pensar que um poema pode ser um objeto de palavras completamente desnudado. através de um poema é possível comunicar, informar, pensar, refletir (e não apenas reclamar da vida, chorar amores perdidos, expressar as coisas da alma). assim como o cinema de godard, alguns lances da música contemporânea, certas performance-arte, e por aí vai.
as vanguardas do século XX abriram o poema para outros usos da palavra. não só música. não só visualidade. a partir das técnicas que cada poeta cria para seu poema, ele opera uma transgressão da linguagem, como que abrindo uma terceira margem na língua. ele não é escravo das regras que a língua impõe, e por essa carta branca que recebe, pode reinventar o mundo a cada poema novo, dando dimensões inesperadas para a realidade. nada disso se faz apenas no campo da subjetividade, do sujeito.
objetivamente, um poema recria vida, detona acontecimentos.
a palestra “a lente objetiva do poema” é um diálogo aberto, uma proposta, um céu aberto. será inaugurada nesta segunda-feira, dia 23 de fevereiro às 10h, na Escola Autônoma de Feriado”.
estúdio azucrina
r. macedo, 117
floresta – belo horizonte.mg
até quando podemos pensar que nem tudo que almejamos em termos de ação viva está inteiramente condicionado pelas relações mediadas por dinheiro ou pelas coibições típicas dos aparelhos coercivos?
a escola autônoma de feriado é uma espécie de recriação, um passo a mais no já revolucionário “carnaval revolução”. a proposta é a de abrir a cabeça para reinventar um dos feriados mais tradicionais do brasil. a idéia de se pensar “outras formas de”, já dentro do fazer de uma “outra forma de se fazer carnaval”.
na edição 2009, a programação está repleta de vida. serão ao todo 10 oficinas, show com 6 bandas e 4 djs, bazar livre, mostra de culinária e anti-culinária repleta de receitas veganas, intercâmbio de softwares livres e por aí vai.
quanto a mim, este salamalandro que vos fala, apresentarei o diálogo-proposição “a lente objetiva do poema”.
Foi bacana o lançamento do livro, ontem. Pessoas que admiro vieram me ver falar o poema mais longo que já fiz, desde das infimidades. Para agradecer, coloco aqui uma entrevista comigo mesmo, respondendo algumas perguntas que me tem sido feitas por esses dias.
O que deu em você para escrever sobre geo-política?
Não escrevi sobre geopolítica. Meu poema é sobre a incomunicabilidade num mundo onde o capitalismo, com seus anúncios publicitários e os manipuladores meios de comunicação propagam o desentendimento, a superficialidade, o canibalismo psíquico. Através de um mecanismo sutil, mantém-se milhões de seres humanos na condição de robozinhos de controle remoto.
Não quero a geopolítica. Quero a geopoética. Devolver às palavras seu sentido integral, como queria confúcio.
Mas nada disso importa. Poesia é quando você precisa falar e não há outra forma de dizer aquilo que sentepensa, que feelthink. Mesmo que o que você disse diga: nada.
Você acha que as milhares de pessoas que morreram no WTC mereciam ter morrido ali? Você é a favor daquele acontecimento?
Alguém a não ser o George W. Bush acha isso? Se acha, é melhor vigiar essa pessoa. você conhece? É seu vizinho? Toma cuidado…
No fundo no fundo todos querem alcançar o céu?
Claro. É por isso que se constrói prédios. Um andar em cima do outro até que um dia ele chega lá. Deus não gosta muito disso. Já tentou até confundir, certa vez, uma turma de pedreiros fazendo com que eles não se entendessem. Cada um tenta à sua maneira. Tem uns que querem o nirvana. Tem quem queira o céu aqui. Tem quem queira achar um atalho. Mas no fundo no fundo, todo mundo. É o princípio do prazer, do Freud. Não venha me dizer que você não!?
Eu estava ouvindo sua gravação no MySpace e fiquei confuso. No texto que acompanha o livro, María José Pedraza Heredia fala que o poema é para ser gritado. Mas no MySpace parece que é uma versão sem grito, bem descafeinada. Como isso se dá?
O grito é dentro. “Meu sertão é metafísico”.
Você disse que esse poema já contém muito do seu projeto pessoal. Mas é inevitável achar ali um fundinho de Ginsberg e dos beats.
Gosto muito da poesia de Ginsberg, mais do que dos beats. E a pegada ginsberguiana combina com o tema, não acha? Em realidade, acho o WTC BABEL S. A. muito diferente de tudo o que Ginsberg faz, com outro ponto de vista e outro tipo de rebeldia. Mas me orgulho da referência. Aliás, não só Ginsberg, mas muitos outros poetas são homenageados e reverenciados no meu poema. A começar por Walt Whitman, que homenageio e critico ao mesmo tempo. Tem também o Antonin Artaud, que tem uma visão política que gosto muito e que, de certa forma, compartilho. E mais Maiakovski, Waly Salomão, os poetas do grupo poesia hoje (do qual participei entre 2004 e 2006). Renato Negrão, comentando comigo sobre o poema, me lembrava de algo que eu não tinha me dado conta. Ele me dizia: “tem muito de Marcelo Companheiro nesse poema. Coisa que só uma pessoa como eu, que já te conhece há anos consegue perceber”. Acho que o Renato foi modesto não citando a si mesmo como influência. Tem também o Chacal, o Fausto Fawcett, o Juan Gelman. E tudo está muito escancarado, com um verso ou uma palavra conhecida de cada um deles. Afinal, trata-se de uma grande colagem. São referências, mas na verdade o poema é a minha cara. Só espero que ninguém vicie. Acho que não encontrarão mais Ginsberg em outros trabalhos meus.
Agora temos Barack Obama no governo dos Estados Unidos. O que você pensa disso?
Eu acho maravilhoso. Felizmente, com o passar do tempo, as coisas mudam. Há muitas maneiras de se pensar a política hoje. E uma delas é do ponto de vista das relações interraciais. É claro que raça é um conceito falso, e por isso temos que ficar atentos com os limites dessa dicotomia (aliás, toda dicotomia é perigosa e limitada). Mas como diz o poema, “essa é a época dos presidentes pop”. Era injusto o páreo entre McCain e Obama. Obama é um sujeito bonito, elegante, diplomático, inteligente. Transformou-se muito rapidamente num ícone da esperança mundial. Um perfeito presidente pop. Eu, pessoalmente, penso que ele passaria facilmente por um parente meu. Me orgulho. Politicamente, restam ainda muitos pontos obscuros. A dicotomia democratas versus republicanos é inquietante pelo tamanho da sua limitação. O mínimo que espero de um republicano é que ele seja democrata e vice versa. Vejamos primeiro o que o novo presidente dos Estados Unidos fará com os seus 300 milhões de loucos de ficção científica.
O poeta belorizontino Leo Gonçalves lança nesta próxima segunda-feira, dia 19/01 às 19h o seu poema WTC BABEL S. A., com apresentação da performance “no fundo todos querem alcançar o céu” e noite de autógrafos
Primeiro livro do selo “Edições Barbárie”, WTC BABEL S. A. será lançado na próxima segunda-feira. No ato do lançamento, o poeta Leo Gonçalves apresenta a performance “no fundo todos querem alcançar o céu” e em seguida, haverá noite de autógrafos. O evento acontece na Cia. da Farsa (Rua Caetés, 616 – Centro)
WTC BABEL S. A., poema que dá título ao livro (lançado em formato plaquete), é um contundente grito de protesto contra os abusos ocorridos na política do presidente George W. Bush (que estará cumprindo nessa segunda-feira o seu último dia de mandato). Resultado de experimentações formais feitas por Leo Gonçalves, WTC BABEL S. A. é um poema híbrido, repleto de imagens do mundo contemporâneo, Imagens que vão da sátira mordaz ao mais vivo grito por um mundo mais humano.
Comenta o crítico mineiro Fábio Lucas: “WTC BABEL S. A. é um poema-apelo a clamar pelos olhos abertos e pelos ouvidos atentos, a fim de bem colher as imagens do mundo cruel, travestido em boletim publicitário. A linguagem multi-centrada em vários idiomas representa valiosa sátira da subcultura globalizada, que ensina o culto de bezerros-de-ouro plantados nos recantos do planeta”.
Para o Ato de lançamento, o poeta aposta na força da palavra falada e prepara a perfornance “no fundo todos querem alcançar o céu”, na qual ele falará o poema acompanhado de sua parafernália visual.
Leo Gonçalves (33 anos) é poeta, tradutor e ensaísta. Autor do livro “das infimidades”, vem publicando em diversos jornais e revistas do Brasil. Traduziu a comédia “O doente imaginário” de Molière (livro que teve sua segunda edição em 2008 pela editora Crisálida), o livro de poemas “Canções da Inocência e da Experiência” de William Blake (em parceria com Mário Alves Coutinho e também publicado pela editora Crisálida, 2005) e o livro “Isso”, do poeta argentino Juan Gelman (em parceria com Andityas Soares de Moura, publicação da editora UnB, 2004).
O lançamento ocorrerá no espaço da Cia. da Farsa, companhia de teatro dirigida por Alexandre Toledo. Situado na Rua Caetés, 616, no centro da cidade, o espaço promete excelentes acontecimentos culturais para o ano de 2009.
Orelha do livro:
“Se o “poema falado” não é um conceito novo, com WTC BABEL S. A., Leo Gonçalves inaugura o “poema gritado”. Através de um hábil manejo da língua (ou das línguas), elabora uma ácida e irônica crítica ao governo norte-americano. Crítica que serve como eixo a mover os fios de um mundo desbaratado. Rebela-se diante deste mundo inventado e desafia também a métrica, através de um texto cujo único fim é o de mover o leitor-ouvinte, que a partir desse mesmo instante se converte em protagonista do poema que, em essência, não é outra coisa senão uma manifestação clara e corajosa do amor pela vida acima de tudo”. (María José Pedraza Heredia)
Serviço:
Lançamento do livro WTC BABEL S. A.
Local: Cia. da Farsa – Rua Caetés, 616 – Centro
Dia 19 de janeiro de 2009 às 19h
contatos:
leo gonçalves: 31 9824 5939 jéssica gonçalves: 31 8463 1269
eu falei da revista roda, aí abaixo, falei de pulsação, coloquei um link despistado. mas é pouco. se você gosta de ver poesia pulsando nos quatro cantos do corpo, vá ver os urros do ricardo aleixo no jaguadarte:
oferenda não é essa perna de sofá. essa marca de pneu. esse óleo, esse breu. peixes entulhados, assassinados. minha rainha.não são oferenda essas latas e caixas. esses restos de navio. baleias encalhadas. pingüins tupiniquins, mortos e afins. minha rainha.não fui eu quem lançou ao mar essas garrafas de coca. essas flores de bosta. não mijei na tua praia. juro que não fui eu. minha rainha. oferenda não são os crioulos da guiné. os negros de cuba. na luta, cruzando a nado. caçados e fisgados. náufragos. minha rainha. não são para o teu altar essas lanchas e iates. esses transatlânticos. submarinos de guerra. ilhas de ozônio. minha rainha. oferenda não é essa maré de merda. esse tempo doente. deriva e degelo. neste dia dois de fevereiro. peço perdão. minha rainha.se a minha esperança é um grão de sal. espuma de sabão. nenhuma terra à vista. neste oceano de medo. nada. minha rainha.
a sala juvenal dias estava transbordando nesta última quinta-feira. sucesso para além das expectativas, o espetáculo mo gbe orisa, de fabiana cozza foi uma verdadeira festa sonora. quebrando os protocolos, fabiana aproveitou para atender praticamente todos os pedidos e ainda teve uma conversa carinhosa com o público que saiu de lá inebriado.
um espectador falou que ela parecia um orixá no palco. e de fato, ela irradiava simpatia, alegria, emoção. não é à toa que o show, concebido especialmente para essa noite do griot, tinha como nome a frase que em iorubá significa “trago em mim o orixá”. uma grande surpresa para boa parte do público, que mal conhecia o nome da cantora. foram mais de duas horas de música boa, poesia e bate-papo. cds esgotados, lágrimas de alegria e sorrisos estampados na cara. uma verdadeira celebração da vida.
cheia de molejo, ela interpretou canções como “estrela guia”, do sérgio pererê, “xangô te xinga”, de leandro medina e o clássico “canto de ossanha”, de vinícius de moraes e baden powell. “eu também adoro cantar músicas de dor profunda”, ela disse em certo momento. e alguém lá da platéia gritou “manda uma triste”. e gentilmente fabiana cedeu. cantou um clássico dor-de-cotovelo, desta vez cubano: “vete de mí”, de bola de nieve. e não chorou sozinha. outro momento inesquecível foi o “canto para iemanjá”, seguido de “agradecer e abraçar” que desemboca no texto “para iemanjá”, de marcelino freire. duas canção azuis.
difícil de falar desta noite de xangô sem superlativos. em todo caso, já está agendado: em setembro, fabiana volta com seu show “quando o céu clarear”. se não me engano, no grande teatro. o melhor negócio é não perder! mas enquanto ela não volta, vale a pena fazer um passeio pelos seus espaços na rede.
esteve bom ontem o saravá de celebração dos 120 anos da abolição. um passeio pelo mar de castro alves através das execuções vocálico-sonoras de ricardo aleixo, gabriela pilati, waldemar euzébio, gil amâncio, tatu e gabriela guerra, benedikt wiertz e minha, em homenagem ao poeta aimé césaire, com os poemas “palavra-macumba” e uma seleção de fragmentos do “caderno de retorno à terra natal”.
o evento correu por conta, como eu já disse anteriormente, do lançamento da belíssima edição tipográfica do poema de castro alves, aproveitando o ensejo da data. a concepção do projeto é de flávio vignoli e laura bastos, e já publicou em versão anterior o poema “tabacaria” de fernando pessoa. estava presente também um personagem interessantíssimo: o tipógrafo ademir matias, artesão de uma técnica em extinção. gostaria de reproduzir aqui a edição. mas acho que jamais teria aquele saborzinho que dá, ao folheá-la: um verdadeiro elogio aos cinco sentidos.
de um tempo pra cá, sempre que vou ao edifício maletta, seja de noite ou de dia, encontro com milton césar pontes. ele está sempre vendendo seus livros, falando obscenamente sobre todo tipo de assunto. coisas do mundo, de preferência.
a figura dele me lembra paulo leão. não que eles escrevam coisas parecidas. leão era um poeta materialista, um beatnik do terceiro mundo. e o milton é um sujeito abstrato, sonhador, um sedutor. não que eles se pareçam fisicamente. quando conheci paulo leão, ele já estava bem gasto e andava muitas vezes como indigente pelas ruas da cidade. meio rosto amassado pelo ônibus que o pegou bêbado atravessando a rua. e o milton, embora um bêbado assumido, é um jovem bonitão, com planos românticos de escolher a própria morte numa noite em que será odiado pelos companheiros de copo.
leão estava mais para um françois villon, um poeta indigente e ladino que lutava para viver do que escrevia. e o milton é um sonhador romântico, um byron bebum, um shelley chulé, um ladino performer. e também luta para viver do que escreve, como fazia leão, vendendo seus poemas desavergonhadamente nas mesas dos botecos da cidade. e os dois levam a poesia a sério. vendem o que arrancam de dentro com muita dor.
nunca vi o milton perguntando pra ninguém se gosta de poesia. muito menos o leão. já vi muito poeta nas imediações do maletta me perguntando isso. e o que eles vendiam não tinha poesia em lugar nenhum. nem no modo de apresentá-la, muito menos no impresso. pode ter certeza: se me perguntarem se gosto de poesia por aí, direi que não. mas o milton faz poesia com o corpo, com o despudor, com sua voz de radialista mal empregada em falar poemas. ele almeja, como todo poeta que se preze, poder escrever “poeta” na hora de preencher nos dados pessoais o lugar destinado à profissão.
eu me comovo com a causa. sinceramente e sem ironias, me comovo de verdade com a causa. talvez a glória de paulo leão tenha sido conseguir o título de poeta ao menos no atestado de óbito (os tabeliões queriam colocar “indigente”). milton consegue ir mais longe. é um empreendedor. faz de seus livros um projeto de vida. publica, arruma saídas, meios, soluções práticas e financeiras.
outro dia me veio com uma proposta: “você compra o seu lote através da planta, agora também pode comprar livros. na planta!” e me estendeu todo o projeto de um livro que estava prestes a sair. tinha já a capa, alguns poemas do miolo, um comentário publicado pelo jornalista e poeta alécio cunha no hoje em dia. a pessoa investia irrisórios R$20. e em breve, o livro indo para a gráfica, o leitor receberia em suas mãos um livro prontinho, novinho em folha.
fiquei emocionado com a idéia. achei de uma simplicidade e de uma sabedoria! fiquei me lembrando dos inúmeros poetas que chegam até a mim perguntando como se faz para se publicar um livro de poemas, como arrumar grana, se dá grana. admiro muito isso. talvez eu o imite algum dia, à minha maneira.
não quero discutir aqui a qualidade dos seus versos. pode reclamar quem quiser: pra mim, isso tudo que contei faz do milton um grande poeta. e eu o admiro por isso.