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paul verlaine

retrato de paul verlaine aos 25 anos

no ano de 1867, paul verlaine publicou “as amigas – cenas de amor sáfico”, uma suíte de sonetos lésbicos. são 6 poemas que encenam delicadamente o amor de duas mocinhas de pensionato. fecha com um soneto a safo. reza a lenda que safo teria se apaixonado no final de sua vida por um jovem garoto chamado faon e se lançado do alto do monte leucas.

a plaquete foi montada sob os auspícios do editor auguste poulet-malassis, o mesmo que havia publicado, cerca de dez anos antes, “as flores do mal” de charles baudelaire. o livreto de verlaine, assim como o de baudelaire, foi censurado e mais tarde reunido pelo autor no livro jadis et naguère.

traduzi toda a série há alguns anos e fiquei (continuo ainda) à espera de uma revista ou editora que quisesse publicá-la. enquanto não chega, deixo, a título de “amuse-gueule”, o n°2 da suíte para os aficionados.

II. as pensionistas

uma tinha quinze, a outra dezesseis;
dormiam no mesmo quarto. e no ar de
outono caía, pesada, a tarde.
olhos azuis, frágeis e a tenra tez.

tiram, para estar mais à vontade,
a fina camisa de âmbar francês.
a mais nova espreguiça, e por sua vez,
sua irmã lhe beija, e com a mão a invade.

cai de joelhos, tumultuosa e louca;
e com ar selvagem, afunda a boca
no seu ouro louro, nas cinzas frestas.

e a criança, ao mesmo tempo, avalia,
nos dedos singelos, valsas promessas,
e rosa, sorri, com inocência pia.

(paul verlaine – trad.: leo gonçalves)

l’une avait quinze ans, l’autre en avait seize;/toutes deux dormaient dans la même chambre./c’était par un soir très lourd de septembre:/frêles, des yeux bleus, deus rougeurs de fraise.//chacune a quitté, pour se mettre à l’aise,/la fine chemise au frais parfum d’ambre./la plus jeune étend les bras, et se cambre,/et as soeur, les mains sur ses seins, la baise,//puis tombe à genoux, puis devient farouche/et tumultuose et folle, et sa bouche/plonge sous l’or blonde, dans les ombres grises;/et l’enfant, pendant ce temps-là, recense/sur ses doigts mignons des valses promises,/et, rose, sourit avec innocence.

agradecer e abraçar

(vevé calazans – gerônimo)

abracei o mar na lua cheia, abracei
abracei o mar
abracei o mar na lua cheia, abracei
abracei o mar
escolhi melhor os pensamentos, pensei
abracei o mar
é festa no céu, é lua cheia, sonhei
abracei o mar
e na hora marcada Dona Alvorada chegou para se banhar
e nada pediu, cantou pro mar
e nada pediu
conversou com o mar
e nada pediu
e o dia sorriu…
uma dúzia de rosas, cheiro de alfzema, presentes eu fui levar
e nada pedi
entreguei ao mar
e nada pedi
me molhei no mar
e nada pedi
só agradeci…

jerome rothenberg aqui & ali

(aproveitando uma dica do heriberto yepez)

há bem pouco tempo que venho me enveredando pelos estudos da etnopoesia. acho lamentável não encontrar muitas fontes sobre o assunto em língua portuguesa. fiquei bem feliz quando encontrei numa livraria um livro chamado “etnopoesia no milênio”, da editora azougue. da mesma forma, passeando pelo incrível site do ubu, encontrei um excelente manancial (coordenado pelo próprio jerome) sobre a ethnopoetics, oferecido para os leitores de língua inglesa. foi lá que achei o “sketch on ethnopoetics” de heriberto yepez para traduzir.

acredito muito numa poesia que chamarei “de pesquisa”, a qual encontro as primeiras prefigurações no brasileiro sousândrade, nas galáxias de haroldo de campos e em jerome rothenberg.

rothenberg é mais um que entra para a bloguesfera. ele lança seus delírios de lá da california no poems & poetics. no prospecto que ele inseriu na barra ao lado de seu espaço, um pouco daquilo que os blogueiros dizem ou diriam se tivessem lembrado de fazê-lo.

nesta era de internet e blogue, abre-se a possibilidade para uma livre circulação de obras (poemas e poéticas no nosso caso) para além de um nexo comercial ou acadêmico. eu passarei a postar algumas das minhas próprias obras, tanto novas quanto velhas, de difícil ou impossível acesso, e também, como der na telha, postar obras de outros meio à maneira de uma antologia ou revista aberta. eu tomo isto para estar na tradição dos poetas de publicação autônoma, retornando a Blake & Whitman & Dickinson, entre numerosos outros.

o poems & poetics está no:
www.poemsandpoetics.blogspot.com

além disso, você encontra mais sobre a ethnopoetics no:
www.ubu.com/ethno

Gérard de Nerval

Eu estava aqui lendo um texto do Claudio Willer na Revista Agulha n° 63 sobre um dos poetas de que mais gosto. Um cara estranho, escuro, gnóstico, desdichado, deserdado, simbolista avant la lettre, que foi considerado louco duas vezes enquanto ainda era lúcido e que suicidou aos 46 anos. O texto do Willer se chama “Gérard de Nerval aos 200 anos“. Eu estava aqui me deliciando com ensaio e me deu uma puta vontade de dar a minha versão brasileira para o poema El desdichado, livre e interessado em ouvir pitacos a fim de melhorá-la. É um poema bem hermético. Mas quem quiser esclarecer alguns pontos, palavras como Posilipo, Lusignam, Febo, Biron, e sol negro, sugiro que dê uma lida no artigo do Willer.

El Desdichado

Eu Sou o Tenebroso, – o Viúvo, – o Inconsolado,
O Duque de Aquitânia em sua abolida Torre:
Morreu minha Estrela – e meu lude constelado
Traz o Sol negro, onde a Melancolia acorre.

Na noite Tumular, Tu que me hás consolado
Dá-me o Posílipo e o mar que na Itália corre,
A flor que tanto apraz meu peito desolado,
E a parreira de onde Pâmpano e Rosa escorrem.

Serei Amor ou Febo?… Lusignam ou Biron ?
Tenho a testa ainda rubra do beijo da Rainha;
Sonhei na Gruta onde minha Sereia brinca…

Duas vezes vencedor atravessei o Aqueronte
Modulando aos bocados na lira de Orpheu
Os suspiros da Santa e os ais que a Fada deu.

Je suis le Ténébreux, – le Veuf, – l’Inconsolé,/Le Prince d’Aquitaine à la Tour abolie :/Ma seule Étoile est morte, – et mon luth constellé/Porte le Soleil noir de la Mélancolie.//Dans la nuit du Tombeau, Toi qui m’as consolé,/Rends-moi le Pausilippe et la mer d’Italie,/La fleur qui plaisait tant à mon coeur désolé,/Et la treille où le Pampre à la Rose s’allie.//Suis-je Amour ou Phoebus ?… Lusignam ou Biron ?/Mon front est rouge encor du baiser de la Reine ;/J’ai rêvé dans la Grotte où nage la Sirène…//Et j’ai deux fois vainqueur traversé l’Achéron :/Modulant tour à tour sur la lyre d’Orphée/Les soupirs de la Sainte et les cris de la Fée.

black or white, totem, tabu e algumas palavras do caetano veloso

“eu não gosto dessa vontade desesperada de ser americano”. é o que diz o caetano veloso, que está lá no obra em progresso lançando belas bombas. (dica surpreendente do ric)

eu também não gosto, caetano: oswald de andrade, quando lançou o manifesto antropófago, falou: a transformação constante do tabu em totem. quer dizer, pegar a palavra-tabu “antropofagia” (a vergonha indígena nacional tupiniquim) e transformá-la num totem, num objeto de adoração, culto e respeito.

depois vieram os negros francófonos, léopold sédar senghor e aimé césaire, pegaram as palavras “negritude” e “mestiçagem”, que eram usadas para oprimi-los e criaram um movimento literário-político-cultural que abalou as centenárias estruturas do poder franco-europeu, além de inspirar milhões de jovens negros a se afirmarem como o que eles realmente são.

não sei para quê ter medo das palavras. se eu disser que sou negro, se eu disser que sou preto, tudo é poesia. mas se eu disser que negro (ou preto ou black ou nigro ou nigger ou nègre ou négro ou negger ou noir) é politicamente incorreto, eu estou estigmatizando a cor. e é isso que estão fazendo agora, quando mandam a gente falar “afrodescendente”. se eu disser isso, vou ter que falar também que sou eurodescendente? indiodescendente? nipodescendente? arabodescendente?!

não dava para aprender a lição dos mestres?

leonardo costa braga: photo-poesia

leonardo costa braga, além de um grande amigo, sempre foi o meu fotógrafo favorito. ele participou, no último ano do 14º. salão da bahia, no mam, além de ter mandado suas fotografias para ser vistas na eslovênia, espanha, brasília, portugal e porto alegre, alemanha e rio de janeiro. há algum tempo atrás, ele publicou na revista caros amigos esse texto abaixo. e eu o reproduzo aqui com banzo das nossas antigas conversas nonsense enquanto assaltávamos o mundo com poesia em plena quarta-feira. saravá-evohé, leo!

TEMPO VIVO
por Leonardo Costa Braga

O Walter Firmo me pediu que escrevesse sobre a ilusão do meu olhar (falou isso como se estivesse me fotografando). Então confirmo o que ele viu, no ato e na palavra: photo-grafien (luz-escrita). Por isso, a criança e sua luz acusando a vida no corpo, alegria da célula dançando, explosão que nem a bomba de Hiroxima conseguiu apagar. Por isso, o velho e sua luz de dentro, seiva tão bela de tristezas que faz a árvore crescer, a delicadeza da compaixão de ainda estar junto de alguém. Por isso, a mãe que dá à luz, manuscrita do grito de amor que repercute na escravidão do universo. Sendo assim, fica muito difícil photo-grafar o adulto. Não está acordado nem dormindo, parece que está sonhando, como nos filmes do Kurosawa. Mas tento tirar uma photo, que geralmente vira um xerox. Uma cópia da realidade. Uma falsificação. Não brilha. E a photo-grafien, ao contrário do que se diz, não é uma imagem estática, é a certeza de que o tempo está sempre vivo, te olhando e esperando ser olhado. Com isso, lembro quando tinha 7 anos de idade, correndo na casa da minha tia e parando em frente a uma grande photo-grafien na parede: uma cadeira de balanço, um velho negro sentado, um saxofone, uma árvore. Um instante depois: um velho negro chorrindo baixinho e uma árvore deixando cair sua primeira semente no meio da sala onde me encontrava. A luz. A escrita. Minha ilusão.

revista coyote em dose dupla

a coyote desta vez saiu de sola: chegando ao seu sexto ano, com os poetas ademir assunção, rodrigo garcia lopes, maurício de arruda mendonça e marcos losnak à frente, a revista costuma ser um dos acontecimentos mais esperados por mim, a cada lançamento, a cada nova lista de novidades, a cada idéia genial farejada e lançada. foi lá que eu li pela primeira vez poetas como heriberto yepez, frank o’hara, josé kozer, neuza pinheiro, virna teixeira, o bukowski poeta.

desta vez eles decidiram lançar de uma só tacada dois novos números (16 e 17). maravilhe-se com o conteúdo: alejandra pizarnik, ana maria ramiro, robert melançon, boris kossoy, um dossiê com o cartunista marcatti, andrei codrescu, roberto bolaño, gertrude stein. e mais. muitomais.

esperemos que chegue e seja lançada logo nos quatro ou cinco cantos do país.

manifesto antropófago – 80 anos

hoje, dia 1º de maio, ano 454 do calendário do brasil antropóphago: comemora-se 80 anos do manifesto de oswald de andrade.  manifesto profético, este. 80 anos depois, ainda podemos constatar: só a antropofagia nos une. para celebrar, publico na íntegra o texto manifesto de 1928 (digo, de 374).

Manifesto antropófago

Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.

Tupi, or not tupi that is the question.

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.

Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. Continue lendo manifesto antropófago – 80 anos

outro poema do aimé césaire

para dizer…

para revitalizar o rugido das fosfenas
o âmago oco dos cometas

para reavivar o verso solar dos sonhos
sua lactância
para ativar o fresco fluxo das seivas a memória dos silicatos

fúria dos povos sumidouro dos deuses seu salto
esperar a palavra seu ouro sua orla
até a ignífera
sua boca

pour dire…

pour revitaliser le rugissement des phosphènes/le coeur creux des comètes//pour raviver le verso solaire des rêves/leur laitance/pour activer le frais flux des sèves la mémoire des silicates// colère des peuples débouché des Dieux leur ressaut/patienter son or son orle/jusqu’à l’ignivome/sa bouche

este outro, aimé césaire publicou no livro “moi, laminaire…”, 1961