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pra começar 2008 com o pé direito

salamalandro :: novos ares

sob o signo de proteu, o salamalandro se lança em mais uma mudança.

para começar 2008 de sola e com a bola toda, eu invoco os orixás para sentar comigo nessa linda noite de dezembro e tomarmos um saboroso chá, combinação das melhores ervas das melhores árvores e dos melhores pés.

e é com esse axé que eu, agora, convido vocês meus queridos e inumeráveis leitores para folhearem as páginas novinhas em folha deste site. que agora, o salamalandro aparece de blogue na página principal, mas tem recursos de site.

divirtam-se baixando a poesia que deixo à disposição nas páginas novas aí no alto:

na seção poesia, vocês encontram um pouco do que já publiquei em livro e, em breve, prévias de projetos novos. tudo explicado, exemplificado e ofertado em formato pdf ou jpg.

em tradução encontra-se disponível algum comentário sobre as traduções já reunidas em livro. mas não só isso. fique atento para as beiradas, onde você encontará de vez em quando algum trabalho novo, pipocado numa revista ou num jornal.

sempre achei que um poeta deve procurar os meios de sobreviver daquilo que produz. é o direito de ser poeta. só que há uma grande ilusão da parte dos esperam viver de direitos autorais. poesia não é literatura, para desespero dos letrados. portanto, aquele que quer conquistar esse direito, precisa achar as saídas possíveis. a tradução é uma delas. as artes gráficas podem ajudar. lenise achou a solução numa empresa de publicidade. eu vejo grandes possibilidades no campo das oficinas.

tenho flertado com essa área de algumas formas: trabalhei numa ong de belo horizonte, a memória gráfica, dei assessoria pedagógica para uma excelente professora, a patrícia mc quade, que desenvolvia um projeto com literatura de cordel junto aos seus alunos, apresentei uma conferência sobre a poesia e sobre juan gelman numa faculdade de congonhas. um pouco disso, será relatado em breve no setor das oficinas. é lá também que disponibilizarei infomações sobre os projetos educacionais com os quais eu quero cada vez mais me envolver.

e aos poucos irei colocando novas novidades por aí.

por enquanto a casa ainda está em fase de arrumação, mas já dá para todo mundo entrar e ficar à vontade. laroiê!

heriberto yépez

repassando a revista coyote nº1, lançada no outono 2002, me deparei com poemas e declarações chocantes de um sujeito pouco mais velho que eu chamado heriberto yepez. ando procurando em vão os livros dele. segundo ademir assunção, que o traduziu e entrevistou, a descoberta da poesia se fez pelo faro.

Conheci a poesia do mexicano Heriberto Yépez por acaso. Certa tarde chegou no meu endereço postal uma filipeta eletrônica de uma editora anarquista mexicana (Anortecer), divulgando um livro cujo título me intrigou no ato: Por una Poética Antes Del Paleolítico y Después de la Propaganda. Mandei uma mensagem de volta, propondo um escambo: eu mandaria meu livro Zona Branca e eles me mandariam o livro de Yépez. Meu faro não me decepcionou. Resolvi traduzir alguns dos poemas, irônicos, críticos, ultracontemporâneos.

trata-se de um cara ativo, que vive em tijuana (fronteira entre o méxico e os estados unidos) ou seja, um lugar de tensão, pois é para lá que vão os chicanos pretendentes a atravessar na marra o muro gigantesco que separa um país do outro. e a poesia dele: um soco no estômago. para você ter uma idéia, vou pegar emprestado uma das traduções feitas pelo ademir lá no blogue dele (quem quiser mais, procure pelo espelunca no link ao lado).

VIOLENTAM UMA GAROTA
com uma vassoura
e a deixam sem roupa e sem pele
para untar-se com o creme ponds
que acabara de comprar no
supermercado do Estado
arrombada
em um beco que já viu de tudo
menos isso
uma mulher pelada
ou melhor
esfolada
violentada até pelos olhos
com as unhas arrebentadas
como janelas de um trailler
capotado na freeway
o beco já viu de tudo
menos isso
o que resta de uma mulher
com os lábios negros
todavia pensando
aonde terá caído
o batom
que há pouco
comprara
no Barateiro*

NOTA: Issstetiendas, no original, é um supermercado estatal, com preços populares. Preferi adaptá-lo para o Brasil, fazendo referência ao supermercado Barateiro, embora este não seja estatal.
yépez também tem o seu próprio blogue, e há algum tempo me tornei um freqüentador assíduo.

www.hyepez.blogspot.com

comentário sobre o comentário abaixo (retificando informações)

revendo as informações sobre o “prêmio governo minas gerais de literatura”, vi que os R$35.000,00 que faltavam serão destinados ao “jovem escritor mineiro”. fiquei um pouco mais entusiasmado, pois a premiação para essa categoria dará ao ganhador o direito de receber R$7.000,00 por mês num período de 6 meses totalizando R$42.000,00.

peço aos meus queridos amigos escritores de plantão que não deixem de participar. embora seja apenas uma vaga, se vocês (vocês sabem aos quens me refiro), tenho certeza que o prêmio vai para um trabalho bacana.

hino da vitória em certas circunstâncias

de madrugada em pleno esplendor
quem senão eu como cachaças destruindo suas vítimas amadas
para dar luz à indecisa claridade de suas mesas
quem senão eu com papeizinhos luxuosas descrições feitas para calar
ou a palavra mesa as mentiras
os metros de mentiras para vestir os cotovelos do embriagado
os alfaiates estão tristes porém se cose e canta
mente-se em quantidade irmãos meus fica bela a feiúra
amorosas as pústulas grande dignidade a infâmia
no pássaro no cantor no distraído cresceram répteis
com assombro contempla sua grande barbaridade
hurrah por fim ninguém é inocente
cavalheiros brindemos as virgens não virgam
os bispos não bispam os funcionários não funcionam
tudo o que apodrece em ternura dará
olho meu coração inchado de desgraças
tanto lugar como teria para as belas aventuras

juan gelman (tradução improvisada: leo gonçalves)

deu na folha de são paulo

Poeta argentino Juan Gelman ganhou o Prêmio Cervantes de 2007

sexta-feira, 29 de novembro de 2007

O escritor argentino Juan Gelman, ganhador do Prêmio Cervantes de Literatura 2007 entregue hoje, disse que está “muito emocionado e comovido”, mas não esperava sair vencedor, dada a “estatura e valor dos demais candidatos”.

Em declarações à agência Ansa feitas de sua casa na Cidade do México (onde está radicado desde 1976), Gelman se mostrou satisfeito em ter obtido o reconhecimento “por aquilo que significa [o prêmio] no contexto da literatura hispano-americana”.

“Me comoveu, eu não esperava. Depois que li a lista de candidatos, todos escritores de primeira linha, como Juan Goytisolo, Mario Benedetti, Blanca Varela, José Emilio Pacheco ou Juan Marcé, disse a mim mesmo: “é muito difícil”, contou o poeta argentino.

Para o autor de “Velorio del Solo” (1961) e “Gotán” (1962), ganhar um prêmio desta magnitude “é realmente um grande estímulo, sem dúvida, porque condensa um reconhecimento pelo que foi escrito”.

“O fato é que nenhum prêmio nem reconhecimento escreve por alguém, quem escreve é esse alguém. De qualquer jeito, o estímulo é muito grande”, afirmou.Ao ser consultado sobre a possibilidade de ser indicado, ou pelo menos aspirar, ao Prêmio Nobel de Literatura, o poeta afirmou que “a Suécia está muito longe do México e também da Argentina”. Gelman também falou de sua trágica experiência com a ditadura na Argentina, quando seqüestraram seu filho, Marcelo Ariel, e a esposa dele, María Claudia García (grávida na época), em agosto de 1976. Em outubro, Marcelo foi encontrado em um tambor de aço flutuando no Rio da Prata. Já de sua nora María Claudia, só foi devolvida a filha, nascida. Segundo Gelman, o acontecimento lhe permitiu “uma espécie de pacificação interior, para ver certas coisas”.

Firme opositor das ditaduras de Argentina e Uruguai, e de sua impunidade, Gelman foi obrigado a fugir da repressão desatada pelo regime argentino (1976-1983) e se exilar do país por 12 anos. “[México] é um país que conheço desde o ano de 1961, que foi a primeira vez que passei, e estive por aqui quando era a região mais transparente, de verdade”, lembrou.

A fala do poeta aponta ao título do romance de Carlos Fuentes, “La Región Más Transparente”, em referência ao céu da Cidade do México, onde dizia sentir-se em “em casa”. Juan Gelman também brincou ao afirmar que adora a “vitamina T”, como se denominam popularmente no México bebidas e comidas típicas: “tequila, tacos, tortas e tamales”, porque “é excelente, barata e abundante”.

O escritor recebeu, em 1997, o Prêmio Nacional de Poesia da Argentina e, em 2000, o Prêmio de Literatura Latino-americana e do Caribe Juan Rulfo, e possui livros traduzidos em mais de dez idiomas.

Ele garante que não foi convidado à Feira Internacional do Livro de Guadalajara, onde se reúnem vários escritores do mundo todo. Por outro lado, se mostrou entusiasmado por ter sido convocado a dar aulas na cátedra “Julio Cortázar”, nesta mesma cidade mexicana: “uma distinção que aprecio muito”, completou.

isso de juan gelman recirculando

estive em brasília há alguns dias. uma passagem muito proveitosa. dentre as muitas conversas que tive por lá, destaco um raríssimo encontro com o professor henryk siewierski, coordenador da coleção poetas da editora unb. ele me revelou a bela notícia da recirculação do livro “isso” que estava esgotado até a pouco. para comemorar, deixo aqui um comentário publicado no jornal rascunho à época do lançamento do livro de juan em 2004.

Irônico desespero

por Jefferson de Souza

Escrever para não esquecer, para que ninguém esqueça. Talvez esta seja uma das mais possíveis maneiras de exorcizar os fantasmas autoritários que roubaram vidas impunemente na América Latina há poucas décadas. Juan Gelman nasceu em Buenos Aires, em 1930, e cumpre na literatura latino-americana o importante papel de ser a memória insistente e persistente do período de trevas imposto pelas ditaduras. É um dos mais importantes poetas da atualidade e trabalha com maestria o realismo crítico. A história de vida deste filho de judeus ucranianos reflete a dureza da sua poesia. ele teve o filho e a nora, grávida, seqüestrados pelos militares em 1976. Os restos mortais de Marcelo (o filho) foram encontrados em 1989. A família do poeta ainda está à procura do corpo de Claudia, a nora, mas em 2000 esta luta ganhou um grande fôlego quando foi encontrada a neta que havia sido adotada por um militar uruguaio 23 anos antes. Juan Gelman ficou 12 anos no exílio, mas não foi este sofrimento que o levou à poesia e sim o amor. Ele começou a escrever aos nove anos, quando tentou conquistar uma vizinha de onze anos, mandando poemas de outros autores e foi ignorado. Sentiu que com os seus poemas, ela se entregaria ao amor… Não foi o que aconteceu, mas ele continuou escrevendo para o bem da grande “dama”: é assim que o autor se refere com doçura à poesia. O livro do qual falamos é Isso e integra a coleção Poetas do Mundo da editora UnB. Esta obra foi publicada pela primeira vez em reunião organizada pelo próprio autor. Na edição brasileira, aparece o belo trabalho dos tradutores Andityas Soares de Moura e Leonardo Gonçalves, que no poema “Ao redor do qual” optaram por não traduzir palavras começadas por alm-, uma colagem lúdico-vernácula que perderia o sentido na tradução.

“e a almona é lugar onde se pescam sábalos/
e almorta é uma planta de talo herbáceo e ramoso/
e a semente dessa planta é a almorta/”

O presente livro recupera a história poética de Gelman, que fala de amor e de outros conflitos da Alma. Afinal, de que é feita a arte senão dessas enfermidades? Mas não pensemos só em aridez e desespero, a voz de Gelman é também macia, sutil, irônica, triste, como no belo poema que abre o volume –

aniversário

respiraria/rua/onde agora
cai a tristeza?/enchove?
mamãe trouxe a tarde/
vou manchar as toalhas/com certeza/

e adoraria o pito
que vai me passar/suavíssima/
revolvendo minha alma
com a colher da sopa/

a última coisa que fez
antes de morrer
foi esticar um fiozinho
para me pôr ao sol

O livro, escrito em Paris entre 1983 e 1984, tem um caráter memorialista como toda a obra deste argentino e merece estar na biblioteca dos que admiram a força da poesia.

[matéria publicada no Jornal Rascunho, fev. 2005]

um poema de william blake

o sorriso

há um sorriso que é de amor
e há um sorriso de maldade,
e há um sorriso de sorrisos
onde os dois sorrisos têm parte.

e há uma careta que é de ódio,
e há uma careta de desdém
e há um careta de caretas
que te esforças pra esquecê-la bem,

pois ela fere o coração no cerne
e finca fundo na espinha dorsal
não um sorriso que seja inédito
mas único sorriso solitário.

e entre o berço e o túmulo
somente uma vez se sorri assim;
e uma vez havendo sorrido
todas as misérias têm seu fim.

(tradução livre leve e tosca: leo gonçalves)

waly sailormoon e a teatralização: trechos de um texto de antônio cícero

uma das publicações mais bonitas de poesia que tive acesso nos últimos tempos é o livro “me segura qu’eu vou dar um troço” de waly sailormoon, publicado em 2003 pela editora aeroplano em parceria com a biblioteca nacional, organizado por heloísa buarque de hollanda e luciano figueiredo. trata-se trabalho do primeiro do baiano que, em 1972 ficou preso no carandiru por causa do porte de uma “mera bagana de fumo”.

“meu primeiro texto teve de brotar numa situação de extrema dificuldade. na época da ditadura, o mero porte de uma bagana de fumo dava cana. e eu acabei no carandiru, em são paulo por uma bobeira, e lá dentro eu escrevi “apontamentos no pav 2”. não me senti vitimizado de ver o sol nascer quadrado. para mim foi uma liberação da escritura”.

nesta edição, há um belíssimo prefácio de antônio cícero, verdadeiro testemunho de admiração e amizade por um dos poetas mais importantes que apareceram na cena brasileira dos últimos 50 anos. fiz uma pequena edição de um trecho que me toca, especialmente agora, neste instante da vida. espero que o cícero não se importe. segue o texto:

a falange de máscaras de waly salomão

(…)

em 2002, waly resume a relação entre a prisão e a escrita, dizendo que “… ver o sol nascer quadrado, eu repito esta metáfora gasta, representou para mim a liberação do escrever que eu já tentava desde a infância.

se desde a infância ele já buscava a liberação que a escritura de “me segura”viria a lhe proporcionar, então, de algum modo, a vida anterior a essa escritura devia ser por ele percebida como uma prisão ou um confinamento: confinamento do qual o carandiru tornou-se o emblema. de que se trata? são muitas as possíveis prisões. em texto sobre “me segura”, intitulado “ao leitor, sobre o livro”, lê-se:

sob o signo de PROTEU vencerás.
por cima do cotidiano estéril
de horrível fixidez
(waly salomão)

de que modo a poesia proporciona a liberação a quem foi confinado? o desprezo pela fixidez do cotidiano, a rejeição dos princípios lógico-formais da identidade e da contradição, a vontade de abolir as fronteiras entre o eu e os outros e o fascínio pela metamorfose são características que trazem à mente a noção de carnavalização. mas, não creio que o termo carnavalização seja adequado para caracterizar a obra de waly. na verdade, aquilo que merecia o epíteto de carnavalizante era a pessoa ou a irradiante presença de waly, inclusive na sua atividade de conferencista e nas suas aparições na televisão, mas não a sua poesia. em relação a esta, prefiro empregar o conceito que ele mesmo elegeu: o de teatralização.

“é que eu transformava aquele episódio, teatralizava logo aquele episódio, imediatamente, na própria cela, antes de sair. eu botava os personagens e me incluía, como marujeiro da lua. eu botava como personagens essas diferentes pessoas e suas diferentes posições no teatro: tinha uma agente loira babalorixá de umbanda, tinha um investigador humanista e o investigador duro. o que quer dizer tudo isto? você transforma o horror, você tem que transformar. e isso é vontade de quê? de expressão, de que é isso? não é a de se mostrar como vítima”.

a vítima é o objeto nas mãos do outro. quem aceita a condição de vítima no presente, quem diz: “sou vítima” está, ipso facto, a tomar como consumada a condição de não ser livre. é contra essa atitude de implícita renúncia à liberdade que waly teatraliza a sua situação. ao fazê-lo, ele a transforma em mera matéria prima para o verdadeiro drama, que é o que está a escrever. a vítima passa a ser apenas o papel de vítima, a máscara de vítima. por trás da máscara há o escritor. mas isso não é tudo, pois o que é o escritor senão o papel de escritor?

waly sailormoon, o marujeiro da lua, diz que: “chego nos lugares e percebo as pessoas como personagens de um drama louco”. mas não se deve cair no equívoco de supor que a teatralização consista simplesmente em opor ao mundo real o imaginário. não é o delírio ou a alucinação que waly aqui defende. não se trata de opor o teatro ao não-teatro. o que ele julga é, antes, que tudo é teatro. ao afirmar que percebe as pessoas como personagens de um drama louco, waly não quer dizer apenas que as interpreta como tais, mas que se dá conta de que são personagens de tal drama. retomando a idéia do theatrum mundi, originada na antigüidade.

mas, se tudo já é teatro, se até o fato é teatro, qual é o sentido da teatralização? por que teatralizar o que já é teatro? é que o fato social é o teatro que desconhece o seu caráter teatral. o processo que leva a esse desconhecimento ocorre, por assim dizer, “naturalmente”: como a peça que se representa no teatro do mundo parece ser sempre a mesma, os atores ignoram que se trate de uma peça, isto é, de obra humana e artificial; ignoram, em outras palavras, que seja uma dentre muitas peças reais ou possíveis, e a tomam por natureza. longe de reconhecer espontaneamente o teatro do mundo como teatro, o indivíduo, no interior da sua cultura, aceita os papéis sociais como dados ou fatos desde sempre já prontos: o que equivale, como foi dito, a tomá-los por natureza, não por teatro.

a atitude de waly é diametralmente oposta a essa. ele nunca esquece que o “fato” social é o teatro que se enrijeceu ou esclerosou a ponto de olvidar a sua natureza teatral: o teatro que se pretende superior ao teatro, que se pretende mais real do que o teatro. na medida em que tem êxito em sua impostura, a “horrível fixidez” daquilo que podemos chamar de “teatro do fato” não somente expulsa ou degrada ao segundo plano as virtualidades ainda não realizadas do presente, que o superam em riqueza, mas, além disso, congela o movimento criativo que, em princípio, exige a abertura permanente a novas possibilidades interpretativas. a teatralização walyniana funciona, portanto, como a água de mnemosune, o antídoto contra a água da fonte de lete, do esquecimento naturalizante e confinante.

(do prefácio de antônio cícero ao livro “me segura qu’eu vou dar um troço”, de waly salomão, publicado em 2003 pela editora aeroplano)

um poema de paul verlaine

circunspecção

dá tua mão, não respira, senta aqui, à
sombra desta árvore onde morre a brisa
aos suspiros da copa cor de cinza
que o lívido luar acaricia.

imóveis, baixemos a mirada pia
sem pensar, sonhemos. deixemos à guisa
do amor e da alegria que amenizam
e em nossa cabeça a coruja pia

para quê esperar? discreta e contida
que nossas almas prossigam
essa calma e essa serena morte solar

silêncio, em meio à paz noturna:
não é bom vir em seu sono atrapalhar
a natureza, essa deusa feroz e taciturna.

(tradução livre leve e solta: leo gonçalves)