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Sobre Leo Gonçalves

Leo Gonçalves é poeta, tradutor, curioso de teatro, música, cinema, política, culinária, antropologia, antropofagia, etnopoesia e etnologia, vida, educação, artes plásticas etc.

outro poema de m. dolabela

Asilo Arkham (Redundância #2)

a Paulo Leão

mudamos de casa
mudamos pra casa ao lado
mudamos pra galeria em frente
mudamos pro Bairro da Saudade
mudamos pro Cemitério da Paz
mudamos do Curral del Rey

mudamos pro andar de cima
mudamos pros fundos
mudamos a cor do cabelo
mudamos de ramo
mudamos de telefone
mudamos e não te convidamos

mudamos de sexo
mudamos de droga
mudamos a roupa de cama
mudamos a mobília da sala
mudamos pro Asilo Arkham
mudamos enquanto era tempo

mudamos o canal de TV
mudamos a faixa do rádio
mudamos de idéia fixa
mudamos a página do livro
mudamos de ilusões perdidas
mudamos pra melhor atender

mudamos e compramos dólar
mudamos porque o mundo gira
mudamos porque a lusitana roda
mudamos de medicação
mudamos o pó de café
mudamos e passamos o ponto.

(BHZ 29 jul. 2000)

Bibliografia:
Marcelo Dolabela. Lorem Ipsus: antologia poética & outros poemas. BH: edição do autor, 2006

MD conversa com RA

Reproduzo abaixo um trecho da entrevista feita por ocasião da ZIP – Zona de Invenção Poesia &, que rolou em 2006 em Belo Horizonte. Falando sobre o Marcelo Dolabela (o entrevistado), Ricardo Aleixo (o entrevistador) comenta (mira e acerta em cheio):

Dolabela talvez seja o poeta mais sem lugar da poesia brasileira – muito provavelmente por ter a manha de observar a cena e invadi-la a partir do lugar que lhe der na veneta. Leiam suas palavras com os ouvidos bem abertos.

Marcelo, há quem o defina, taxativamente, como um representante da geração marginal. Outros já o tomam, também taxativamente, como um experimentalista radical. Qual é a sua?

A minha matriz poética é remixar, ou continuar remixando, esses dois conceitos (“marginal” e “experimental”). Sigo e persigo os pressupostos colocados pelos movimentos de vanguarda, em particular: da poesia concreta, do poema/processo e da tropicália, no Brasil; do dadá, do futurismo russo, da internacional situacionista, dos provos, do fluxus, do punk rock e da música pop de invenção, mundo afora. Como esses dois conceitos são, para a maioria, datados, sempre que alguém os usa para designar alguém é no sentido pejorativo. Assim, para esses conceituadores, ser “marginal”, “experimental” e/ou ”radical” é ser um perfeito idiota, alguém que está totalmente sem sincronia com o que se faz hoje. Não ligo. Como a velha escola, digo “deixa falar”. Pra mim, só vale a pena sendo assim.

Poesia & tecnologia é um tema que perpassa todo o seu fazer artístico. Fale um pouco a respeito. Se possível, faça uma síntese dos momentos-luz desse tema no âmbito da modernidade – enquanto prática – e nos conte como é que sua poesia participa desse debate, na atualidade.

Gosto de um conceito do Décio Pignatari, o de “mídia auxiliar”. O artista deve, para se manter inventivo, migrar, dialogar e incorporar outras linguagens. Assim, minha relação com o “mundo plugado” é para alimentar sempre a caldeira com novos combustíveis. Mesmo que, para isso, tenha que voltar ao início, aprender Theremin, usar velhas baterias eletrônicas, tecladinhos-casio ao lado de novidades, como Air-FX, Kaoos Pad, samplers, protools etc.

Na década de 80, creio que no Festival de Inverno da UFMG, você ofereceu um curso intitulado “Do rock and roll da poesia à poesia do rock”, estabelecendo pioneiramente uma ponte que a muitos parecia improvável naquele momento. Também me lembro de um encontro com Augusto de Campos, em Belo Horizonte, na Bienal Internacional de Poesia, em que ele, assim que o cumprimentou, perguntou, à queima-roupa, sobre Jimi Hendrix. E aí?

Curiosamente, este ano, quase duas décadas depois, estou voltando no Festival de Inverno, com a oficina: “Poesia-Experiência: do Dada ao sampler”, que tem como objetivo: Rever e experimentar [produzir] dez técnicas poéticas de vários movimentos das vanguardas históricas (Dadá, Surrealismo e Modernismo), das “vanguardas tardias” (Beat Generation, Poesia Semiótica, poema/processo e Arte Postal) e das pós-vanguardas (Poema Intersemiótico e Poesia Sonora). Pretendo fechar o ciclo. Se antes, o objetivo (diacrônico) era aproximar coisas díspares para a época, agora, incronicamente, pretendo mostrar que a questão é mais de roupagem do que de linguagem. Jimi Hendrix, nesse cenário, é, sem dúvida, um dos artistas mais paradigmáticos, pois quebrou todos os limites entre os extremos práticos e conceituais.

Entrevista colhida no jaguadarte

Em tempo: leia também no jaguadarte o texto “O label de dolabela”, uma das raras (mas ainda necessárias) apreciações existentes à obra do Marcelo Dolabela, escrita pelo Ricardo Aleixo por ocasião do lançamento da antologia Lorem Ipsus.

um poema de marcelo dolabela

Baladilha à maneira de W. M.

eu tenho mais versos pra escrever
que dor ou arrependimento
se tu me dizes que me amas
penso sempre em fingimento
mas se berras que me odeias
eu tenho o mesmo sentimento

eu tenho mais boca pra comer
que dente sal e alimento
se eu não divido minha cama
é porque adoro o relento
e quando serves a ceia
prefiro um outro argumento

pois eu tenho mais versos pra escrever
com o nanquim do meu tormento

Marcelo Dolabela. Lorem Ipsus: antologia poética & outros poemas. BH: Edição do Autor, 2006

Lançamento da revista Serrote #4

Amanhã tem o lançamento da Revista Serrote nº4. O evento será no Palácio das Artes às 20h com a presença do artista plástico Nuno Ramos, o poeta Francisco Bosco e o jornalista Matinas Suzuki, um dos editores da revista. Eles vêm para compor a mesa-redonda sobre “O novo ensaísmo brasileiro”.

Saiba mais no blogue da livraria Usina das Letras:

www.livrariausinadasletras.blogspot.com

Nada a dizer

O que interessa a Sahea é a criação de significados carregados de uma sutilíssima crítica ao status neutro e esvaziado que a linguagem adquiriu em nossos dias.

Marcelo Ariel

Marcelo Sahea está com livro novo. Ainda não li, mas o título se parece muito com as palavras que ouvi de Marcelo há um ano atrás no bate-papo após sua performance no Oi Futuro. Algo como “quanto mais você me entende, menos entendo”. Seu novo livro sai pela editora AnnaBlume e em breve deve estar nas livrarias. Quanto a mim, não vejo a hora de ter um exemplar em mãos.

Para acabar com o juízo dos críticos

Sempre tive um pé atrás com as críticas que topam manifestar juízos sobre o que presta e o que não presta. Tenho para mim que toda teoria que parte de um único ponto de vista acaba por se tornar unívoca e, por isso mesmo, equívoca. Aprendi muito cedo que o projeto poético alheio deve ser respeitado, mesmo que eu não goste dos seus princípios ou os seus fins. Cada pingo no seu i, alguns iis com seus acentos. Repito o lugar comum de que “não gosto de poetas, nem de poesia, gosto de poemas”. Mas não serei eu a tomar partido ante o que supostamente presta ou não presta. Uma base teórica costuma ter a pretensão de basear-se em conceitos. Todo bom conceito precisa funcionar como uma ferramenta de pensar. Mas se um conceito segue sendo usado para engendrar juízos de valor, ele logo se tornará um pré-conceito. Na verdade, todo juízo de valor, feio ou bonito, bom ou ruim é sempre um preconceito, um pré-juizo que nada tem a ver com a arte em si.

A chegada da obra de Ezra Pound na cultura brasileira, nos anos 50 e 60 através dos concretistas e de Mário Faustino foi providencial. Nos dias de hoje, o discurso insistentemente neopoundiano está obsoleto e mal utilizado. E não é culpa das idéias dele. É que elas cansaram de servir a tudo. Vivemos uma época de tantas incertezas que ficamos sem perceber que neste assunto nada mais foi investigado, proposto, acrescentado. Aprendemos muito pouco sobre Pound depois dos concretos. Falar dele em língua portuguesa é lê-lo fora de seu contexto. Seria necessário pensar em toda a poesia de língua inglesa desde sua época até os dias de hoje, com suas várias gerações de artistas que pegaram a lição do velho Pound e a aproveitaram à sua maneira. Dos beats ao slam, muita coisa passou desapercebida no lado debaixo do equador. A language poetry e o concretism são apenas manifestações tímidas e localizadas em meio ao turbilhão revolucionário da língua de Blake e não são as mais radicais, e já temos Jerome Rothenberg que colocou recentemente os poetas xamãs esquimós do Canadá ao lado de Augusto de Campos no setor destinado à poesia visual em sua antologia Poems for the millenium.

Noto que, com o tempo, os críticos se apegam aos juízos e se esquecem que Pound queria uma poesia sem literatura, que ele incitava os artistas da língua a escrever no idioma vernacular falado (não será exatamente o que Mallarmé também sonha quando diz em seu poema, já com a carne triste depois de haver lido todos os livros e pensado seriamente em fugir: “entends le chant des mâtelots [ouve a canção dos marinheiros]”?) e que o seu paideuma, (ou mãedeuma) era proposto apenas como um dentre os muitos possíveis ou não passava de filhodeuma.

O discurso dos ditos “de vanguarda” está gagá. Até mesmo a pretensa “tradição da ruptura” de Octavio Paz, (aquela teoria segundo a qual a tradição da poesia moderna consiste em romper com o passado, ou seja, a tradição de romper com a tradição) já perdeu o sentido. Afinal, romper com o que? Com que tradição podemos romper se já não nos apegamos a nenhuma. Se Bauman está certo em dizer que vivemos em “tempos líquidos”, vamos quebrar o quê?

Não é de hoje que leio poetas-críticos respeitáveis que não conseguem esquecer as lições dos concretos. Em plena era pós-2000, ainda alardeiam os mesmos adágios que Haroldo e Augusto de Campos andaram repetindo com maestria ao longo dos últimos quase 60 anos (!) mas com uma nota decadente, já que estão ocupados mais que tudo em fazer com que a literatura (a poesia incluída como literatura) entre pelo cânone. Procuram não-linearidade na criação literária, acham proibido falar de qualquer coisa que não seja o próprio poema no poema, negam a importância do idioma vernacular e esperam grandes pretensões do mero ato de fazer poesia por fazer. Para completar, veneram a importância das ditas “grandes obras” e citam poetas de prestígio unânime, “canonizados”. Ou seja, querendo se dizer amantes do difícil, acabam recorrendo ao fácil (existe coisa mais fácil que aceitar como “bom” aquilo que já é inquestionadamente aceito por todos?).

Todas as grandes descobertas passam por um primeiro momento em que ficam acessíveis apenas aos pesquisadores mais avançados e depois se tornam de uso comum. Os irmãos Campos foram vanguarda nos anos 50 e mantiveram uma chama acesa durante décadas num país fadado à burrice. Mas hoje em dia, eles são leitura obrigatória do jardim de infância de qualquer poeta brasileiro que se preze. Repetir essas teorias como se fossem a grande resposta depois de haver alcançado a idade adulta, é sintoma de alguma paranóia ou então estamos diante de um estranho conservadorismo, justo ali onde o crítico se quer mais avançado. Pois não foram os próprios poetas concretistas que a princípios dos anos 80 exortavam seus discípulos Paulo Leminski, Waly Salomão, Antônio Risério, Régis Bonvicino a romper com o concretismo?

É preciso acabar com o julgamento e a sanha classificatória dos literaturistas. Isto sim seria romper. O que podemos depreender de todo o processo civilizatório da cultura brasileira até aqui é que fomos, na maior parte do tempo, um povo reverente a tudo o que cremos ser la crème da civilização. No intuito de “fazer parte”, nós brasileiros acabamos boiando. Nos esforçamos incansavelmente para negar nossa barbárie que é, a bem da verdade, nosso maior patrimônio e o que nos coloca na vanguarda dos povos, ao lado dos bororo, os hotentotes, os taraumaras, os maori. Para quê se esconder por detrás das palavras? Se continuarmos a perder tanto tempo com juízos, escolhas do que é bom ou não, classificações e etiquetamentos, logo chegaremos ao século XIX ou ao manicânone. Convenhamos: a linearidade só pode ser um problema para aqueles que têm fé na linearidade de suas vidas. A poesia, “religião original da humanidade” (Novalis) é liberdade da linguagem (Leminski). E liberdade é ter todas as opções à mão, sem interditos. Se é para seguir o pensamento crítico de Ezra Pound, então por favor, que se possa pelo menos “make it new”.

Não gosto de plágio

Mês passado eu li isto no blogue “Não gosto de plágio”, comandado pela corajosa Denise Bottmann:

numa ação movida pela editora landmark e pelo sr. fábio cyrino, estou sendo processada por pretensas calúnias contra os reclamantes, por ter publicado no nãogostodeplágio provas mostrando a prática de plágio nas traduções de persuasão, de jane austen, e o morro dos ventos uivantes, de emily brontë, ambas publicadas pela referida editora em 2007.

além de vultosa indenização por pretensos danos morais e materiais, os reclamantes solicitaram:
– “publicidade restrita”, isto é, que o processo corresse em sigilo de justiça,
– a remoção do blog nãogostodeplágio da internet, invocando o “direito de esquecimento”,
– “antecipação dos efeitos da tutela de mérito”, isto é, que a justiça determinasse a remoção imediata do blog antes da avaliação do mérito da ação impetrada.

No Brasil existe um curioso costume: interessadas em participar do incrível e promissor “mercado editorial brasileiro”, algumas editoras lançam clássicos da literatura universal cujo autor já se tornou Domínio Público (para não ter que pagar seus direitos autorais, mas principalmente para não serem processadas pelos detentores dos direitos) em traduções piratas.

– Traduções piratas?

– Sim. Veja como funciona: alguém vai até à livraria, encontra um livro traduzido e parafraseia palavra por palavra até tornar o trabalho do tradutor aparentemente irreconhecível. Depois publica a tradução sob um pseudônimo. Assim economizam uma parte da grana necessária para a edição. Depois fazem ainda uma publicação mais ou menos, organizam uma tiragem altíssima de modo a economizar bastante na gráfica e alcançam um preço unitário bem baixo. O resultado é uma obra clássica barata, pela qual o público vai facilmente se interessar sem muitos questionamentos. Afinal quem se interessa por saber quem são os tradutores de um livro? Muito pouca gente.

A lista de editoras desse tipo não é pequena. A Landmark é apenas uma das muitas. A Martin Claret é a mais conhecida. Mas temos também a Madras, a Hemus e por aí vai. O que fazer para se previnir? É sempre muito difícil julgar na hora da compra.

Há alguns anos, Denise Bottmann vem prestando um serviço incrível: compara, coteja, divulga traduções confiáveis e desconfiáveis. Tudo lá no nãogostodeplágio. Um verdadeiro exercício de paciência e persistência na arte de desmascarar.

Me parece incrível que tenha tardado tanto uma reação por parte das editoras. A petição do senhor Fábio Cyrino, por outro lado, foi um verdadeiro naufrágio. Logo em seguida, Denise (e Raquel Sallaberry, também incluída no processo), foram agraciadas por milhares de manifestações a seu favor. Blogues pelo país afora, matérias na imprensa, manifestos e petições. Confesso que este último fato acalmou meu pessimismo.

Veja mais notícias nos enlaces abaixo:

www.naogostodeplagio.blogspot.com

www.apoiodenise.wordpress.com