Dica: Quem estiver em BH na próxima quarta, dia 22 de junho, não deve perder as performances do Ricardo Aleixo e do Marcelo Dolabela, às 10h30, no encerramento da exposição Marginália e experimentação, que integra do ciclo de conferências Sentimentos do Mundo, coordenado pela poeta e professsora Ana Caetano. Aproveitem por mim.
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Conversa com Marcelo Dolabela
(Foto: Daniel Protzner)
A sorte que tive na primeira ZIP, podendo acompanhar boa parte da programação no mês de abril, não se repetiu em maio. Sei que no decorrer do mês aconteceram momentos inesquecíveis, como o bate-papo entre as admiráveis poetas Thais Guimarães, Mônica de Aquino, Mariana Botelho e Ana Elisa Ribeiro. Também teve o lançamento do livro O silêncio tange o sino, da Mariana Botelho, oficina com Álvaro Andrade Garcia e Henrique Roscoe, o 1mpar, teve exposição, intervenções e bate-papo com o Marcelo Kraiser e muito mais coisas as quais eu gostaria muito de estar presente.
Mas tive a honra de estar por lá no dia 12 de maio para uma enriquecedora conversa com Marcelo Dolabela, intermediada pelo Ricardo Aleixo. Dentre as coisas que mais falamos, a que considero mais importante é a profunda ausência dos poetas de minha geração. Não há publicações, não há esforços para se autopublicarem ou, quando há, não há grana. Pouco se pode dizer da maioria dos que escrevem e têm até, digamos, 40 anos. Também desapareceram os fanzines, as pequenas revistas, as autopublicações coletivas. Tudo ficou confinado a blogs, facebooks e outras facilidades que estão aí mais em prol das aparentes pessoalidades virtuais do que da veiculação de poesia.
Está lançado o desafio.
outro poema de m. dolabela
Asilo Arkham (Redundância #2)
a Paulo Leão
mudamos de casa
mudamos pra casa ao lado
mudamos pra galeria em frente
mudamos pro Bairro da Saudade
mudamos pro Cemitério da Paz
mudamos do Curral del Rey
mudamos pro andar de cima
mudamos pros fundos
mudamos a cor do cabelo
mudamos de ramo
mudamos de telefone
mudamos e não te convidamos
mudamos de sexo
mudamos de droga
mudamos a roupa de cama
mudamos a mobília da sala
mudamos pro Asilo Arkham
mudamos enquanto era tempo
mudamos o canal de TV
mudamos a faixa do rádio
mudamos de idéia fixa
mudamos a página do livro
mudamos de ilusões perdidas
mudamos pra melhor atender
mudamos e compramos dólar
mudamos porque o mundo gira
mudamos porque a lusitana roda
mudamos de medicação
mudamos o pó de café
mudamos e passamos o ponto.
(BHZ 29 jul. 2000)
Bibliografia:
Marcelo Dolabela. Lorem Ipsus: antologia poética & outros poemas. BH: edição do autor, 2006
MD conversa com RA
Reproduzo abaixo um trecho da entrevista feita por ocasião da ZIP – Zona de Invenção Poesia &, que rolou em 2006 em Belo Horizonte. Falando sobre o Marcelo Dolabela (o entrevistado), Ricardo Aleixo (o entrevistador) comenta (mira e acerta em cheio):
Dolabela talvez seja o poeta mais sem lugar da poesia brasileira – muito provavelmente por ter a manha de observar a cena e invadi-la a partir do lugar que lhe der na veneta. Leiam suas palavras com os ouvidos bem abertos.
Marcelo, há quem o defina, taxativamente, como um representante da geração marginal. Outros já o tomam, também taxativamente, como um experimentalista radical. Qual é a sua?
A minha matriz poética é remixar, ou continuar remixando, esses dois conceitos (“marginal” e “experimental”). Sigo e persigo os pressupostos colocados pelos movimentos de vanguarda, em particular: da poesia concreta, do poema/processo e da tropicália, no Brasil; do dadá, do futurismo russo, da internacional situacionista, dos provos, do fluxus, do punk rock e da música pop de invenção, mundo afora. Como esses dois conceitos são, para a maioria, datados, sempre que alguém os usa para designar alguém é no sentido pejorativo. Assim, para esses conceituadores, ser “marginal”, “experimental” e/ou ”radical” é ser um perfeito idiota, alguém que está totalmente sem sincronia com o que se faz hoje. Não ligo. Como a velha escola, digo “deixa falar”. Pra mim, só vale a pena sendo assim.
Poesia & tecnologia é um tema que perpassa todo o seu fazer artístico. Fale um pouco a respeito. Se possível, faça uma síntese dos momentos-luz desse tema no âmbito da modernidade – enquanto prática – e nos conte como é que sua poesia participa desse debate, na atualidade.
Gosto de um conceito do Décio Pignatari, o de “mídia auxiliar”. O artista deve, para se manter inventivo, migrar, dialogar e incorporar outras linguagens. Assim, minha relação com o “mundo plugado” é para alimentar sempre a caldeira com novos combustíveis. Mesmo que, para isso, tenha que voltar ao início, aprender Theremin, usar velhas baterias eletrônicas, tecladinhos-casio ao lado de novidades, como Air-FX, Kaoos Pad, samplers, protools etc.
Na década de 80, creio que no Festival de Inverno da UFMG, você ofereceu um curso intitulado “Do rock and roll da poesia à poesia do rock”, estabelecendo pioneiramente uma ponte que a muitos parecia improvável naquele momento. Também me lembro de um encontro com Augusto de Campos, em Belo Horizonte, na Bienal Internacional de Poesia, em que ele, assim que o cumprimentou, perguntou, à queima-roupa, sobre Jimi Hendrix. E aí?
Curiosamente, este ano, quase duas décadas depois, estou voltando no Festival de Inverno, com a oficina: “Poesia-Experiência: do Dada ao sampler”, que tem como objetivo: Rever e experimentar [produzir] dez técnicas poéticas de vários movimentos das vanguardas históricas (Dadá, Surrealismo e Modernismo), das “vanguardas tardias” (Beat Generation, Poesia Semiótica, poema/processo e Arte Postal) e das pós-vanguardas (Poema Intersemiótico e Poesia Sonora). Pretendo fechar o ciclo. Se antes, o objetivo (diacrônico) era aproximar coisas díspares para a época, agora, incronicamente, pretendo mostrar que a questão é mais de roupagem do que de linguagem. Jimi Hendrix, nesse cenário, é, sem dúvida, um dos artistas mais paradigmáticos, pois quebrou todos os limites entre os extremos práticos e conceituais.
Entrevista colhida no jaguadarte
Em tempo: leia também no jaguadarte o texto “O label de dolabela”, uma das raras (mas ainda necessárias) apreciações existentes à obra do Marcelo Dolabela, escrita pelo Ricardo Aleixo por ocasião do lançamento da antologia Lorem Ipsus.
um poema de marcelo dolabela
Baladilha à maneira de W. M.
eu tenho mais versos pra escrever
que dor ou arrependimento
se tu me dizes que me amas
penso sempre em fingimento
mas se berras que me odeias
eu tenho o mesmo sentimento
eu tenho mais boca pra comer
que dente sal e alimento
se eu não divido minha cama
é porque adoro o relento
e quando serves a ceia
prefiro um outro argumento
pois eu tenho mais versos pra escrever
com o nanquim do meu tormento
Marcelo Dolabela. Lorem Ipsus: antologia poética & outros poemas. BH: Edição do Autor, 2006