Arquivo da tag: política

as réplicas do marcelino

não posso deixar de comentar aqui a teima e a toleima do matador-mor da revista veja, ora vejam!, que atacou mais uma vez metendo o pau no trabalho de dois caras da nova geração: o era-o-dito marcelino freire e o encarniçado joão filho. ele não tem mais o que fazer. confesso que ainda não li o livro dos dois camaradas. mas também confesso que o texto do jt despertou a minha curiosidade para lê-los. além do mais, o cara escolheu trechos inspirados dos livros deles para falar mal. deve estar é querendo ficar famoso às custas dos caras! só pode ser isso.

agora, novos detalhes sórdidos começam a aparecer em torno ao matador: se arriscou como escritor e ainda tem um … digamos… blog! na superinteressante. Superinteressante! então, pessoal, vai lá e enche o saco do cara. encham a bola dele. façam algo por ele. ele está clamando por bombons. ora ora… olha o link aqui (uma dica: para quem tem email grátis, minta. o nazista não aceita mensagens de quem não paga internet, mas aceita de quem mente.)

clique aqui para ler a carta do marcelino (mais um tiro certeiro na cara do jt) publicada ontem no era-o-dito.

Cicciolina, la diva futura

cicciolinaTenho que admitir: sou fã dessa loura. Sagitariana como eu, a oxigenada escandalizou a Itália católica com uma meia dúzia de atentados po(rno)é(ro)ticos. Foi presa várias vezes e foi processada inúmeras outras por atentado ao pudor.

Por exemplo: nos anos 70, ela apresentava um programa de rádio onde dava conselhos sexuais de deixar qualquer penélope de cabelo em pé. Certa noite, recebeu a ligação de uma adolescente que queria aprender a se masturbar. Deu todas as instruções e a garota teve um orgasmo em cadeia nacional. Audiência nas alturas. No dia seguinte, processo por perversão de menores.

Cicciolina fundou o Partito dell’Amore e foi eleita dePUTAda (de um outro tipo, diferente do estilo brasileiro) depois de mostrar a boceta pra todo mundo. Ela explicava que somente através do amor, digo: o amor!, as pessoas vão se tornar mais dignas e a violência diminuirá. “Não é verdade que o sexo desperta a violência nas pessoas”, ela insiste. Há inclusive, alguns filmes dela que versam sobre o tema.

Além de atuar, ela também dirigiu alguns filmes. Il telephone rosso e La diva futura são dois clássicos. Este último, de vanguarda, com elementos tecnoDADA, ready-made, edição piradex com janelas já bem antes daquele filme inovador do Peter Greenaway, The pillow book. Quem quiser saber mais, vá ler Confessions, a autobiografia dela publicada no Brasil no começo dos anos 90 pela editora Record.

ainda sobre ontem…

um último comentário: o texto da veja realmente me deixou chateado. não apenas por causa da maldade inerente aos semanários nacionais, mas porque eu sei que no brasil essas idéias são bastante respeitadas. afinal, esse é um país onde os escritores são funcionários públicos que enquanto ficam morcegando, vão escrever uns livros clássicos aí tipo “a rosa do povo” e “memórias póstumas de brás cubas”.
eu só fico achando é que a revista dessa vez brincou com fogo, eles não deviam ter feito uma tolice dessas. escritor não é corrupto que fica abusando do dinheiro público não. é gente muito mais perigosa. desestabiliza a ordem. fica brincando…
mesmo assim, eu deixo aqui uma nota triste e mudo de assunto.

povim

só hoje é que fui ver a revista veja que publicou a infeliz matéria sobre o movimento literatura urgente assinada pelo jornalista jerônimo teixeira. o texto só veio comprovar o meu descrédito com a revista. da forma como está dito, faz parecer que o movimento visa um benefício do tipo que anda circulando por “malas” e “cuecas” para uma meia dúzia de escritores que, em sua maioria, não têm nem tanto espaço quanto o desperdiçado pelo ilustríssimo nazista que assinou o libelo.
chegando na rede, fiz questão de dar uma olhada geral e ver o que os “acusados” por ele dizem, e gostei. dêem uma olhada aqui e aqui.

comentário: nesse país de imprensa marrom não se pode nem ser escritor sem ser visto como um tolo ridículo. para quem não sabe, fomentos nacionais em favor da produção literária são prática salutar e muito bem vista. os mais pacientes, procurem pelas experiências bem sucedidas de países como a espanha, a frança e a irlanda, e me diga o que devemos fazer com jerônimos teixeiras e revistas óia.

em tempo: é sempre bom lembrar que a revista veja, assim como todas as revistas brasileiras se encaixa também na lei que a torna isenta de qualquer imposto sobre impressão e sobre o papel onde ela imprime as suas falcatruas. confira na constituição brasileira.

art. 150. sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à união, aos estados e aos municípios:
VI. instituir impostos sobre:
d. livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão.

Sobre tigres, lobos e cordeiros

Marcelo Coelho

Folha de S.Paulo, 22 de junho de 2005

Indicações de livros são sempre coisa arriscada; a rigor, só deveriam ser feitas a amigos próximos, a pessoas cujos interesses conhecemos bem. Mas quem atualmente se decepciona com o governo, quem já está decepcionado há tempo e quem nunca teve ilusão nenhuma a esse propósito talvez tire proveito de um pequeno e clássico livro de poemas de William Blake (1757-1827) que, pela primeira vez, é traduzido na íntegra para o português.

Trata-se de “Canções da Inocência e da Experiência”, livro lançado neste ano pela editora Crisálida, de Belo Horizonte, com tradução de Mário Alves Coutinho e Leonardo Gonçalves.

Alguns poemas de Blake estão presentes em todas as antologias da literatura inglesa. São simples de ler, difíceis de entender e quase impossíveis de traduzir: é o caso de “O Tigre”, texto hipnótico, obsessivo, que parece perseguir o seu leitor.

“Tyger Tyger, burning bright,/ In the forests of the night;/What immortal hand or eye,/Could frame thy fearful symmetry?” A estrofe inicial se repete no fim, como que “enjaulando” o poema, e as traduções não conseguem domá-lo completamente. “Tigre, tigre, flamante fulgor/ Nas florestas de denso negror,/Que olho imortal, que mão poderia/ Te moldar a feroz simetria?” – assim era a tradução de Paulo Vizioli, numa coletânea publicada há 20 anos.

Mário Coutinho e Leonardo Gonçalves mantêm a exótica ortografia do original e buscam seguir o ritmo de tambor na selva: “Tygre, Tygre, fogo ativo,/ Nas florestas da noite vivo;/ Que olho imortal tramaria/ Tua temível simetria?”.

Melhor; ainda assim, parece mais fácil entender “in the forests of the night” em inglês mesmo, do que acompanhar a pirueta do “nas florestas da noite vivo”…

O poema, em todo caso, continua encadeando suas perguntas: “Que profundezas, que céus,/ Acendem os olhos teus? (…) Que martelo? Que elo? Tua mente/ Vem de qual fornalha ardente?”. Em inglês: “In what distant deeps or skies,/Burnt the fire of thine eyes? (…) What the hammer? what the chain,/ In what furnace was thy brain?”.

As seis estrofes repetem a mesma inquietação: de onde vem, quem criou, quem forjou esse animal terrível? O tom de ameaça culmina numa última questão: “Did he who made the Lamb make thee?” (“Quem te fez, fez também o Cordeiro?”, traduz Paulo Vizioli).

O clima de terror romântico, a concisão e a eletricidade de alguns versos tornam “O Tigre” um poema inesquecível. Mas, de minha parte, sempre me pareceu que havia algo de inconvincente, não sei se de exagerado, de sensacionalista, naquilo tudo… Talvez porque um tigre não me pareça o animal mais terrível, mais demoníaco de toda a criação. A beleza do felino depõe, a meu ver, bastante a favor do Pai Celeste – que talvez não estivesse tão inspirado quando fez o cordeiro. De qualquer modo, um poema sobre o lobo, ou o chacal, talvez funcionasse melhor… Preferências zoológicas à parte, para mim é como se o poema de Blake estivesse tentando dizer uma “outra coisa” que não se revela; sua simplicidade não se entrega, parece fechar-se em si mesma.

Mas “O Tigre” pertence à segunda parte do livro – as “Canções da Experiência”. Daí a vantagem da edição completa: é que na primeira parte, as “Canções da Inocência”, pode-se ler o poema que faz par com esse. Trata-se, é claro, de “O Cordeiro” e imita a mais boboca e fofinha canção de ninar que alguém possa querer: “Cordeirinho, quem te fez?/ Pois tu sabes quem te fez?/ Deu-te a vida e deu-te pasto,/ Ribeirinho e largo prado;/ Lã macia e sem malícia (…)”.

Em inglês, chama a atenção a mesma rima em “ight”, que era tão sinistra no caso do tigre: “Little Lamb who made thee/Dost thou know who made thee/ Gave thee life & bid the feed,/ By the stream & o’er the mead; /Gave thee clothing of delight/ Softest clothing wooly bright (…)”.

Com esta edição bilíngüe, o leitor pode então apreciar o paralelismo, as simetrias entre os poemas da primeira parte e os da segunda. Nas “Canções da Inocência”, lemos versos otimistas sobre um limpadorzinho de chaminés que cumpre, feliz, o seu dever e vai para o Céu. Nas “Canções da Experiência”, a realidade é bem outra. O prefácio de Mário Coutinho e Leonardo Gonçalves acrescenta informações importantes sobre aquele ofício, uma das mais horríveis modalidades de trabalho infantil inventadas pelo homem. Só crianças muito pequenas, é claro, podiam entrar nas chaminés para limpá-las; “seus joelhos e cotovelos, usados para subir, sangravam e ficavam em carne viva”.

Blake, dizem os prefaciadores, foi sempre considerado um místico, um louco, um ingênuo pelos seus contemporâneos. Há, aliás, uma frase linda da sra. Blake a respeito dele: “Convivo muito pouco com meu marido. Ele está sempre no Paraíso”. Gonçalves e Coutinho ressaltam a exatidão convicta com que o poeta denunciava os horrores do capitalismo inglês. Citam, por fim, o crítico Northrop Frye, para quem Blake pode ser lido em qualquer época e parecerá sempre estar se referindo às questões da atualidade.

Questões da atualidade? Não gosto de pensar que a velha “inocência” petista deu lugar à “experiência” destes dias de Delúbio e Marcos Valério. Seria nobilitar, como feitos de maturidade política, os entendimentos estarrecedores do partido com o fisiologismo. Não é também “maturidade”, entretanto, o que se elogia quando Palocci e sua equipe recebem o assentimento do mercado? Quem fez Delúbio não fez Palocci?

Mas o poema de Blake, com seus cordeiros e tigres, não me parece vir tão a propósito agora quanto a frase de outro poeta, Paul Valéry: um lobo, diz ele, nada mais é que um cordeiro assimilado.