polemizar o não polemizar?

o esquema montado por ricardo silveira para resumir a polêmica

há alguns dias eu li um texto no blogue da letícia (poesia e mercadoria) que me deixou bem pensativo. pensei em comentar ou publicar algo aqui neste blogue, mas não me dei o trabalho. somente alguns dias depois, o bruno, no seu bloguetour se deparou com o texto e resolveu comentar lá, no sabor graxa.

faço um pequeno resumo: letícia acha que poesia não é mercadoria e que é um absurdo pensar que alguém queira preencher “poeta” nos dados pessoais. bruno também não gosta desse papo sobre “dados pessoais”, mas discorda quanto à forma de se discutir se poesia vende ou não vende. o assunto reverberou: e outro amigo, o marcelo sahea deixou lá no poesilha o seu comentário. teve também o ricardo silveira (veja o esquema inventado por ele, acima) e o makely que deram as suas beliscadinhas.

se o assunto fosse novo e não provocasse ninguém, o papo teria se encerrado lá no blogue da letícia, mas como todo poeta tem que arranjar um jeito de sobreviver sem deixar de empregar uma imensa parte do seu tempo em poesia, a questão deu pano pra manga. e acho que deveria dar ainda mais. portanto, segue a minha colaboração:

1. dizer que um poeta tem a pretensão de escrever “poeta” nos dados pessoais é um disparate, que eu mesmo já disparei por aí muitas vezes, apenas para causar efeito. isso está na cara. a pretensa profissão “poeta”, embora uma das mais antigas (quase tão antiga quanto a prostituição), não entrou para o capitalismo. e nem poderia. já que a lógica inventada no mundo da grana é diametralmente oposta à idéia de se gastar o tempo com algo sem mais valia. citando a letícia: “acredito que o trecho do leminski tenha relação com a idéia de que a finalidade da poesia não é o mercado.”

gosto de contar histórias: já perguntei a muito poeta sobre essa questão que diz respeito à sua colocação diante de uma sociedade que te quer sempre um especificialista. o antônio cícero me disse que às vezes (em algumas raras vezes) preenche lá, um pouco sem graça (ele é bem reservado), não a palavra “poeta, mas “escritor”. segundo ele, as pessoas normalmente olham de lado, entre admirativas e desconfiadas. mas ele também me contou que joan brossa, mais para o final da vida, recebia uma espécie de salário vitalício da prefeitura de barcelona, apenas por ser o que ele era. hoje eu fico pensando o que poetas como allen ginsberg e waly salomão respondiam quando eram perguntados sobre o assunto.

em todo caso, fica ainda a dúvida: o que dizem sobre isto, as pessoas que não compreendem a importância ou a alegria ou a diversão de um poema escrito? imagino muitas respostas. me lembro, inclusive, da célebre resposta dada pelo jerônimo teixeira da revista veja ao movimento literatura urgente. uma resposta lamentável que conseguiu esvaziar o entusiasmo inicial do movimento.

2. me parece uma imensa perda de tempo ficar discutindo se é lícito ou não vender poesia. antes de discutir isso, eu gostaria que alguém me desse uma definição clara e definitiva dessa palavra “poesia”. porque eu mesmo nunca vi ninguém vender poesia. assim como nunca vi ninguém vender orgasmo. mas eu já fiz poemas sob encomenda e alguns deles estão entre as minhas melhores realizações. nisso eu concordo plenamente com o marcelo sahea: “por que não?”.

além disso, vender livros de poesia não é vender poesia. sempre expulso vendedores de livros quando estou numa mesa de bar, fecho a cara, demonstro muito tédio em relação àquela situação. não porque acho que poesia não deve ser vendida, mas porque não fico afim de comprar livros na hora em que estou chapando o melão. ali não é o momento apropriado para isso. quando quero um livro, vou a uma livraria ou consulto a estante virtual, onde escolho o mais barato. isso não descarta a possibilidade de, numa esquina qualquer, numa mesa de boteco, eu de repente me deparar com um momento insólito que me faz mergulhar estranhamente naquele lugar desconhecido chamado “poesia”. mas isso não tem preço.

as pessoas confundem muito. ser poeta não é escrever livros. poesia existe antes mesmo de existir escrita. a etnopoesia de rothenberg informará. o livro faz parte de um sistema cultural chamado “sociedade do impresso”, fundado por guthenberg no final da idade média e que, nos tempos atuais encontra-se em profunda crise devido ao acesso popularíssimo aos meios de produção. apesar disso, a poesia nunca se adaptou inteiramente ao formato livro, e os autores sempre se viram obrigados a inventar outras formas de dar existência ao poema. (dica de leitura: gregório de mattos e os poetas beatniks.)

hoje, ao leitor interessado no que se produz atualmente, não servirá de nada ir a uma livraria: ele terá que perambular por blogues, sites, revistas virtuais. a sociedade do impresso, hoje, convive com a “sociedade do espetáculo”, fundada na imagem. quem não se adaptar a isso, terá mais dificuldades em realizar um diálogo com o seu tempo.

isso tudo porque eu acho que “se a gente não se raoni, a gente se sting”. na nossa aldeia, ficar conspirando contra nós mesmos só piora a nossa situação. coloco na minha carteira de trabalho qualquer coisa. não me importo muito com isto. contanto que eu possa continuar, insanamente escrevendo uns míseros versinhos.

um último comentário, que é o que realmente interessa: certa vez, num bate-papo com décio pignatari e valêncio xavier em belo horizonte, alguém perguntou: “como está a poesia no brasil hoje, passadas várias décadas do movimento concretista?” ao que o nosso aguerrido poeta respondeu: “a poesia vai bem obrigado, ao contrário da prosa. os poetas sabem que poesia não vende. e por isso, não gastam o seu tempo preocupados em fazer livros que vendem, e sim em fazer bons poemas.”

3 pensou em “polemizar o não polemizar?

  1. Olá Léo, sou goiano, e ao contrário de Minas Gerais, Goiás não colhe louros nem pela péssima poesia que comercializa. A partir de agora estou mais otimista, pois pensei que nunca fosse encontrar algum “poeta” que se desse o valor, não só por defender a classe, mas sim, por se assumir poeta. Além de poesia não vender, os “poetas” brasileiros têm (sem generalizações) uma péssima mania de falsa moral.”Eu não sou isso, não soui aquilo, não considero isso, não considero aquilo”. Fodam-se esses, pois eu sou historiador, jornalista e poeta sim.
    Abração e sucesso!

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