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saudades do movimento literatura urgente

tenho sentido muita falta das discussões em torno às políticas públicas de fomento à literatura. o movimento literatura urgente eclodiu em meados de 2004, exatamente na época que saía o meu “das infimidades” e a minha tradução de “isso”. lembro que a provocação começou nos blogues do ricardo aleixo e do ademir assunção, logo ganhando visibilidade e se transformando num conjunto de ações reais. houve um grande debate repleto de propostas e a adesão de quase duzentos escritores. os integrantes do movimento entregaram solenemente ao ministro gilberto gil e ao então coordenador nacional do livro, galeno amorim, o manifesto “temos fome de literatura”. lembro-me de ter participado de algumas reuniões, aqui, em belo horizonte, onde havia um grupo bem alentado de pessoas interessadas.

a discussão ganhou bastante espaço entre 2004 e 2005. tenho a nítida impressão que a inclusão do item produção literária no programa petrobrás cultural (veja o texto abaixo) é um efeito positivo dessas discussões. o efeito negativo correu por conta da triste postura da veja, que quis sabotar a idéia -o que já era de se esperar, uma vez que a revista é a porta voz de todos os oligopólios culturais, políticos e industriais do brasil e tem um cuidado todo especial para com os potenciais best-sellers das grandes editoras e faz questão de defender qualquer um que ameace esses oligopólios.

eu estava extasiado, há pouco, relendo o manifesto e fiquei pensando: por que essas coisas nunca ganham um lugar ao sol por aqui? eu penso isso, lembrando o tempo todo do velho sábio darcy ribeiro dizendo: “então, o maior desafio é decidir qual o brasil que nós queremos inventar”.

difícil isso, num país tão imaturo.

para ler o manifesto com suas excelentes propostas que continuam atuais, clique aqui: [manifesto “temos fome de literatura”]

polemizar o não polemizar?

o esquema montado por ricardo silveira para resumir a polêmica

há alguns dias eu li um texto no blogue da letícia (poesia e mercadoria) que me deixou bem pensativo. pensei em comentar ou publicar algo aqui neste blogue, mas não me dei o trabalho. somente alguns dias depois, o bruno, no seu bloguetour se deparou com o texto e resolveu comentar lá, no sabor graxa.

faço um pequeno resumo: letícia acha que poesia não é mercadoria e que é um absurdo pensar que alguém queira preencher “poeta” nos dados pessoais. bruno também não gosta desse papo sobre “dados pessoais”, mas discorda quanto à forma de se discutir se poesia vende ou não vende. o assunto reverberou: e outro amigo, o marcelo sahea deixou lá no poesilha o seu comentário. teve também o ricardo silveira (veja o esquema inventado por ele, acima) e o makely que deram as suas beliscadinhas.

se o assunto fosse novo e não provocasse ninguém, o papo teria se encerrado lá no blogue da letícia, mas como todo poeta tem que arranjar um jeito de sobreviver sem deixar de empregar uma imensa parte do seu tempo em poesia, a questão deu pano pra manga. e acho que deveria dar ainda mais. portanto, segue a minha colaboração:

1. dizer que um poeta tem a pretensão de escrever “poeta” nos dados pessoais é um disparate, que eu mesmo já disparei por aí muitas vezes, apenas para causar efeito. isso está na cara. a pretensa profissão “poeta”, embora uma das mais antigas (quase tão antiga quanto a prostituição), não entrou para o capitalismo. e nem poderia. já que a lógica inventada no mundo da grana é diametralmente oposta à idéia de se gastar o tempo com algo sem mais valia. citando a letícia: “acredito que o trecho do leminski tenha relação com a idéia de que a finalidade da poesia não é o mercado.”

gosto de contar histórias: já perguntei a muito poeta sobre essa questão que diz respeito à sua colocação diante de uma sociedade que te quer sempre um especificialista. o antônio cícero me disse que às vezes (em algumas raras vezes) preenche lá, um pouco sem graça (ele é bem reservado), não a palavra “poeta, mas “escritor”. segundo ele, as pessoas normalmente olham de lado, entre admirativas e desconfiadas. mas ele também me contou que joan brossa, mais para o final da vida, recebia uma espécie de salário vitalício da prefeitura de barcelona, apenas por ser o que ele era. hoje eu fico pensando o que poetas como allen ginsberg e waly salomão respondiam quando eram perguntados sobre o assunto.

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etnopoesia no milênio

livro: \ a etnopoesia, muito mais do que uma interseção entre a antropologia e a poesia, é uma mudança de paradigmas. o ocidente perdeu muito tempo com a discussão “o que é poesia”, sempre enxergando-a como um braço dos ensinamentos gregos. com isto, foi esquecido algo simples e óbvio para qualquer pessoa interessada nessa camada sutil que paira sobre as coisas sobre a qual deram o nome, repito, de “poesia”: que a poesia pode estar em qualquer coisa ou lugar.

o trabablho de jerome rothenberg começou quando, em 1967, lançou um livro sui generis chamado “technicians of the sacred”, onde fazia uma grande antologia de poemas-textos-dizeres de xamãs & pajés do mundo inteiro. desde então, a revolução que ele vem propondo é convulsiva, transbordante. ao lado de seus próprios poemas, já publicou antologias de poetas judeus, poetas dos campos de concentração nazistas, poesia xamã das américas, antologias renovadoras onde figuram poetas do mundo inteiro, tais como um poeta-xamã-esquimó, um antigo e anônimo escriba do egito, pound, poetas concretistas, maria sabina, os poetas da negritude e por aí vai.

este livro, “etnopoesia no milênio”, é o primeiro do autor (talvez mesmo sobre o tema) a ser traduzido e/ou publicado no brasil (40 anos de atraso!).

quem quiser ler coisas de/sobre Rothenberg, eis alguns links:

rothenberg antologizado e entrevistado por rodrigo garcia lopes

jerome rothenberg no ubu, a maior referência na web sobre a ethnopoetics, com soundings, visuals, poems & discourses.

Anotações para WTC BABEL S. A.

Eu sou aquele que transforma-se em morte
O destruidor de mundos
A rosa de Oppenheimer no Oceano Pacífico
O azul de metileno que brota do inesperado
como a salvação da terra

Os múltiplos braços de Krishna
manejando a roda da fortuna
Eu sou o oceano pacífico
O inimigo número um

(Manhattan Project is the name of a prophetic poem
by F. D. Roosevelt 1942
the shadow of General Yamamoto)

Eu sou o calo no seu sapato
Aquele que transforma-se em Ato
para destruir seus sonhos de burguês
Eu sou a própria morte lambendo os beiços em nome do deus
numa imensa mobilização de símbolos
Águias Lobos Uivos e Coyotes

Eu sou a sua estrada aberta
WTC Babel Sonho Americano
Eu sou o seu beco sem saída
A sua estrela guia o seu sono insano

Linda como um sol poente clara como o Ramadam
ó filhas do Sol Nascente
Do centésimo décimo andar eu sigo sempre atenta
Que os Demônios sempre descem do norte
Eu sou o destruidor de mundos
Aquele que transforma-se em morte

um artigo de juan gelman

assim começa o mais recente artigo (“avaliações”) da bitácora de juan gelman. trata-se de uma questão que tem estado na ponta da minha língua e que me leva a pensar nos meus preparativos para o 11 de setembro que vem (para ler o artigo na íntegra, clique aqui):

Mais de cem especialistas norte-americanos em política internacional consideram que, desde a ocupação do Iraque, o mundo se tornou mais perigoso, a estratégia de segurança nacional descarrilou e a própria guerra carece de bússola. Assim o manifesta a maioria dos analistas mais respeitados do país no terceiro “Índice do terrorismo”, o informe semestral de uma consulta que o Centro para o Progresso Estadunidense e a revista Foreign Policy (www.americanprogress.org, 20-8-2007) realizam. A opinião – tanto de democratas como de republicanos – é de chefes militares, ex-secretários de Estados, assistentes de hierarquia da Casa Branca, conselheiros presidenciais de segurança nacional, acadêmicos prestigiosos e agentes do alto escalão dos serviços de inteligência. 80% ocuparam cargos no governo dos EUA – mais da metade no Poder Executivo – 32% nas forças armadas e 21% na chamada comunidade de inteligência. Seus julgamentos em nada coincidem com o otimismo de W. Bush.

marçal aquino

dia desses, passando por uma livraria, me dei com o seguinte título: “eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”. achei o título instigante. mostrei para a patrícia e ela também gostou. o autor é marçal aquino, escritor já conhecido na cena literária do brasil por seus romances que flertam com certa marginalidade e urbanidade extremamente atuais. aquino também é roteirista e o seu trabalho mais recente, o filme “o cheiro do ralo” mereceu de minha parte uma grande admiração.foi por isso que convidei patrícia para irmos assistir essa semana a um bate-papo com ele. na hora da listagem dos livros, não foi sem surpresa que descobri ser ele o autor de um dos poucos livros que li quando criança e que não me esqueci: “os meninos da rua quinze” (não me lembrava era do nome do autor). me senti consubstanciado.

“fico instigado com esse jogo de, através de algumas palavras, faladas ou escritas, você disparar a imaginação de alguém”, ele disse.

no meio das duas horas de conversa, ouvi ele dizer diversas vezes que se considera um autor realista. isso me deixou curioso. decidi que lhe perguntaria o que ele chama de realidade. me preparei, anunciei à moça do microfone que queria falar e eu seria então o quarto da fila.

nesse meio tempo, começou um longo assunto sobre seus roteiros. segundo ele, o que o fez começar a escrever seu livro “o invasor” (que virou roteiro antes de virar romance), foi uma conversa que teve com um empresário que dizia não ter nada a ver com a violência brasileira: não vê bandidos, seus filhos vão à escola em carros blindados, vivem todos numa casa linda e tranquila… “tem gente que pensa que pode viver fora da realidade”, aquino falou. disso nasceu seu texto.

e eu, no final das contas, acabei por não fazer a pergunta que eu queria. perdi a vontade. as perguntas e as respostas se prolongavam demais e achei que àquelas alturas já não fazia mais sentido. mas passado o tempo, continuo com a dúvida. aquino se diz um escritor realista. mas o que será que podemos chamar “realidade”? será o que se passa em suas ficções? será o que se passa na vida e que o inspira a escrever seus romances? eu penso que todos podem se perder em discursos intelectualizantes e pseudo-filosóficos.

o que eu quero é somente aprender a lidar com essa massa que o ser humano inventou e que fez salvador dalí dizer: “um dia se verá que o que chamamos de real é mais assustador do que o sonho”.

notas sobre a negritude

pode procurar por aí. o termo negritude é encontrado por toda parte. uma banda de pagode, um portal de web, uma linha fashion, coluna reservada para assuntos afro no jornal. poucos sabem que a palavra se espalhou por todo o mundo por causa de um movimento literário ocorrido nos anos 30, sob a tutela de três grandes escritores: aimé césaire, leon gontram damas e léopold sédar senghor.tudo começou assim: um jovem estudante estigmatizado pela cor da pele publica no jornal l’étudiant noir um artigo defendendo a beleza e o valor de sua ‘negritude’. uma atitude repleta de mandinga e de gingado, pois estava usando um termo pejorativo a seu próprio favor. quando léopold sédar senghor leu o artigo, ficou empolgadíssimo, pois ninguém conhecia melhor do que ele a nobreza do seu povo. sintetizou: ‘negritude: o conjunto dos valores de civilização do povo africano.’ o termo transformou-se num conceito. e léopold foi quem levou a expressão às suas mais profundas conseqüências.

senghor nasceu em 1906 e publicou muita poesia, muita pesquisa em diversas áreas (lingüística, antropologia, sociologia, teoria literária) entre os anos 30 e os anos 50. em 1960 recebeu uma proposta dos líderes políticos do senegal: que se tornasse o presidente do país. e com uma vantagem: poderia governar enquanto quisesse. entre 1961 e 1980, quando já era um grande intelectual e poeta, senghor se tornou um dos maiores estadistas que o mundo já conheceu. e qual era o primeiro e grande conceito teórico que o norteou como político? quem responder marxismo, leninismo, maoísmo, castrismo, estará perdendo tempo: o conceito mestre da política senghoriana se chamava ‘negritude’.

a essas alturas, a ‘negritude’ já havia se transformado e crescido a proporções fenomenais. o termo, com o tempo, deixou de ser a afirmação de uma raça pra ser a exaltação de uma postura universalizante. o africano está em toda parte. o conceito se desdobrou depois em ‘mestiçagem’, ainda com o caráter inicial de afirmação dos valores de um povo estigmatizado pela história, mas com ênfase cada vez maior na questão cultural. e já começavam a surgir na própria áfrica movimentos e manifestações que contestavam a ‘négritude’. é o que fez por exemplo wole soyinka, autor nigeriano, hoje prêmio nobel de literatura: “um tigre não precisa declarar sua tigritude, ele salta sobre a sua presa”. o que em todo caso não é senão, um desdobramento da idéia inicial, agora interiorizada no movimento do corpo.

notas sobre a realidade

podem dizer o que quiserem, aconteça o que acontecer, a realidade vai continuar sendo o maior enigma da humanidade. por isso, nunca entendo bem o que querem dizer quando falam “cai na real!” ou o famigerado “sejamos realistas!”

daí fui procurar uma meia dúzia de escritores pra tentar entender melhor. encontrei o cioran, que diz: “somente um monstro pode se permitir o luxo de ver as coisas tais como são. mas uma coletividade só subsiste na medida em que cria para si ficções”.

o julio cortázar falou numa entrevista que é completamente apaixonado pela realidade, e isso é bastante significativo, em se tratando da fala de um cronópio. allen ginsberg achava que os seus escritos eram “sanduíches de realidades” e que ninguém estranhe o uso de alucinógenos para se enxergar melhor o tal do mundo, pois um sujeito que se achava mais sério já tinha tentado isso antes, o walter benjamin.

camille paglia, a contro(di)vertida filósofa norteamericana faz dessas palavras de george eliot as suas: “se tivéssemos uma aguda visão e sensação de toda vida humana comum, seria como ouvir a relva crescer e o coração do esquilo bater, e morreríamos desse rugido que está do outro lado do silêncio. na verdade, mesmo os mais rápidos de nós andam por aí bem acolchoados de bastante estupidez”.

será por isso que shakespeare acha que “há mais coisas entre o céu e a terra do que vossa vã filosofia possa imaginar”? e o t.s.eliot, aquele inglês americano, em seu primeiro dos quatro quartetos acrescenta:

“vai vai vai disse o pássaro

o gênero humano não pode suportar

tanta realidade”

será que ele está falando da mesma coisa que a sua xará de sobrenome?

eu ouvi dizer que o freud, o nietzsche e o marx fizeram uma teorias bastante engenhosas sobre o assunto. se ninguém tivesse falado em realismo, ninguém falaria em surrealismo nem em realismo fantástico e nem em realismo mágico.

tudo bem, mas aqui no brasil, realidade quer dizer (pode perguntar para o senso comum) “aquilo que se lê nos jornais. e alguns se crêem informados sobre a “realidade” quando se dizem pessimistas ou mesmo quando falam de política.

mas o jogo da imprensa é tão ridículo como qualquer novela da globo: sem querer, ou às vezes querendo, a imprensa canoniza idéias mal-formuladas que se tornam grandes preconceitos para o populacho. populacho que, aliás, não está quase nunca preparado para assimilar conceitos, mas quase sempre está em ponto de bala para proferi-los como quem sabe da “realidade” (afinal, eu leio a veja toda semana)

dizem que a poesia é delírio. mas em meados do século xx, em lugares mais precários do nordeste onde não chegava a imprensa escrita (ou o povo não sabia ler) e mesmo o rádio só chegava cheio de chiado, ninguém acreditava em nada enquanto não vinha o cordelista com a sua rabeca e versejava as notícias tintim por tintim.

o conceito de realidade está muito ligado a seus inversos: ficção (que é a vida) e auto-engano. e eis que aparece eduardo giannetti dizendo “só engana a si mesmo quem não quer fazer isso.” e é por esse meio que acabamos por nos esquecermos de que a origem da incapacidade brasileira para falar de política não está na decepção, como supõe a maioria, mas por causa do medo (essa droga pesada): “se cumpade fala mau do patrão, o patrão vem e ouve e mata, sô!”

e assim a teoria da realidade acaba por engolir o próprio rabo, nos colocando de novo e sempre diante das velhas questões: o que é? quem é? como é? de onde emana? para que serve? somos nefelibatas então? é esse o enigma? a realidade é o jardim dos sendeiros que se bifurcam?