Segue o artigo “No, pero sí”, de juan gelman, publicado na “bitácora” No dia 1º de março deste ano. Traduzi especialmente para este abril babel. Enjoy it!
Não, porém sim
Juan Gelman
Washington e Moscou não se cansam de proclamar que a Guerra Fria não voltou. Talvez. O certo é que no plano militar, agem como se tivesse voltado. A Casa Branca insiste em instalar parte de seu escudo antimísseis mundial na Polônia e na República Tcheca. O Kremlin, avisou que, se isso ocorre, suspenderá sua participação no tratado de limitação das forças armadas convencionais e, mais grave ainda, apontará seus mísseis contra essas duas nações. E a população civil? Bem, obrigado. A lógica das grandes potências não só é peculiar, é nuclear. Lembremos a teoria de Huxley: o progresso tecnológico só nos deu meios mais eficientes de avançar para trás.
É notório que os EUA procurem impor ao planeta o seu domínio mediante o uso ou a ameaça da força, incorporando a seu empenho as ex repúblicas soviéticas. Esta concepção unipolar choca com uma realidade: a Rússia, embora debilitada, recompôs sua economia depois de Yeltsin e continua possuindo um considerável arsenal nuclear e um vasto território, para não falar de um manejo político de suas reservas de petróleo e gás natural que obstaculiza o avanço norte-americano nos países que já dependeram da URSS. A instalação do escudo anti-mísseis na Europa central persegue obviamente o objetivo de intimidar Moscou sob pretexto de que serviria para detectar e destruir presumíveis mísseis de cabeça nuclear que o Irã não tem.
A questão não se apresenta fácil para o governo de Bush. A instalação do radar na República Tcheca deve ser aprovada por um parlamento dividido em partes iguais entre o oficialismo e a oposição. Lubimir Zaoralek, futuro ministro das Relações Exteriores se o partido social democrata chegar a ganhar as próximas eleições, assinalou que Washington tem uma “percepção falsa” do perigo que o Irã significa para Praga e 70% dos tchecos se manifesta contra esse plano (The Financial Times, 22/01/2008). “Este projeto não é polaco, é norte-americano. Não nos sentimos ameaçados pelo Irã”, declarou por sua vez Radek Sikorski, minstro de Relações Exteriores da Polônia, país onde o desaprovação da sociedade civil alcança os 55% (The Guardian, 11/01/2008). E logo planeja sobre esses governos uma incerteza: querem segurança de que o projeto seguirá adiante se os democratas ganharem as eleições de novembro nos EUA.
A “Iniciativa Bases Não” (IBN) ganha consenso entre os tchecos. “A realização do plano dos EUA não ampliará a segurança, pelo contrário: trará novos perigos e inseguranças. Embora o qualifique de ‘defensivo’, em realidade permitirá que os EUA ataquem outros países sem temor a represálias”, lê-se na Declaração de Praga de 2007 emitida pela IBN (www.abolition2000europe.org). Em novembro passado, organizou densas manifestações contra o escudo anti-mísseis em Praga e em Brno, e outras se preparam frente às embaixadas tchecas em várias cidades européias. Este movimento pela paz é mais fraco na Polônia, mas Varsóvia não conseguiu ainda que Washington concretize a oferta de fortalecer sua defesa anti-aérea. No término da reunião do dia 1º deste ano, entre Condolezza Rice e Sikorski, o porta-voz do ministro polonês assinalou que “definitivamente não há acordo” quanto a isso (The Washington Post, 02/02/2008). “Em última instância, será necessário vender o projeto às pessoas”, arrematou. Como costumava dizer H. L. Mencken, sempre há uma solução para todo problema humano: elegante, plausível e equivocada.
A OTAN, por sua vez, não fica atrás do Pentágono: patrocinou a redação de um informe intitulado “Rumo a uma estratégia central para um mundo incerto: renovar a associação transatlântica” (www.csis.org). Os ex-chefes do Estado Maior, General John Shalikashvili (EUA), General Klaus Naumann (Alemanha), Marechal de Campo Lord Inge (Reino Unido), o Almirante Jacques Lanxade (França) e Henk van den Breemen (Países Baixos), elaboraram o dito informe no que se propõe o emprego preventivo de armas nucleares como “instrumento final de uma resposta assimétrica” ao terrorismo (www.noaber.com, dezembro de 2007). A dar-se conta de que o Pentágono preparou planos similares sem descartar sua aplicação para a Rússia e a China, não é muito alentador para a humanidade o que surge no horizonte.
Os autores do informe para a OTAN justificam de maneira muito curiosa o lançamento antecipado de bombas nucleares: consideram que “a guerra nuclear poderia muito em breve ser um fato possível num mundo cada vez mais brutal”. Cabe se perguntar se pensam em lançá-las sobre a Casa Branca.