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Flip on / Off Flip

Foto: Eliane Torino

Ir à Flip, participar de conversas e encontros interessantes, foi uma grande surpresa nesse reviravoltoso 2011. Não esperava encontrar por lá tantos avistamentos, pessoas e encontros memoráveis. Os caminhos que me levaram para lá, a parceria com o Clube de Autores, meus questionamentos e a escolha esperançosa das concessões a fazer, se é que se deve conceder. Comento.

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Não se pode negar que a Flip se tornou o mais glamoroso evento literário do país. Nenhuma bienal foi capaz de superar a imensa atenção-tensão que gira sobre o mercado livreiro durante a Flip. Oswald de Andrade, no entanto, certamente revirou no túmulo. O homenageado deste ano, foi transformado em perfumaria. Antropofagia para madames, polêmicas insossas. Da birra de Antonio Tabucchi ao esnobismo de Claude Lanzmann, não rolou nada que desfizesse o clima de novela das 7. Frases panos quentes como a de Antonio Cândido: “Oswald não era nenhum bicho papão” (que a mídia gostou tanto de repetir), são exemplos do esquema publicitariocêntrico, cujo objetivo é agradar a quem não se levantou do sofá e obter alguma suposta eficácia publicitária cocacola. Literatura mesmo, a inquietude que existe por detrás de toda arte, o mal estar causado pelo surgimento de um novo livro, autor ou ideia, como foi a antropofagia de 1928, tudo isso fica para algum parágrafo distante, periférico.

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Em todo caso, “a alegria é a prova dos nove”. Nas idas e vindas, encontrei-me com o poeta Chacal, o que rendeu inclusive uma volta à tradição do mimeógrafo e do panfleto dos anos 70, muita reflexão e vontade de agitar. Já já falaremos disso. Saravá, Chacal! Ogum iê.

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Quem quiser ir a Paraty na próxima Flip já deve ir pensando principalmente no que rola na Off Flip. A Flip principal, com suas tendas, acontece nas margens do rio, próxima ao pontal, num perímetro pequeno demais da cidade. A festa é fechada para alguns poucos. Custa R$ 40,00 a entrada para ver os astros da literatura ao vivo e a cores. Há uma opção alternativa: os astros podem ser vistos a R$ 10,00 num telão instalado numa tenda vizinha. A alternativa da alternativa é assistir a esse telão do lado de fora da tenda, o que não é nada mal, já que, estando do lado de fora, também não se perde a vista exuberante onde o rio se encontra com o mar.

Mas festa, festa mesmo acontece no bairro histórico: com uma programação intensa e quase 24 horas, aqueles de pés animados podem visitar saraus, debates, trocas de ideias, mesas de bares, experiências literárias gratuitas e degustações inesquecíveis. É a Off Flip, organizada pela Lia Capovilla, a Luiza Faria e várias outras pessoas que trabalham com muito entusiasmo e, lamentavelmente, pouca grana (como tudo que-é-bom-e-poderia-ser-bem-melhor-no-Brasil). É na Off Flip que você assiste ao sarau da Cooperifa, às palestras do Clube de Autores, o sarau Picareta (projeto de Caio Carmacho) no meio da rua com a presença de Mano Melo, Chacal e muitos outros. Na Off, eu encontrei os poetas maloqueiristas empolgadíssimos falando tudo tudo o que vem à mente. Solos de sax, palestra sobre agricultura orgânica, o sarau na casa do príncipe.

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Depois da Off Flip vai demorar para este salamalandro que vos fala colocar todas as coisas no seu devido lugar.

black or white, totem, tabu e algumas palavras do caetano veloso

“eu não gosto dessa vontade desesperada de ser americano”. é o que diz o caetano veloso, que está lá no obra em progresso lançando belas bombas. (dica surpreendente do ric)

eu também não gosto, caetano: oswald de andrade, quando lançou o manifesto antropófago, falou: a transformação constante do tabu em totem. quer dizer, pegar a palavra-tabu “antropofagia” (a vergonha indígena nacional tupiniquim) e transformá-la num totem, num objeto de adoração, culto e respeito.

depois vieram os negros francófonos, léopold sédar senghor e aimé césaire, pegaram as palavras “negritude” e “mestiçagem”, que eram usadas para oprimi-los e criaram um movimento literário-político-cultural que abalou as centenárias estruturas do poder franco-europeu, além de inspirar milhões de jovens negros a se afirmarem como o que eles realmente são.

não sei para quê ter medo das palavras. se eu disser que sou negro, se eu disser que sou preto, tudo é poesia. mas se eu disser que negro (ou preto ou black ou nigro ou nigger ou nègre ou négro ou negger ou noir) é politicamente incorreto, eu estou estigmatizando a cor. e é isso que estão fazendo agora, quando mandam a gente falar “afrodescendente”. se eu disser isso, vou ter que falar também que sou eurodescendente? indiodescendente? nipodescendente? arabodescendente?!

não dava para aprender a lição dos mestres?

o rei da vela

você acredita que new york teria aquelas babéis vivas de arranha-céus e as vinte mil pernas mais bonitas da terra se não se trabalhasse para wall street de ribeirão preto a cingapura, de manaus à libéria?

oswald de andrade

o rei da vela

há algum tempo, a peça “o rei da vela” do oswald de andrade me espreita da prateleira. já a conhecia de vista. sabia passagens praticamente de cór. já tinha visto cenas bem e mal interpretadas. mas nunca tinha lido na íntegra. não tenho vergonha de dizer que não li ainda alguns dos livros mais indicados e indicáveis. talvez algum dia eu os leia. fazer o quê?

“o rei da vela” me espreitava lá da prateleira da estante. resolvi encará-lo. e me surpreendi. é uma das coisas mais interessantes que já li. uma radiografia do brasil e das relações inter-sociais que rolam aqui, escrita em 1933. extremamente atual.

uma peça de teatro engraçada não é necessariamente uma peça de humor. o humor aceita a fantasia. faz rir através da imaginação. a piadinha. o lugar comum. a maioria das “comédias” que se assistem hoje são peças de humor. ironia é diferente. você joga com o real. escancara as entranhas, as feridas do discurso. se as aparências enganam, a ironia caçoa das aparências. e o rei da vela é assim.

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