Arquivo mensais:abril 2010

Claudio Willer fala sobre Paranóia de Piva

Esta é para quem estiver em São Paulo no próximo dia 27, terça-feira às 20h. O poeta, tradutor e ensaísta Claudio Willer comenta sobre a obra de Roberto Piva, a propósito do relançamento do livro Paranóia no Sesc Vila Mariana. Desde o começo do ano, o Piva tem passado por sérios problemas de saúde, internado há mais de 40 dias no Hospital das Clínicas de São Paulo. Os amigos têm se reunido para angariar recursos para ajudá-lo a sair desse momento difícil e o bate-papo é mais uma iniciativa com esse propósito.

No encontro, Claudio Willer falará sobre o tema “Roberto Piva e a Poesia”. De acordo com o autor, matérias sobre o relançamento de Paranóia acentuam a idéia de uma criação poética delirante, resultante de alucinações. Willer, reconhecendo a importância de Paranóia, texto inovador, um marco inicial, observará que é necessário ler todo Piva: o conjunto de sua contribuição literária, composta por oito livros de poesia e alguns manifestos, reunidos nos três volumes da Obra Reunida. Argumentará que a poesia de Piva é sobre a própria poesia; sendo um rebelde, evidentemente, é um poeta culto, um leitor que, por vezes de modo sutil, comenta suas leituras e sua paixão pela vida e pela poesia (que, em sua poética, se confundem)

O encontro contará com a presença dos seguintes escritores para depoimentos: Antonio Fernando de Franceschi (poeta, responsável pela reedição de Paranóia em 2000); Celso de Alencar (poeta e amigo de Piva); Roberto Bicelli (poeta e amigo de Piva); Toninho Mendes (artista gráfico e poeta, publicou Piva na revista Chiclete com Banana); Ugo Giorgetti (cineasta, autor do média-metragem Uma outra cidade de 2000, com Piva e outros poetas da mesma geração); Valesca Dios (cineasta, diretora de Assombração Urbana, média-metragem com Roberto Piva, de 2005).

www.sempreumpapo.com.br

Sempre um Papo em homenagem a Roberto Piva
Dia 27 de abril, terça-feira, às 20h
Local: SESC Vila Mariana (Rua Pelotas 141 – Vila Mariana)
Tel.: (11) 5080-3000 / www.sescsp.org.br
Auditório (131 lugares) Entrada gratuita

Poesia como arte insurgente

Acabo de ler um great little book. Poetry as Insurgent Art, de Lawrence Ferlinghetti, é um desses livrinhos para se colocar ao lado do travesseiro e ler uma frase por noite. Ou então, das famosas “obras para obrar” deixadas no banheiro no lugar das revistas de fofoca, esperando aquele momento mais íntimo dos seres humanos civilizados. Frases curtas e espertas. Pequenos instantes de veneno anti-mediocridade.

Há muito tempo que eu ensaiava um meio de tê-lo em mãos. Havia visto no site da editora City Lights em 2008 e, desde então, venho tentando imaginar o que o velho Ferlinghetti anda aprontando. A proposta Poesia como arte insurgente é sonhadora para esses tempos em que a linguagem anda sumindo. Estava super afim e pensava em pedir via internet. Outro dia, passando por uma livraria de São Paulo, o encontrei e fiquei tremendo como um viciado com a vontade de adquirir meu exemplar.

Segundo os editores, Ferlinghetti tem certa aversão a tratados de poética. No entanto, este livro vem sendo escrito e reescrito ao longo dos últimos 60 anos, em sucessivas edições recheadas de acréscimos. Já teve também outros nomes. What is Poetry é o título anterior. Contém formulações de quem, ao longo do tempo, vem mantendo uma permanente confiança no poder das palavras e da poesia enquanto vida e subversão. Uma ideia fora de moda e atualíssima ao mesmo tempo. Coincide com questões que andam em pauta no Brasil e no mundo.

Veja-se por exemplo a exortação “Don’t make poetry by the Pound”, dificílima de traduzir sem variantes para o português, podendo significar “Não faça poesia pelo Peso”, em primeira instância. E na sequência: “Não faça poesia pelo dinheiro” (Pound esterling, a moeda inglesa). E por último: “Não faça poesia pelo Pound”. Quem leu meu artigo “Para acabar com o juízo dos críticos” sabe do que estou falando. Para o ambiente brasileiro, com seus poetas literatureiros, tem também esta: “Compose on the tongue, not on the page” [Componha na língua, não na página]. E: “Poetry is the real subject of great prose” [Poesia é o verdadeiro assunto da grande prosa]. E ainda: “Be a songbird, not a parrot” [Seja um passarinho cantador, não um papagaio].

Lawrence Ferlinghetti é um dos poucos poetas do mundo contemporâneo (talvez eu devesse dizer: do “meu” mundo contemporâneo, já que não conheço todo o mundo contemporâneo) a se interessar pela dimensão micropolítica da linguagem e explorá-la em sua obra. Suas idéias coincidem com as minhas mais recentes concepções sobre poesia. Veja-se a exemplo o aforismo-notícia que está na página 59 do livreto: “The war against the imagination is not the only war. Using the 9/11 Twin Towers disaster as an excuse, America has initiated the Third World War, which is the War against the Third World. [A guerra contra a imaginação não é a única guerra. Usando o desastre das Torres Gêmeas do onze de setembro como desculpa, os Estados Unidos iniciaram a Terceira Guerra Mundial, que é a Guerra contra o Terceiro Mundo]”.

Para os que não conhecem Ferlinghetti, ele é o autor de Um parque de diversões na cabeça, que foi reeditado recentemente pela LPM, na coleção pocket. No Brasil ele foi traduzido por poetas como Paulo Leminski, Leonardo Fróes e Nelson Ascher. É um dos poucos sobreviventes da geração beatnik no século XXI. Segundo Claudio Willer (em seu recente livro Geração beat): Ferlinghetti nasceu em Nova York em 1919, filho de um imigrante italiano e criado em Strasbourg, na França. Escrevia desde muito jovem, antes mesmo de servir ao exército americano. Participou da segunda guerra mundial como oficial da marinha, o que consolidou suas convicções pacifistas (Dare to be a non- violent poetic guerrilla, na anti-hero [Ouse ser um guerrilheiro poético da não-violência, um anti-herói]). Estudou em Columbia e na Sorbonne e, ao voltar para os EUA, fundou a editora City Lights no começo dos anos 1950. Publicou, entre muitos, Antonin Artaud e Jacques Prévert. Foi o editor da primeira edição do Howl de Allen Ginsberg (aquele poema que não precisou ser publicado para ser preso pela moral e os bons costumes norteamericanos). Sua editora é ainda hoje uma das forças que mantêm a inteligência ativa no país dos Walt: Whitman e Disney.

The Nort Pole is not where it uset to be. O Polo Norte não está mais onde costumava estar.

If you would be a poet, create works capable of answering the challenge of apocalyptic times, even if this means sounding apocalyptic. Se você quer ser um poeta, crie obras capazes de responder aos desafios dos tempos apocalípticos, mesmo se isso soar apocalíptico.

If you call yourself a poet, don’t just sit there. Poetry is not a sedentary occupation, not a “take your seat” practice. Stand up and let them have it. Se você se diz poeta, não sente-se simplesmente ali. Poesia não é uma ocupação sedentária, não é uma prática de “tomem os seus assentos”. Levante-se e deixe que os outros façam isso.

If you would be a poet, invent a new language anyone can understand. Se você quer ser um poeta, invente uma nova língua que qualquer um possa entender.

If you would be a poet, speak new thruths that the world can’t deny. Se você quer ser um poeta, diga novas verdades que o mundo não possa negar.

Reinvent the idea of thruth. Reinvente a idéia de verdade.

Unless you have an urge to sing, don’t open your mouth. A menos que tenha uma urgência de cantar, não abra a sua boca.

Make it more than “spoken word” poetry; make it “sung word” poetry. Faça mais do que poesia palavra falada; faça-a uma poesia palavra cantada.

Like a field of sunflowers, a poem should not have to be explained. Como um campo de girassóis, um poema não pode precisar ser explicado.

Don’t be so open-minded that your brains fall out. Não tenha a cabeça tão aberta a ponto de seu cérebro cair.

If a poem has to be explicated, it’s a failure in communication. Se um poema tem que ser explicado, há um falha de comunicação.

Whatever a poet says about his work is an apology he shouldn’t make. O que quer que um poeta diga sobre sua obra é um pedido de desculpas que ele não deveria fazer.

Art is not Chance. Chance is not art, except by chance. Arte não é Acaso. Acaso não é arte, exceto por acaso.

Cultivate dissidence and critical thinking. First thought may be worst thought. Cultive a dissidência e o pensamento crítico. Primeira idéia pode ser a pior idéia.

Resist much, obey less. Resista mais, obedeça menos.

Poetry is all things born with wings that sing. Poesia é todas as coisas nascidas com asas que cantam.

Don’t let them tell you poetry is for the birds. Não deixem dizerem que a sua poesia é para os passarinhos.

Don’t ever believe poetry is irrelevant in dark times. Jamais acredite que poesia é irrelevante em tempo escuros.

Don’t let them tell you poets are parasiti. Não deixe dizerem que vocês poetas são parasitas.

The poet sees eternity in the mute eyes of all animals, including men and women. O poeta vê a eternidade nos olhos mudos de todos os animais, incluindo homens e mulheres.

Poetry a naked woman, a naked man, and the distance between them. Poesia uma mulher nua, um homem nu, e a distância entre eles.

Poetry is not all heroin horses and Rimbaud. It is also the powerless prayers of airline passengers fastening their seatbelts for the final descent. Poesia não é só cavalos de heroína e Rimbaud. É também os passageiros sem poder das linhas aéreas fazendo orações ao colocar os cintos de segurança para a derradeira descida.

Belo Horizonte, Belorizontem

Nasci numa cidade de nome aparentemente bonito. Sendo assim, fiquei procurando, desde menino, o tal belo horizonte. Quis acreditar que as montanhas ao lado eram de fato bonitas. Mas que diabo, não via o sol nascer nem se pôr entre elas, embora soubesse que ele se escondia em algum lugar. Eu não achava belo o horizonte da minha cidade.

Um dia veio o papa João Paulo II e disse com seu sotaque polaco-romano: “Que belo horizonte!”, enquanto olhava para a Serra do Curral. O povo acreditou. Mas não. Não foi o papa que deu esse nome pra cidade. Ele achava que estava sendo original falando assim, mas eu desconfiava desde pequeno que ele tinha se deixado iludir pelo nome da cidade. Não é bom dizer isso por aí, porque os belorizontinos ficaram tão felizes com o arrebato do papa que sacralizaram direitinho a conversa dele. Belo belo era o jasmineiro que havia na praça que ganhou o nome do Papa, belas as sardas das meninas que brincavam na rua, a gíria do neguinhos que andavam de chinelo, belo o tom de verde que pegava na grama no final de setembro. Mas não o horizonte.

Daí que sempre desconfiei desse nome. Invejava aqueles topônimos bonitos, de uma palavra só, muitas vezes de composição tupi: Araçuaí, Almenara, Itaúna, Sabará, Itu, Paraty, Piratininga, Sorocaba, Pirapora, Ubatuba, Bocaiúva, Barbacena, Botucatu, Paracatu, Cordisburgo (cidade do coração, nome latino), Indianápolis (cidade dos índios, nome grego). Ou então aqueles que alguém tira da topografia: Serra das Araras, Barra do Guaicuí, Rio Acima, Rio Abaixo, Rio das Ostras. Mas não. Eu tive o azar de nascer numa cidade de nome composto e pouco significativo. Um adjetivo qualificativo (feio, bonito, belo, horroroso) e um substantivo abstrato (o que é um horizonte? montanha ou estepe? floresta ou edifício? utopia ou um talvez perene?)

“Belo”, em qualquer língua, é um qualificativo ambíguo. Designa, em princípio (todo mundo sabe), aquilo que é bonito ou mais que bonito: “Fulano vive numa bela casa”. Mas pode servir também para criticar: “que belo papel você está fazendo, com esse chororô”. Na língua francesa, essa palavra serve às vezes como partícula, mudando o significado do radical: belle-mère (bela-mãe), beau-père (belo-pai), belle-soeur (bela irmã), beau-frère (belo-irmão) significam respectivamente sogra (ou então madrasta), sogro, cunhada e cunhado. Neste caso, a dupla beau-belle (belo-bela) significam qualquer coisa como “quase”, ou “falso”, ou “meio”.

Quando os especuladores imobiliários querem inventar um bairro novo, pelo menos no Brasil, colocam nomes compostos que supostamente elogiam a paisagem: Bela Vista, Vista Alegre, Boa Vista, Nova Vista. Quando acaba o repertório, começam a inventar outras composições do mesmo gênero, só que em francês ou em italiano. Daí que em Belo Horizonte tem também o bairro Belvedere, que significa bela vista em italiano. E ouvi dizer outro dia que estavam construindo um condomínio Bellevue (bela vista em francês), não sei se é verdade.

Para quem não sabe, minha cidade natal foi inaugurada em 1897 e nasceu sob o discurso da Utopia. A primeira capital do estado de Minas Gerais era Vila Rica de Ouro Preto. Um nome promissor, próprio para um lugar que, com todo o ouro extraído de suas jazidas, ajudou a financiar a pompa e a circunstância dos ingleses e sua revolução industrial, o século de ouro espanhol, a fidalguia portuguesa e os governos absolutistas do século XVIII. Com a grana que saía daquelas minas, Vila Rica tinha potencial para se tornar a capital de todo o império português daqui, de lá e de além lá.

Mas a república foi proclamada em 1889 e na década seguinte tinha de fazer valer. Não demorou nada, uma comunidade de sertanejos inconformados com a subida absurda dos impostos e com a complicação de suas vidas (embora acabada a escravidão, ou mesmo por isto, estavam sendo tratados como escravos – situação que se repetiu em todo o mundo do trabalho na época, incluindo os imigrantes que chegavam da Itália, do Leste europeu e do Japão), começaram a seguir um líder profético (Antônio Conselheiro) que se dizia monarquista. Inimigos da república de Marechal Deodoro e Floriano Peixoto, fundaram em Belo Monte (yes, mais um elogio à paisagem) a primeira verdadeira república do Brasil e deram-lhe o nome de Canudos. O governo republicano se viu numa estranha crise que balançou a opinião pública. Canudos virou símbolo da insurreição anti-republicana. Dentre as inúmeras contribuições dos sertanejos de lá para o mundo contemporâneo, está a palavra “favela”, que designa o tipo de comunidade em que se transformou o povoado de Canudos.

Meu amigo, o poeta e belorizontino como eu, Ricardo Aleixo, cantou em seu livro Maquina zero a seguinte pedra (e aqui acrescento também os meus palpites de pseudo historiólogo): na proclamação da república, os governantes decidiram mudar o local da capital de Minas Gerais. Vila Rica de Ouro Preto era um lugar barroco, com suas ruas volutas, ladeiras antigas e becos sem saída. E como todo governante sabe, é preciso haver meios de cercar e render o povo, sempre que surge alguma rebelião. O exemplo era a reforma de Paris em 1848, realizada depois da Comuna. Assim, escolheram a região do Curral d’El Rey para ser a nova cidade nova (mais uma tabula-rasolândia) e lhe apelidaram com um nome que rima e nega ao mesmo tempo a insurgente Canudos, a alternativa a Belo Monte: Belo Horizonte.

Com a idade, fui aprendendo a gostar do horizonte da minha cidade (ser humano se habitua a tudo). Passei achar a serra do curral até bonitinha. Especialmente depois que, ao visitar o terraço do edifício Niemeyer, na praça da Liberdade, notei que toda Belo Horizonte está cercada de favelas. Por onde se olha, qualquer montanha daquelas que compõem o horizonte, encontram-se comunidades, vilarejos pobres e revoltados, nichos de alguns dos poucos habitantes realmente revoltosos do país. Belo Horizonte, é praticamente um congo, um quilombo entre as montanhas.

Mas aprendi também que em Belo Horizonte o horizonte, a perspectiva, acaba logo ali. E um dia, meu corpo e meus desejos não couberam mais nos limites do Curral d’El Rey.

mostra minas contemporânea

Nesta terça, dia 13 de abril a partir das 20h30, no Sesc Vila Mariana (Rua Pelotas, 141 – Vila Mariana, SP), Raquel Coutinho apresenta seu show “Olho d’água”, com a participação de Fabiana Cozza. Antes do show, a atriz Fernanda D’umbra fará leitura de poemas de Leo Gonçalves (este que vos fala), Lenise Regina, Letícia Féres, Bruno Brum, Renato Negrão e Makely Ka. O evento faz parte da mostra Minas Contemporânea e já teve na programação (no dia 06 de abril) Marina Machado, com exibição do documentário “Poro – intervenções urbanas e ações efêmeras”. No dia 20 de abril, a Mostra fecha com a exibição do curta Filmes que Eu não Fiz de Gilberto Scarpa e um belo show de samba da Aline Calixto.

outro poema de m. dolabela

Asilo Arkham (Redundância #2)

a Paulo Leão

mudamos de casa
mudamos pra casa ao lado
mudamos pra galeria em frente
mudamos pro Bairro da Saudade
mudamos pro Cemitério da Paz
mudamos do Curral del Rey

mudamos pro andar de cima
mudamos pros fundos
mudamos a cor do cabelo
mudamos de ramo
mudamos de telefone
mudamos e não te convidamos

mudamos de sexo
mudamos de droga
mudamos a roupa de cama
mudamos a mobília da sala
mudamos pro Asilo Arkham
mudamos enquanto era tempo

mudamos o canal de TV
mudamos a faixa do rádio
mudamos de idéia fixa
mudamos a página do livro
mudamos de ilusões perdidas
mudamos pra melhor atender

mudamos e compramos dólar
mudamos porque o mundo gira
mudamos porque a lusitana roda
mudamos de medicação
mudamos o pó de café
mudamos e passamos o ponto.

(BHZ 29 jul. 2000)

Bibliografia:
Marcelo Dolabela. Lorem Ipsus: antologia poética & outros poemas. BH: edição do autor, 2006

MD conversa com RA

Reproduzo abaixo um trecho da entrevista feita por ocasião da ZIP – Zona de Invenção Poesia &, que rolou em 2006 em Belo Horizonte. Falando sobre o Marcelo Dolabela (o entrevistado), Ricardo Aleixo (o entrevistador) comenta (mira e acerta em cheio):

Dolabela talvez seja o poeta mais sem lugar da poesia brasileira – muito provavelmente por ter a manha de observar a cena e invadi-la a partir do lugar que lhe der na veneta. Leiam suas palavras com os ouvidos bem abertos.

Marcelo, há quem o defina, taxativamente, como um representante da geração marginal. Outros já o tomam, também taxativamente, como um experimentalista radical. Qual é a sua?

A minha matriz poética é remixar, ou continuar remixando, esses dois conceitos (“marginal” e “experimental”). Sigo e persigo os pressupostos colocados pelos movimentos de vanguarda, em particular: da poesia concreta, do poema/processo e da tropicália, no Brasil; do dadá, do futurismo russo, da internacional situacionista, dos provos, do fluxus, do punk rock e da música pop de invenção, mundo afora. Como esses dois conceitos são, para a maioria, datados, sempre que alguém os usa para designar alguém é no sentido pejorativo. Assim, para esses conceituadores, ser “marginal”, “experimental” e/ou ”radical” é ser um perfeito idiota, alguém que está totalmente sem sincronia com o que se faz hoje. Não ligo. Como a velha escola, digo “deixa falar”. Pra mim, só vale a pena sendo assim.

Poesia & tecnologia é um tema que perpassa todo o seu fazer artístico. Fale um pouco a respeito. Se possível, faça uma síntese dos momentos-luz desse tema no âmbito da modernidade – enquanto prática – e nos conte como é que sua poesia participa desse debate, na atualidade.

Gosto de um conceito do Décio Pignatari, o de “mídia auxiliar”. O artista deve, para se manter inventivo, migrar, dialogar e incorporar outras linguagens. Assim, minha relação com o “mundo plugado” é para alimentar sempre a caldeira com novos combustíveis. Mesmo que, para isso, tenha que voltar ao início, aprender Theremin, usar velhas baterias eletrônicas, tecladinhos-casio ao lado de novidades, como Air-FX, Kaoos Pad, samplers, protools etc.

Na década de 80, creio que no Festival de Inverno da UFMG, você ofereceu um curso intitulado “Do rock and roll da poesia à poesia do rock”, estabelecendo pioneiramente uma ponte que a muitos parecia improvável naquele momento. Também me lembro de um encontro com Augusto de Campos, em Belo Horizonte, na Bienal Internacional de Poesia, em que ele, assim que o cumprimentou, perguntou, à queima-roupa, sobre Jimi Hendrix. E aí?

Curiosamente, este ano, quase duas décadas depois, estou voltando no Festival de Inverno, com a oficina: “Poesia-Experiência: do Dada ao sampler”, que tem como objetivo: Rever e experimentar [produzir] dez técnicas poéticas de vários movimentos das vanguardas históricas (Dadá, Surrealismo e Modernismo), das “vanguardas tardias” (Beat Generation, Poesia Semiótica, poema/processo e Arte Postal) e das pós-vanguardas (Poema Intersemiótico e Poesia Sonora). Pretendo fechar o ciclo. Se antes, o objetivo (diacrônico) era aproximar coisas díspares para a época, agora, incronicamente, pretendo mostrar que a questão é mais de roupagem do que de linguagem. Jimi Hendrix, nesse cenário, é, sem dúvida, um dos artistas mais paradigmáticos, pois quebrou todos os limites entre os extremos práticos e conceituais.

Entrevista colhida no jaguadarte

Em tempo: leia também no jaguadarte o texto “O label de dolabela”, uma das raras (mas ainda necessárias) apreciações existentes à obra do Marcelo Dolabela, escrita pelo Ricardo Aleixo por ocasião do lançamento da antologia Lorem Ipsus.