Reproduzo abaixo um trecho da entrevista feita por ocasião da ZIP – Zona de Invenção Poesia &, que rolou em 2006 em Belo Horizonte. Falando sobre o Marcelo Dolabela (o entrevistado), Ricardo Aleixo (o entrevistador) comenta (mira e acerta em cheio):
Dolabela talvez seja o poeta mais sem lugar da poesia brasileira – muito provavelmente por ter a manha de observar a cena e invadi-la a partir do lugar que lhe der na veneta. Leiam suas palavras com os ouvidos bem abertos.
Marcelo, há quem o defina, taxativamente, como um representante da geração marginal. Outros já o tomam, também taxativamente, como um experimentalista radical. Qual é a sua?
A minha matriz poética é remixar, ou continuar remixando, esses dois conceitos (“marginal” e “experimental”). Sigo e persigo os pressupostos colocados pelos movimentos de vanguarda, em particular: da poesia concreta, do poema/processo e da tropicália, no Brasil; do dadá, do futurismo russo, da internacional situacionista, dos provos, do fluxus, do punk rock e da música pop de invenção, mundo afora. Como esses dois conceitos são, para a maioria, datados, sempre que alguém os usa para designar alguém é no sentido pejorativo. Assim, para esses conceituadores, ser “marginal”, “experimental” e/ou ”radical” é ser um perfeito idiota, alguém que está totalmente sem sincronia com o que se faz hoje. Não ligo. Como a velha escola, digo “deixa falar”. Pra mim, só vale a pena sendo assim.
Poesia & tecnologia é um tema que perpassa todo o seu fazer artístico. Fale um pouco a respeito. Se possível, faça uma síntese dos momentos-luz desse tema no âmbito da modernidade – enquanto prática – e nos conte como é que sua poesia participa desse debate, na atualidade.
Gosto de um conceito do Décio Pignatari, o de “mídia auxiliar”. O artista deve, para se manter inventivo, migrar, dialogar e incorporar outras linguagens. Assim, minha relação com o “mundo plugado” é para alimentar sempre a caldeira com novos combustíveis. Mesmo que, para isso, tenha que voltar ao início, aprender Theremin, usar velhas baterias eletrônicas, tecladinhos-casio ao lado de novidades, como Air-FX, Kaoos Pad, samplers, protools etc.
Na década de 80, creio que no Festival de Inverno da UFMG, você ofereceu um curso intitulado “Do rock and roll da poesia à poesia do rock”, estabelecendo pioneiramente uma ponte que a muitos parecia improvável naquele momento. Também me lembro de um encontro com Augusto de Campos, em Belo Horizonte, na Bienal Internacional de Poesia, em que ele, assim que o cumprimentou, perguntou, à queima-roupa, sobre Jimi Hendrix. E aí?
Curiosamente, este ano, quase duas décadas depois, estou voltando no Festival de Inverno, com a oficina: “Poesia-Experiência: do Dada ao sampler”, que tem como objetivo: Rever e experimentar [produzir] dez técnicas poéticas de vários movimentos das vanguardas históricas (Dadá, Surrealismo e Modernismo), das “vanguardas tardias” (Beat Generation, Poesia Semiótica, poema/processo e Arte Postal) e das pós-vanguardas (Poema Intersemiótico e Poesia Sonora). Pretendo fechar o ciclo. Se antes, o objetivo (diacrônico) era aproximar coisas díspares para a época, agora, incronicamente, pretendo mostrar que a questão é mais de roupagem do que de linguagem. Jimi Hendrix, nesse cenário, é, sem dúvida, um dos artistas mais paradigmáticos, pois quebrou todos os limites entre os extremos práticos e conceituais.
Entrevista colhida no jaguadarte
Em tempo: leia também no jaguadarte o texto “O label de dolabela”, uma das raras (mas ainda necessárias) apreciações existentes à obra do Marcelo Dolabela, escrita pelo Ricardo Aleixo por ocasião do lançamento da antologia Lorem Ipsus.