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campo coletivo no mariantonia (em sp)

“campo coletivo” é uma exposição que acontece no mariantonia a partir de 27/3 de 2008, quinta-feira, às 20h e que reúne: poro (bh/mg), cine falcatrua (vitória/es), laranjas (pa/rs), gia (ssa/ba) e espaço coringa (sp/sp), sob curadoria de fernanda albuquerque e gabriela motta.

além da produção dos grupos, a exposição terá uma midiateca que agrupa materiais gráficos (panfletos, cartazes, registros e publicações produzidos pelos participantes), projeções de vídeo, ativações e biblioteca.

a midiateca conta ainda com uma máquina de xerox e um computador para que seu conteúdo possa ser copiado pelos visitantes (leve seu dvd).

para mais informações, leia a notícia completa no blogue do marcelo terça-nada!

revista de autofagia n.2

REVISTA DE AUTOFAGIA n.2 - novembro - 2007

tenho uma paixão especial pelas revistas de literatura/poesia. gosto dos dossiers, das entrevistas, dos poemas que aparecem ali. é um evento à parte na vida de quem publica nela, pois ela tem um destino que foge ao controle do autor, ao contrário do que aconteceria se fosse um livro. tem momentos em que acho mais digno de comemoração uma publicação em revista do que um livro.

a revista de autofagia n.2, é pra mim um exemplo disto. abri-la e encontrar todo um dossier, incluindo entrevista, comentários e poemas de renato negrão foi para mim uma surpresa maravilhosa. considero o negrão um dos caras mais criativos com quem já convivi e lamento muito que ele não seja ainda suficientemente lido/conhecido/comentado pelo brasil/mundo afora, não tanto por ele, mas mais pelos leitores que saem perdendo de verdade.

mas na revista não tem só isso não. lá, você encontra também: bernardo amorim, espaço cubo, sandro eduardo saraiva, elisa andrade buzzo e otras cositas mais.

há muito tempo que eu esperava ver o número publicado e quando eu perguntava para o makely ou para o bruno, seus editores, sentia que eles passavam por algo bem parecido com o que passei nos tempos de estilingue: uma dificuldade para além da vontade de quem faz. realmente, manter viva uma revista de poesia no brasil não é brincadeira. por isso eu concordo plenamente com o makely, que escreveu no editorial: “a segunda edição de uma revista de poesia no país já é motivo de comemoração”. tem que querer muito para coisa sair. quando sai, fogos e todo tipo de artifício ainda é pouco.

por isso, comemoremos com muitos vivas e laroiês! e que venha o número 3.

um poema de léon laleau, poeta haitiano

canibal

o desejo selvagem, o ardor,
de misturar o sangue e as feridas
aos gestos e caretas do Amor
e de achar, debaixo das mordidas
que perpetuam o sabor dos beijos,
os soluços da amante e os seus ais…
ah! rudes e intranqüilos desejos
de meus antepassados canibais…

cannibale

ce désir sauvage, certain jour,/de mêler du sang et des blessures/aux gestes contractés de l’Amour/et de percevoir, sous les morsures/qui perpétuent le goût des baisers,/les sanglots de l’amante, et ses râles…/ah! rudes désirs inapaisés/de mes noirs ancêtres canibales…

(achei este poema de léon laleau na: anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache de langue française, organizada por l. s. senghor – a tradução é minha.)

canibais - o sonho de hans staden

vídeo-conferência sobre léopold s. senghor (para quem não viu)

para quem não viu a vídeo-conferência que apresentei semana passada na puc virtual, já está disponível para baixar no site da tv ponto com [link aqui]. se não quiser baixar, mas estiver afim de ver aqui mesmo no salamalandro, ajeite-se na cadeira e fique à vontade. é só apertar o play.

a videoconferência “negritude, magia e política: a poesia de léopold sédar senghor”, com o poeta e tradutor leonardo gonçalves, fez parte da série panorama arte e cultura, que é promovida juntamente com a diretoria de arte e cultura da puc minas. o projeto biblioteca digital multimídia é uma parceria da puc minas com o instituto embratel 21 e cerca de outras dez instituições universitárias e culturais. a transmissão foi feita através do portal do conhecimento, com direção e apresentação do professor haroldo marques.

vídeo-conferência sobre léopold sédar senghor

vídeo-conferência sobre léopold sédar senghor

O poeta e tradutor Leonardo Gonçalves apresenta a vídeo conferência
“Negritude, magia e política: a poesia de Léopold Sédar Senghor”

O poeta e tradutor Leonardo Gonçalves apresenta, no dia 12 de março de 2008, às 15h, a vídeo-conferência entitulada: “Negritude Magia e Política: A Poesia de Léopold Sedar Senghor”. A vídeo-conferência será exibida ao vivo pela internet no site: http://200.244.52.177/embratel/main/mediaview/tvpontocom. O evento fará parte da Série Panorama Arte e Cultura, que é promovida juntamente com a Diretoria de Arte e Cultura da PUC Minas. O Projeto Biblioteca Digital Multimídia é uma parceria da PUC Minas com o Instituto Embratel 21 e cerca de outras dez instituições universitárias e culturais. A transmissão será através do Portal do Conhecimento, com direção e apresentação do Professor Haroldo Marques.

A obra de Léopold Sédar Senghor, embora pouco conhecida no Brasil, é uma das experiências mais instigantes da poesia do século XX. Produzida numa região conflituosa da linguagem, sua poesia soma diferenças que vão do rítmico-sonoro ao lingüístico-cultural (tratando de temas como a pele negra, a tradição africana dos ancestrais ou a participação dos senegaleses na segunda guerra mundial). A poesia de Senghor é uma somatória africana de paixões eletrizantes em face de um mundo frio e excludente. Senghor, amante das diferenças, foi também um ardoroso defensor de conceitos como “negritude”, “francofonia” e “civilização do universal”. Tratava-se, já, da defesa de culturas mais fragilizadas em meio ao mundo que se globalizava. Numa entrevista concedida no final dos anos 1970, ele propunha “uma civilização do Universal pela diferença e na diferença”. É o que se vê desde o princípio em sua escrita. Continue lendo vídeo-conferência sobre léopold sédar senghor

heriberto yépez em dois lugares

heriberto yepez

para quem lê o castelhano, clique aqui e conheça o texto do poeta argentino mario arteca sobre heriberto yepez seguido de uma boa amostra da escritura em prosa desse tijuanês da porra.

para quem lê o inglês, indico um poemanifesto do mesmo tijuanês, publicado há algum tempo no site www.ubu.com. o texto se chama: a sketch on globalization & ethnopoetics (um esboço sobre globalização e etnopoética)

waly sailormoon e a teatralização: trechos de um texto de antônio cícero

uma das publicações mais bonitas de poesia que tive acesso nos últimos tempos é o livro “me segura qu’eu vou dar um troço” de waly sailormoon, publicado em 2003 pela editora aeroplano em parceria com a biblioteca nacional, organizado por heloísa buarque de hollanda e luciano figueiredo. trata-se trabalho do primeiro do baiano que, em 1972 ficou preso no carandiru por causa do porte de uma “mera bagana de fumo”.

“meu primeiro texto teve de brotar numa situação de extrema dificuldade. na época da ditadura, o mero porte de uma bagana de fumo dava cana. e eu acabei no carandiru, em são paulo por uma bobeira, e lá dentro eu escrevi “apontamentos no pav 2”. não me senti vitimizado de ver o sol nascer quadrado. para mim foi uma liberação da escritura”.

nesta edição, há um belíssimo prefácio de antônio cícero, verdadeiro testemunho de admiração e amizade por um dos poetas mais importantes que apareceram na cena brasileira dos últimos 50 anos. fiz uma pequena edição de um trecho que me toca, especialmente agora, neste instante da vida. espero que o cícero não se importe. segue o texto:

a falange de máscaras de waly salomão

(…)

em 2002, waly resume a relação entre a prisão e a escrita, dizendo que “… ver o sol nascer quadrado, eu repito esta metáfora gasta, representou para mim a liberação do escrever que eu já tentava desde a infância.

se desde a infância ele já buscava a liberação que a escritura de “me segura”viria a lhe proporcionar, então, de algum modo, a vida anterior a essa escritura devia ser por ele percebida como uma prisão ou um confinamento: confinamento do qual o carandiru tornou-se o emblema. de que se trata? são muitas as possíveis prisões. em texto sobre “me segura”, intitulado “ao leitor, sobre o livro”, lê-se:

sob o signo de PROTEU vencerás.
por cima do cotidiano estéril
de horrível fixidez
(waly salomão)

de que modo a poesia proporciona a liberação a quem foi confinado? o desprezo pela fixidez do cotidiano, a rejeição dos princípios lógico-formais da identidade e da contradição, a vontade de abolir as fronteiras entre o eu e os outros e o fascínio pela metamorfose são características que trazem à mente a noção de carnavalização. mas, não creio que o termo carnavalização seja adequado para caracterizar a obra de waly. na verdade, aquilo que merecia o epíteto de carnavalizante era a pessoa ou a irradiante presença de waly, inclusive na sua atividade de conferencista e nas suas aparições na televisão, mas não a sua poesia. em relação a esta, prefiro empregar o conceito que ele mesmo elegeu: o de teatralização.

“é que eu transformava aquele episódio, teatralizava logo aquele episódio, imediatamente, na própria cela, antes de sair. eu botava os personagens e me incluía, como marujeiro da lua. eu botava como personagens essas diferentes pessoas e suas diferentes posições no teatro: tinha uma agente loira babalorixá de umbanda, tinha um investigador humanista e o investigador duro. o que quer dizer tudo isto? você transforma o horror, você tem que transformar. e isso é vontade de quê? de expressão, de que é isso? não é a de se mostrar como vítima”.

a vítima é o objeto nas mãos do outro. quem aceita a condição de vítima no presente, quem diz: “sou vítima” está, ipso facto, a tomar como consumada a condição de não ser livre. é contra essa atitude de implícita renúncia à liberdade que waly teatraliza a sua situação. ao fazê-lo, ele a transforma em mera matéria prima para o verdadeiro drama, que é o que está a escrever. a vítima passa a ser apenas o papel de vítima, a máscara de vítima. por trás da máscara há o escritor. mas isso não é tudo, pois o que é o escritor senão o papel de escritor?

waly sailormoon, o marujeiro da lua, diz que: “chego nos lugares e percebo as pessoas como personagens de um drama louco”. mas não se deve cair no equívoco de supor que a teatralização consista simplesmente em opor ao mundo real o imaginário. não é o delírio ou a alucinação que waly aqui defende. não se trata de opor o teatro ao não-teatro. o que ele julga é, antes, que tudo é teatro. ao afirmar que percebe as pessoas como personagens de um drama louco, waly não quer dizer apenas que as interpreta como tais, mas que se dá conta de que são personagens de tal drama. retomando a idéia do theatrum mundi, originada na antigüidade.

mas, se tudo já é teatro, se até o fato é teatro, qual é o sentido da teatralização? por que teatralizar o que já é teatro? é que o fato social é o teatro que desconhece o seu caráter teatral. o processo que leva a esse desconhecimento ocorre, por assim dizer, “naturalmente”: como a peça que se representa no teatro do mundo parece ser sempre a mesma, os atores ignoram que se trate de uma peça, isto é, de obra humana e artificial; ignoram, em outras palavras, que seja uma dentre muitas peças reais ou possíveis, e a tomam por natureza. longe de reconhecer espontaneamente o teatro do mundo como teatro, o indivíduo, no interior da sua cultura, aceita os papéis sociais como dados ou fatos desde sempre já prontos: o que equivale, como foi dito, a tomá-los por natureza, não por teatro.

a atitude de waly é diametralmente oposta a essa. ele nunca esquece que o “fato” social é o teatro que se enrijeceu ou esclerosou a ponto de olvidar a sua natureza teatral: o teatro que se pretende superior ao teatro, que se pretende mais real do que o teatro. na medida em que tem êxito em sua impostura, a “horrível fixidez” daquilo que podemos chamar de “teatro do fato” não somente expulsa ou degrada ao segundo plano as virtualidades ainda não realizadas do presente, que o superam em riqueza, mas, além disso, congela o movimento criativo que, em princípio, exige a abertura permanente a novas possibilidades interpretativas. a teatralização walyniana funciona, portanto, como a água de mnemosune, o antídoto contra a água da fonte de lete, do esquecimento naturalizante e confinante.

(do prefácio de antônio cícero ao livro “me segura qu’eu vou dar um troço”, de waly salomão, publicado em 2003 pela editora aeroplano)

a revista viva voz e "a lata" de patrícia mc quade

saiu recentemente a revista viva voz, resultado da oficina de escrita da professora elisa amorim. das aulas ministradas pela professora, saíram excelentes textos, dentre os quais destaco este verdadeiro retrato da vida contemporânea e do verão que entra.

a lata
por patrícia mc quade

sentiam-se comprimidos, envergonhados, condensados, apertados, oprimidos, sintetizados, humlhados, amassados.

os rostos derrotados eram mais que cansados. e pagavam por isso. todo o peso do mundo exercia pressão por todos os lados. perfeita imitação de uma lata de sardinha. precisavam pagar por isso. humanos desafiando a física. como dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço? e pagavam caro por isso.

os cidadãos dentro da lata sobre rodas suavam. termômetros acusavam: o dia mais quente o verão. poucos sentados. a maioria de pé. todos tremendo juntamente com o motor que roncava. aquela lata cantava de maneira insuportável. por que deus criou nossos ouvidos? e as pessoas pagavam por isso.

gente encostada nas janelas abertas, aproveitando o alívio do vento morno. os outros empilhados, de braços erguidos, sustentando no equilíbrio os corpos uns dos outros. a total coletividade individual, com dificuldade de respirar, agonizava e pagava por aquele ar que cheirava a dia de trabalho e de competitividade por emprego, por dinheiro, por status, por oportunidade e, agora, por espaço. e pagavam pelo não-merecido.

fora da lata começava a chuva mansa que ao toque com o asfalto incandescente produzia um mormaço ainda mais insuportável que o calor do sol. o mormaço queria também o espaço da lata, que já possuía o calor de seu motor e o suor dos corpos, e entrou sem pagar por isso, transformando a lata em uma panela de pressão. e o cozido humana pagava sempre por isso.

a velocidade oscilava em sucessivas paradas para que os sujeitos já compactados descessem e outros embarcassem. a lata cada vez mais carregada e lenta, com a preguiça de uma babosa, se arrasta pelas ladeiras da cidade e em freadas bruscas e arrancadas estúpidas, e o traçado de curvas ondulantes, seguimento retilíneo, tudo isso como regras de um joguete de corpos que obedeciam ao ritmo imposto: para frente, para trás, para a direita, para a esquerda, agora lançamento oblíquo. sem ordem, ao acaso. os corpos obedeciam, amontoados e deprimentes e pagavam a viagem com dinheiro roto, suado, mas sempre pagavam por isso.

(traduzido do castelhano por leo gonçalves)