com o aprender. Não há avaliações nem conceitos a serem contados. O leitor e a leitura podem acontecer, de repente, prazerosos. As crianças começam a notar coisas que só uma leitura solta poderia mostrar. As críticas que partem delas são muitas, condescendentes e severas. Indicações de autores e títulos passam a ser cada vez mais freqüentes em sala de aula. O contato com a literatura acontece. A contação de histórias é um ótimo meio para se chegar ao prazer de ler: o retorno ao prazer de ouvir. Ouvir histórias consiste também em uma leitura, estimula a criatividade, silencia o agitado corpo da criança que fica agora atiçado pela curiosidade de ouvir e faz falar outras vozes, as da imaginação. Trabalhar variados gêneros literários como teatro e poesia, de uma forma bem concreta, seria outra maneira de tocar no prazer do texto. Mas tudo isso não se dá de uma forma totalmente solta. O professor deve estar atento aos interesses que são despertados nos alunos e modificar o projeto didático a fim de dar conta dessas curiosidades, desses desejos e, com isso, pode-se aprofundar nas suas mais variadas disciplinas: geografia, história, artes, filosofia, etc. Os diferentes saberes não podem ser compartimentados, considerando que no mundo eles estão em constante diálogo. Trabalhar a biografia de um autor, o contexto em que determinada obra foi escrita, aquele momento político, traçar itinerário a partir de uma literatura de viagem, ou mesmo a localização de determinada obra dentro de um tempo/espaço seria somente um ponto de partida para outras novas descobertas. Para isso basta ouvir as perguntas que surgem dos alunos em sala de aula e saber transformá-las em propostas de pesquisa e/ou produção criativa. Trabalhando de forma interdisciplinar, o professor passa a ser também um construtor de pontes.

Leo Gonçalves: O poeta Waly Salomão, pouco antes de falecer, quando assumiu a mesa do livro e da leitura no ministério de Gilberto Gil, criou um projeto que fazia par com o programa “Fome Zero”. Waly não viu avançarem suas ações, mas numa entrevista concedida a Heloísa Buarque de Hollanda, afirmava: “minha meta é transformar o livro numa carta de alforria”. Você crê que o livro pode ser uma carta de alforria? De que maneira?

Patrícia Mc Quade: Só acredito na carta de alforria da princesa Isabel, e olha que nem ela conseguiu de fato dar liberdade a ninguém. Não vejo o livro ou o conhecimento que ele nos traz como instrumentos de libertação, pelo contrário, já vi muito intelectual por ai aprisionado em determinados conhecimentos, linhas de pesquisas ou defendendo este ou aquele autor de maneira cega e limitada, e ainda muitos discursos científicos atrelados a preconceitos. Os livros e seus conhecimentos não libertam ninguém. A bíblia protestante veio com o objetivo de libertar o cristão da ditadura da interpretação católica e acabou se transformando em outras algemas para o homem. Talvez se pensássemos nisso como uma metáfora seria mais convincente: “o livro e a literatura como libertadores da criatividade”, e sabemos que esta só acontece quando livre. A liberdade, acredito eu, pode acontecer depois do livro, depois da leitura, quando o sujeito passa a estabelecer relações sobre aquilo que já conhece com o que acabou de conhecer através de sua leitura. Talvez o livro seja um meio para que uma pessoa possa construir o caminho de sua liberdade, talvez um modificador de mentalidade se o leitor assim se permitir, um enriquecedor de conhecimentos, mas essa construção é árdua, depende de cada receptor e não vem de presente, encadernada em um livro. Depois da leitura de um livro pode vir a dúvida ou não, aquilo que intriga, que joga o leitor num momento de reflexão e muitas vezes de angústia, ou não acontecer absolutamente nada. Não basta viabilizar o acesso de todos ao livro, deve-se hoje ensinar que a função dele é a de questionar-se a si mesmo e não de instituir verdades. Considero o livro e o saber que ele nos traz como apenas um dos meios para uma possível libertação, mas isso vai depender do tipo de uso que se faz do livro, e o que se pode construir a partir dele.