Sexta-feira. 11.7.2014. Noite de lua cheia. Chego em casa e encontro meus exemplares da revista Coyote nº. 25, que eu esperava ansiosamente.Neste número tem a tradução que fiz do ensaio “Do pornotempo e outros instantes ejaculados” do Heriberto Yépez. A edição (como sempre) ficou primorosa e com ótimos trabalhos: Federico García Lorca, Edgar Vasques, Carla Diacov, Luiz Bras, John Ashbery, Ade Scndlr, Gustavo Pacheco, Felipe Pauluk, Les Stone, Lara Mantoanelli Silva, Bernardo Brandão, Joseph Brodsky e Adelaide Do Julinho. Isso sem falar nos editores Ademir Assunção, Marcos Losnak e Rodrigo Garcia Lopes. Uivos para a Coyote, essa revista longeva e resistente.
Procure seu livreiro e peça o seu. Distribuição nacional (em livrarias) pela Editora Iluminuras.
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Do pornotempo e outros instantes ejaculados (trechos)
Heriberto Yepez
1.
Quando a bomba de Hiroshima caiu, o que espatifou foram nossos conceitos lineares e cíclicos do tempo. A partir de então, o tempo ia ter um caráter radioativo, instável, decompondo-se cada vez mais de maneira irregular, perdendo partículas, ficando mais leve, desfazendo-se, e por isso mesmo, ameaçando tudo o que contém em si. Vivemos tempos amargos dos quais se pode esperar apenas re-runs e radioatividade.
3.
A existência do presente é a prova de que o tempo está avariado.
5.
Blake depois do junk-food: a Eternidade está apaixonada pelas Sobras do Tempo.
11.
Num mundo em que a autodisciplina da ética profissional é a moralidade mais alta, a impontualidade é o grande pecado mortal. O relógio de pulso é o Grande Irmão.
16.
O tempo não caminha: sai de moda. A moda é outra das categorias capitais de nossa civilização. As estações naturais foram substituídas pelas temporadas da moda. Nosso tempo está tão fragmentado que ninguém perceberia que o tempo é cíclico a não ser pela mudança física que as modas impõem ao planeta. A moda é a grande regularidade das nossas culturas. Já teríamos esquecido há cinco décadas do sentido periódico dos fenômenos se não fosse pelo eterno retorno do casaco.
7.
Nosso tempo se expande em forma de obesidade e se contrai em forma de anorexia. A única viagem possível ao passado é a dieta; ao futuro, a gula.
1.
Os antigos e os poetas conceberam a ideia de um tempo reversível. Tal como inumeráveis mitos primitivos, Rilke e Carpentier, por exemplo, imaginaram situações nas quais o metal regressava dos artefatos que o homem havia feito até suas minas subterrâneas, como em um grande rewind cósmico. Um devir ao contrário, um tempo caranguejo que caminha para trás. Nós, os modernos, por outro lado, concebemos um tempo que vai rumo ao futuro (ao contrário do tempo caranguejo). Mas tanto um como o outro são mitos fantásticos, mera ficção-filosófica. Nem o tempo vai normalmente rumo ao passado, nem tampouco rumo ao futuro (que o futuro não existe é algo que até os punks já sabiam). De fato, a ideia de que caminhamos rumo ao futuro é mais absurda que a suposição de que o tempo regressa ao passado. O tempo não viaja a nenhum lugar. O tempo permanece sempre sobre si mesmo. O tempo não avança: trava. Isto explica, por outro lado, a comprovável imobilidade de nossas vidas.