A Césaire o que é de Césaire

O garoto da foto é Aimé Césaire, que neste dia 25 de junho, se estivesse vivo, completaria 99 anos. Embora seja um dos principais frequentadores da sala deste malandro que vos fala, Césaire é pouco conhecido no Brasil e poucos dos que o conhecem, fazem ideia do poder de fogo de suas palavras. Esperto até o dia 18 de abril de 2008, quando se despediu deste mundo que ele mudou e viu mudar, deixando órfãos os habitantes de Fort-de-France (a cidade em que viveu e foi prefeito durante 56 anos e de onde praticamente não saía) era muito pouco afeito a louros e elogios, rebelde até o último dia de vida, atento às coisas do mundo e profundamente antilhano. A ele é atribuída a invenção do vocábulo Negritude.

Se é pouco conhecido, também veio poucas vezes ao Brasil. Se incomodava com o aspecto assimilacionista da nossa cultura, o que não o impediu de escrever uma bela “Lettre de Bahia de Tous les Saints”. Era interlocutor e admirador de Abdias do Nascimento, o criador do TEN – Teatro Experimental do Negro. Esteve no Brasil por ocasião de um Colóquio Afro Latino Americano, em 1963 onde apresentou a comunicação “A filosofia vitalista dos bantos e sua influência na América Latina”. Sua vinda passou desapercebida para quase todos, mas não para o poeta Carlos Drummond de Andrade que, para registrar o fato, publicou um pequeno texto em que dizia: “Aimé Césaire esteve no Rio e quem soube?” Comentou um pouco sobre a obra dele (“um dos poetas mais representativos de nosso tempo”, disse) e lembrou André Breton que via em Césaire “um negro que maneja a língua francesa como não há um francês para manejá-la”. Aproveitou também para traduzir o poema “Batuque” (uma das poucas traduções existentes de sua poesia no Brasil, e publicada recentemente numa bela antologia da Poesia traduzida por Drummond organizada por Augusto Massi e Julio Castañon Guimarães para a Cosac Naif):

batuque
quando o mundo ficar mais nu e ruivo
que nem a matriz calcinada pelos grandes sóis do amor
batuque
quando, sem sindicância, for o mundo
um coração maravilhoso onde se imprima o cenário
dos olhares em cintilante fragmentação
pela primeira vez
quando os magnetismos pegarem as estrelas na ratoeira
quando amor e morte forem
a mesma conbra-coral restaurada em volta do braço sem joias
sem defesa
sem picumã
batuque do rio engrossado com lágrimas de jacaré e chicotes à deriva
batuque das árvores das serpentes, de dançarinos de campina
rosas de Pensilvânia olham os olhos, o nariz, os ouvidos, as janelas da cabeça serrada
de supliciado
batuque da mulher de braços de mar, de cabelos de fonte submarina
a rigidez cadavérica transforma os corpos
em pranto de aço
(…)

Reproduzo abaixo um vídeo feito pelos slammeurs Lunik, Seisma et Säb em homenagem ao poeta mais vulcânico da língua francesa no dia seguinte à sua morte.

2 pensou em “A Césaire o que é de Césaire

  1. Oi Katyuscia! O poema “Batuque” saiu numa antologia recente de Poesia Traduzida do Drummond, da CosacNaify. É um pouco longo, vou ver se boto um trecho aqui pra vc que está longe das livrarias brasileiras. Abração pra vc tbm.

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