Todos os posts de Leo Gonçalves

Sobre Leo Gonçalves

Leo Gonçalves é poeta, tradutor, curioso de teatro, música, cinema, política, culinária, antropologia, antropofagia, etnopoesia e etnologia, vida, educação, artes plásticas etc.

janaína moreno e as vozes ancestrais

uma gota cai no meio do oceano. e no meio da calmaria, a água responde em pequenas ondas que se espalham em ressonância. vem um vento e vai fortificando cada espectro da gota. e bem longe dali, um dia, uma ilha inteira é inundada. há certas coisas cujo efeito não dá pra calcular. estou falando da cantora mineira Janaína Moreno.

hoje, quem a vê se apresentando no cartola bar, uma das melhores casas de samba de belo horizonte, mal pode perceber a força daquela voz. assim como fabiana cozza, ver janaína no palco é abrir as portas para a manifestação da grande força dos ancestrais. não só porque ela os evoca em meio às zuelas e cantos de orixás que caem tão bem no seu samba. o ngunzo, o axé está é nela. é possível que nem mesmo ela tenha percebido as proporções disto. e por isso é preciso dizer.

janaína moreno não é apenas um elemento a mais na paisagem musical de minas. aos jornalistas e produtores culturais de plantão, já vou logo avisando: esta é não é uma artista qualquer. cantoratriz, ela hipnotisa a todo mundo com muita graça e alegria. com ou sem acústica favorável. e não se basta com seu vozeirão: é também uma pesquisadora de fôlego e uma operária formiguinha, que cuida com capricho de cada detalhe do que faz. conta com excelentes músicos para isto e não precisa dessas minhas palavras para ser o que é.

já falei e não me canso de dizer: Belo Horizonte é hoje uma espécie de meca da boa música na atualidade. não são poucas as jovens cantoras mineiras que sabem fazer do palco um lugar sagrado. michelle andreazzi (do grupo Capim Seco), por exemplo, elisa paraíso, leopoldina, maísa moura, mariana nunes. não são só cantoras dotadas de boa técnica, mas grandes intérpretes que fazem a poesia transbordar de dentro de cada som, de cada sílaba. atuando por sua própria conta e risco, janaína moreno tem, na minha opinião, um posto privilegiado entre elas. uma voz de guerreira regida por dandalunda.

quero voltar a falar dessas cantoras por aqui. enquanto a hora não chega, sugiro aos leitores que se divirtam com os espaços da janaína moreno pela internet:

www.janainamoreno.blogspot.com
www.myspace.com/janainamoreno

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casa áfrica daara – curso de línguas

daara é uma palavra da língua wolof que significa “lugar onde se adquire o conhecimento”. o centro cultural casa áfrica inaugura no dia 04 de agosto o seu curso de línguas. começaremos nesse segundo semestre de 2008 com os cursos de inglês e de francês. este último terá por professor o leo gonçalves (este salamalandro que vos fala). turmas reduzidas, preço módico e cultura do universal, eis o nosso convite. a casa áfrica fica na rua leopoldina, 48 – bairro santo antônio. pertinho da vaca. para se matricular ou pedir mais informações, é nos segintes números: (31) 3234 5939 (escritório da casa áfrica), (31) 3344 1803 (centro cultural casa áfrica) ou comigo, no 9130 3720. ou então deixe aqui o seu comentário que eu responderei.

paul verlaine

retrato de paul verlaine aos 25 anos

no ano de 1867, paul verlaine publicou “as amigas – cenas de amor sáfico”, uma suíte de sonetos lésbicos. são 6 poemas que encenam delicadamente o amor de duas mocinhas de pensionato. fecha com um soneto a safo. reza a lenda que safo teria se apaixonado no final de sua vida por um jovem garoto chamado faon e se lançado do alto do monte leucas.

a plaquete foi montada sob os auspícios do editor auguste poulet-malassis, o mesmo que havia publicado, cerca de dez anos antes, “as flores do mal” de charles baudelaire. o livreto de verlaine, assim como o de baudelaire, foi censurado e mais tarde reunido pelo autor no livro jadis et naguère.

traduzi toda a série há alguns anos e fiquei (continuo ainda) à espera de uma revista ou editora que quisesse publicá-la. enquanto não chega, deixo, a título de “amuse-gueule”, o n°2 da suíte para os aficionados.

II. as pensionistas

uma tinha quinze, a outra dezesseis;
dormiam no mesmo quarto. e no ar de
outono caía, pesada, a tarde.
olhos azuis, frágeis e a tenra tez.

tiram, para estar mais à vontade,
a fina camisa de âmbar francês.
a mais nova espreguiça, e por sua vez,
sua irmã lhe beija, e com a mão a invade.

cai de joelhos, tumultuosa e louca;
e com ar selvagem, afunda a boca
no seu ouro louro, nas cinzas frestas.

e a criança, ao mesmo tempo, avalia,
nos dedos singelos, valsas promessas,
e rosa, sorri, com inocência pia.

(paul verlaine – trad.: leo gonçalves)

l’une avait quinze ans, l’autre en avait seize;/toutes deux dormaient dans la même chambre./c’était par un soir très lourd de septembre:/frêles, des yeux bleus, deus rougeurs de fraise.//chacune a quitté, pour se mettre à l’aise,/la fine chemise au frais parfum d’ambre./la plus jeune étend les bras, et se cambre,/et as soeur, les mains sur ses seins, la baise,//puis tombe à genoux, puis devient farouche/et tumultuose et folle, et sa bouche/plonge sous l’or blonde, dans les ombres grises;/et l’enfant, pendant ce temps-là, recense/sur ses doigts mignons des valses promises,/et, rose, sourit avec innocence.

agradecer e abraçar

(vevé calazans – gerônimo)

abracei o mar na lua cheia, abracei
abracei o mar
abracei o mar na lua cheia, abracei
abracei o mar
escolhi melhor os pensamentos, pensei
abracei o mar
é festa no céu, é lua cheia, sonhei
abracei o mar
e na hora marcada Dona Alvorada chegou para se banhar
e nada pediu, cantou pro mar
e nada pediu
conversou com o mar
e nada pediu
e o dia sorriu…
uma dúzia de rosas, cheiro de alfzema, presentes eu fui levar
e nada pedi
entreguei ao mar
e nada pedi
me molhei no mar
e nada pedi
só agradeci…

marcelino freire – para iemanjá

oferenda não é essa perna de sofá. essa marca de pneu. esse óleo, esse breu. peixes entulhados, assassinados. minha rainha. não são oferenda essas latas e caixas. esses restos de navio. baleias encalhadas. pingüins tupiniquins, mortos e afins. minha rainha. não fui eu quem lançou ao mar essas garrafas de coca. essas flores de bosta. não mijei na tua praia. juro que não fui eu. minha rainha. oferenda não são os crioulos da guiné. os negros de cuba. na luta, cruzando a nado. caçados e fisgados. náufragos. minha rainha. não são para o teu altar essas lanchas e iates. esses transatlânticos. submarinos de guerra. ilhas de ozônio. minha rainha. oferenda não é essa maré de merda. esse tempo doente. deriva e degelo. neste dia dois de fevereiro. peço perdão. minha rainha. se a minha esperança é um grão de sal. espuma de sabão. nenhuma terra à vista. neste oceano de medo. nada. minha rainha.

texto do marcelino freire recitado por fabiana cozza no show mo gbe orisa.

fabiana cozza coruscante

fabiana cozza, em

a sala juvenal dias estava transbordando nesta última quinta-feira. sucesso para além das expectativas, o espetáculo mo gbe orisa, de fabiana cozza foi uma verdadeira festa sonora. quebrando os protocolos, fabiana aproveitou para atender praticamente todos os pedidos e ainda teve uma conversa carinhosa com o público que saiu de lá inebriado.

um espectador falou que ela parecia um orixá no palco. e de fato, ela irradiava simpatia, alegria, emoção. não é à toa que o show, concebido especialmente para essa noite do griot, tinha como nome a frase que em iorubá significa “trago em mim o orixá”. uma grande surpresa para boa parte do público, que mal conhecia o nome da cantora. foram mais de duas horas de música boa, poesia e bate-papo. cds esgotados, lágrimas de alegria e sorrisos estampados na cara. uma verdadeira celebração da vida.

cheia de molejo, ela interpretou canções como “estrela guia”, do sérgio pererê, “xangô te xinga”, de leandro medina e o clássico “canto de ossanha”, de vinícius de moraes e baden powell. “eu também adoro cantar músicas de dor profunda”, ela disse em certo momento. e alguém lá da platéia gritou “manda uma triste”. e gentilmente fabiana cedeu. cantou um clássico dor-de-cotovelo, desta vez cubano: “vete de mí”, de bola de nieve. e não chorou sozinha. outro momento inesquecível foi o “canto para iemanjá”, seguido de “agradecer e abraçar” que desemboca no texto “para iemanjá”, de marcelino freire. duas canção azuis.

difícil de falar desta noite de xangô sem superlativos.  em todo caso, já está agendado: em setembro, fabiana volta com seu show “quando o céu clarear”. se não me engano, no grande teatro. o melhor negócio é não perder! mas enquanto ela não volta, vale a pena fazer um passeio pelos seus espaços na rede.

www.fabianacozza.com.br
www.fabianacozza.blogspot.com
www.myspace.com/fabianacozza

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jerome rothenberg aqui & ali

(aproveitando uma dica do heriberto yepez)

há bem pouco tempo que venho me enveredando pelos estudos da etnopoesia. acho lamentável não encontrar muitas fontes sobre o assunto em língua portuguesa. fiquei bem feliz quando encontrei numa livraria um livro chamado “etnopoesia no milênio”, da editora azougue. da mesma forma, passeando pelo incrível site do ubu, encontrei um excelente manancial (coordenado pelo próprio jerome) sobre a ethnopoetics, oferecido para os leitores de língua inglesa. foi lá que achei o “sketch on ethnopoetics” de heriberto yepez para traduzir.

acredito muito numa poesia que chamarei “de pesquisa”, a qual encontro as primeiras prefigurações no brasileiro sousândrade, nas galáxias de haroldo de campos e em jerome rothenberg.

rothenberg é mais um que entra para a bloguesfera. ele lança seus delírios de lá da california no poems & poetics. no prospecto que ele inseriu na barra ao lado de seu espaço, um pouco daquilo que os blogueiros dizem ou diriam se tivessem lembrado de fazê-lo.

nesta era de internet e blogue, abre-se a possibilidade para uma livre circulação de obras (poemas e poéticas no nosso caso) para além de um nexo comercial ou acadêmico. eu passarei a postar algumas das minhas próprias obras, tanto novas quanto velhas, de difícil ou impossível acesso, e também, como der na telha, postar obras de outros meio à maneira de uma antologia ou revista aberta. eu tomo isto para estar na tradição dos poetas de publicação autônoma, retornando a Blake & Whitman & Dickinson, entre numerosos outros.

o poems & poetics está no:
www.poemsandpoetics.blogspot.com

além disso, você encontra mais sobre a ethnopoetics no:
www.ubu.com/ethno