Marselhesa para sangues impuros

Em pré-venda pela Urutau, Leo Gonçalves lança novo livro de poemas que dialogam com questões humanas da contemporaneidade, tais como as migrações, as identidades e coletividades afetivas em suas novas formas, a passagem do tempo.

Leo Gonçalves lança seu novo livro de poemas Marselhesa para sangues impuros pela editora Urutau. O livro se encontra na pré-venda até o dia 26 de junho de 2025, com direito a diversas opções de apoio. A pré-venda é ao mesmo tempo uma maneira de garantir o seu exemplar antes mesmo do livro ir para a gráfica e de apoiar a iniciativa editorial. Ao clicar no link, vá em “apoiar” e escolha a sua modalidade de aquisição. O livro pode ser digital ou impresso, com dedicatória do autor, e várias modalidades com brindes da editora.

Marselhesa para sangues impuros é um projeto que vem sendo desenvolvido há vários anos por Leo Gonçalves. Muito mais que pensar o lugar de fala, os poemas do livro apontam para um lugar de destino: os povos mistos e multicoloridos que ampliam as muitas línguas e linguagens que habitam o planeta na contemporaneidade. É também uma declaração de lugar de enunciação: seguindo um pensamento de Gary Snyder, de que o poeta deve ter consciência da sua aldeia, o poeta declara aqui a sua busca por “habitar” um planeta como se fosse sua própria cidade, encarando nele as suas contradições e buscando reatar os diferentes povos que o colonialismo separou.

No poema que começa com o verso “eles nos viram rezar”, Leo reencena e reinterpreta o tempo e o espaço de um mundo que viveu (e ainda vive) sob o fantasma da supremacia branca, capaz de se apropriar de tudo o que possa ser produzido pelos “outros” e chamar esses objetos de seus. Mas não se trata de um poema raivoso, apenas de uma redistribuição de lugares. Sim: ao se apropriar do jazz, do blues, do samba, essas coisas se tornaram suas. Mas então você criou uma modalidade disso que é sua, sem que jamais aquelas produções negras deixem de existir também, concomitantemente, com outros contornos, com outros significados.

eles nos viram rezar
pensaram que rezando
éramos fiéis
ao sonho deles
ao deus deles
ao mundo deles
e éramos, sim
fiéis a tudo isso
enquanto nos amávamos
num espaço só nosso
assim debaixo de seus narizes
organizávamos uma revolução
(…)

Em “Calunga nguma”, poema que aparece na divulgação, o poeta retoma as diversas vozes que preenchem o fundo de sua subjetividade, conectando clássicos como “O cemitério marinho”, de Paul Valéry, que foi publicado em tradução sua em parceria com Paulo de Toledo em 2023, versos do cantor Bonga (“Mona ki ngi xika”) e uma melodia bantofônica, em busca da antiguidade negra que o poeta Langston Hughes já evocava em seu famoso “O negro fala de rios”, que vai para muito além da mera experiência da escravidão. Calunga nguma significa a morte. E muito mais que a morte. “Calunga é tudo aquilo que é profundo”, diz o verso.

Leo evoca também o tema da marronagem, quer dizer, da fuga. Para além do aquilombamento, o poema aqui funciona como um direito de viver apesar dos governos e das ideologias da extrema direita, cada vez mais avessas ao direito de migrar. Afinal, ao contrário da Marselhesa, o hino nacional da França, não é um sangue impuro que inunda o nosso chão, mas a força dos inúmeros povos que existem sobre a terra e que são capazes de se apaixonar pelo “outro”, pela diferença, por tudo aquilo que possa escapar às certezas de um mundo dominado pela ideia de supremacia capitalista, macha e branca.

fugir para buscar
o caminho que vai dar no sol
fugir feito um bebop
subterrâneo feito um trem
fugir para que a vida revide
fugir e enganar a morte
fugir em busca de um novo início
fugir porque vale a pena
fugir porque não vale
fugir sem passaporte
ter esse direito
o direito de fugir em paz

“Acredito que os poemas deste livro tenham nascido da minha tomada de consciência de que o mundo é multicolor e que, como dizia o poeta africano Tchicaya U’tam Si, “branco é cor de circunstância, negro é a cor de todos os dias””, declara o autor. “Ter andado por Marselha e encontrado ali uma França múltipla tem algo a ver. Ter me dedicado nos últimos 20 anos ao ensino da língua francesa também. Trabalhar em traduções de autores como Aimé Césaire, Léopold Sédar Senghor e Édouard Glissant é outro fator que combina para essa minha busca de uma escrita anticolonial ou que, ao menos, aponte para isso”, declara ainda.

Se contarmos as publicações nesse formato, esse seria o terceiro livro de Leo Gonçalves. Mas outros trabalhos vêm sendo pulicados ao longo dos vinte e um anos desde a primeira edição de das infimidades (2004), livro que marca a sua estreia na poesia. Leo Gonçalves também é o tradutor de autores como Aimé Césaire, Langston Hughes, Juan Gelman, William Blake e muitos outros. Vem trabalhando como tradutor profissional para editoras como a Bazar do Tempo, Civilização Brasileira e outras. Seus poemas aparecem em diversas antologias de poesia, publicadas no Brasil e também no exterior.

O livro Marselhesa para sangues impuros traz orelha escrita pelo poeta angolano Abreu Paxe:

com uma linguagem em sexualidade que ora fere e ora acaricia em eroticidade, o autor nos convida a revisitar a história, a questionar o presente do antropoceno e a construir um futuro onde a liberdade seja mais que uma palavra, mas a energia que pulsa em todos. marselhesa para sangues impuros expõe em cena os sentidos dos cantos/poemas (ovissungu) em sonoridades, visualidades, tactiabilidades como músculos da paisagem que deve residir na beleza humana.

Abreu Paxe

Por fim, se trata de um livro amoroso: “eu e você me dá bolhas de sabão no céu da boca”, é o poeta que canta em “ginga molho mandinga”. Poemas que declaram que há liberdade para se ser feliz em qualquer lugar. “aqui agora com você/ou onde a gente estiver”.

Conversa de abertura do Cineclube Mocambo: Dénètem Touam Bona e Leo Gonçalves

O ano era 2021. Ano do refúgio. Ano da peste.

Eu tinha ido morar em Bom Despacho para fazer o meu Decameron, minha fuga da pandemia. Para quem não sabe, o Decameron, de Bocaccio, é uma coleção de contos e novelas medievais. Dez pessoas narram cada qual dez histórias, para ocupar o tempo de seu refúgio em meio à epidemia de Peste Bubônica que se espalhou pela Europa naquele período.

As lives foram o Decameron da época.

Eu tive o privilégio de fazer algumas lives épicas. Esta foi uma delas.

Na abertura do Cineclube Mocambo, a convite do Gabriel Araújo e do Jackson Dias, eu pude conversar com Dénètem Touam Bona, autor de Cosmopoéticas do refúgio. Ele, que se considera um autor afropeu, organizou esse livro especialmente para a edição brasileira. Em diálogo e consonância com o pensamento de autores como Ailton Krenak, Daniel Munduruku, Labou Tam Si e, mais secretamente, de Édouard Glissant, ele apresenta o lindo pensamento do refúgio. A ideia da marronagem como uma iniciativa que subverte os modos de dominação próprias do capitalismo e de seu ancestral, o colonialismo. O quilombo, o mocambo, a marronagem, a aldeia indígena, a floresta seriam as melhores formas de refúgio contra um sistema que esmaga as populações do mundo e nos leva a uma rendição constante? Ou talvez isso se estabeleça pelas estratégias sutis, pela fuga, no sentido musical mesmo, pelo escape indireto mas eficaz diante daquilo que o sistema impõe?

É um pouco sobre tudo isso essa conversa.

Frederick Douglass

O livro Autobiografia de um escravo, de Frederick Douglass, foi publicado em 2021 pela editora Vestígio. Trata-se da famosa Narrative of the life of Frederick Douglass, an american slave. Um relato impactante e pungente da vida de um homem que, nascido na escravidão, acabou por se tornar consciente de sua condição, lutar por sua dignidade ainda em meio às mazelas do cativeiro, e lutar por longos anos até conseguir realizar uma fuga exitosa. Evento sem o qual este homem não teria se tornado o que se tornou: o homem negro mais influente dos Estados Unidos no século XIX.

A edição deste livro, bem como a sua tradução, introdução e notas, esteve a cargo de Oséias Silas Ferraz. O livro traz também um texto de apresentação de Silvio Almeida. Alguns dos poemas presentes ao longo do texto foram traduzidos por Guilherme Gontijo Flores. O texto da orelha foi escrito por Leo Gonçalves (eu-mesmo).

Douglass narra toda a sua vida até o momento da publicação, em 1945, quando ele tinha pouco mais de vinte anos de idade. Conta dos horrores da vida no ambiente da escravidão, das famílias para as quais ele prestou servidão, os diferentes trabalhos que um escravizado pode ter que fazer e as relações formais que era obrigado a manter nos diferentes ambientes.

Um momento marcante em sua trajetória é aquele em que uma patroa decide ensinar-lhe (ele muito menino) a ler e escrever. Ela seria obrigada a parar o processo, repreendida pelo marido que lhe explicou que a educação “era perigosa para os escravos”. Mas a partir de então, ele percebeu o quanto seria importante aprender a ler e a escrever. E foi aprendendo como pôde, autodidata e enxerido, sempre às escondidas.

Mais tarde ele usaria seu tempo livre, aquele que lhe era concedido aos domingos. “Tive uma escola sabática na casa de um negro liberto cujo nome considero imprudente mencionar (…). Tive em certo momento mais de 40 alunos, e daqueles da melhor espécie, desejando ardentemente aprender”, ele declara. E prossegue: Eram de todas as idades, embora a maior parte adultos de ambos os sexos. Lembro-me daqueles domingos com um praer tão grande que não pode ser expresso. Foram dias imensos na minha alma.” (p. 103)

Há várias passagens emocionantes no livro, mas para mim, nada se compara a esse momento: “O trabalho de instruir meus queridos companheiros de escravidão foi a tarefa mais doce com a qual eu alguma vez fui abençoado. Nós nos amávamos, e deixá-los a fechar o Sabbath era mesmo uma pesada cruz.” (p. 103) E mais adiante:

Essas almas queridas não vinham para a escola sabática porque isso fosse popular, nem eu os ensinava porque fosse respeitável estar assim ocupado. A todo momento que eles passavam naquela escola, eles corriam o risco de serem pegos e de tomarem 39 chibatadas. Eles vinham porque queriam aprender. Suas mentes estavam morrendo à míngua por conta da crueldade de seus senhores. Eles foram trancados na escuridão mental. Eu ensinava a eles porque era um deleite para a minh’alma estar ocupado em algo que parecia estar melhorando a condição da minha raça.

Essa passagem faz um relato de cumplicidade, afeto, coragem, persistência, como poucos relatos na literatura foram capazes de produzir. É pungente o modo como vai sendo denunciado ao longo da obra, o esforço dos proprietários brancos para reduzir a mente dos seus escravizados, transformando-os em meras máquinas, máquinas cansadas, máquinas sem vida, sem esperança. Assim, quando Douglass relata o tempo de suas aulas de alfabetização, ele consegue mostrar o quanto esse esforço dos fazendeiros era vão. Que quando muito, essas almas se recolhiam no interior de mais e mais camadas. “Eles eram almas nobres”, ele conclui.

Livro: Autobiografia de um escravo
Autor: Frederick Douglass
Tradução: Oséias Silas Ferraz
Editora: Vestígio
Ano da edição: 2021
Apresentação: Silvio Almeida

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Texto da orelha:

por Leo Gonçalves

Em 2015, o estado de Maryland ganhou notoriedade devido a uma violenta onda de protestos, após o assassinato do jovem negro Freddie Gray, morto pela polícia. Sinistras estruturas ligam a história de Freddy Gray a outras pessoas negras desde o século XVII, quando Maryland se destacou no mercado mundial através do tabaco e da escravidão negra.

Foi também em Maryland que nasceu o primeiro gênero literário protagonizado por pessoas negras nos Estados Unidos: a narrativa de escravos. O pioneiro foi Ayuba Suleiman Diallo, abastado senegalês capturado em 1731 e levado para Maryland como escravo. Esperto e inteligente, ele não aceitou a nova condição e usou diversos expedientes para escapar. Suas histórias foram registradas no livro Algumas memórias da vida de Job, filho de Solomon (1734).

A Narrativa de Escravos teve, desde então, enorme lista de autores: James Gronniosaw, Olaudah Equiano, William Grimes, Nat Turner, William Wells Brown, Henry Bibb, Charles Ball, Moses Roper, Lewis e Milton Clarcke, Sojourner Truth, William e Ellen Craft, Harriet A. Jacobs, Jacob Green, William Wells Brown, Josiah Henson e tantos outros que acabaram por influenciar o discurso do ativismo negro no século XIX. O gênero no qual o ex-escravo encontra um meio de organizar suas memórias e descrever suas experiências mais pungentes continua a ser foco de interesse e atenção, haja visto o sucesso do filme Doze anos de escravidão (2013), baseado nas memórias de Solomon Northup.

Frederick Douglass, importante figura da história americana, símbolo de luta e resistência para os movimentos negros, nasce e começa a encontrar uma espécie de terra natal neste interessante livro. Sendo o que se chamava “escravo para toda a vida”, aprendeu a ler por seus próprios meios, enfrentando obstáculos e inventando estratégias para obter o aprendizado, que lhe abriu a dimensão subversiva da leitura e do conhecimento, que os proprietários brancos tratavam como ruim para os negros algo que lhes traria infelicidade.

Neste livro, Douglass se vale de todas as técnicas de escrita que tem à mão, inventando uma poderosa obra literária, e de um sucesso inaudito. Floreada de versos potentes aqui ali, e recursos avançados de inversão de frases, evocando um tom bíblico, tudo em meio a uma sedutora narrativa que deixará o leitor pendurado nos lábios do narrador, esta Narrativa de Escravo se estabelece como um momento único e marcante na história literária dos Estados Unidos.

O garoto perdido e solitário, sem pai nem mãe, sem origem nem pátria, exilado em seu próprio país, acaba por descobrir sua terra natal: a palavra, que o tornaria mais tarde o mais célebre dos homens negros nascidos no século XIX. Seus escritos, bem como sua imagem que se repete incessantemente até os dias de hoje, mostram um olhar profundo, tomado da coragem de fazer a diferença na luta pela libertação de seu povo. O mesmo povo que ainda se vê diante de aflições impostas por descendentes daqueles que outrora os raptaram, escravizaram e tiraram tudo, até a respiração, a exemplo dos tantos Freddie Gray e George Floyd de hoje e de sempre.

Entrelinhas, entremontes

Versos contemporâneos mineiros

O ano era 2020, e era janeiro. Estávamos, como de costume, à beira de grandes acontecimentos. Viagens em torno à poesia (que só aconteceram tempos depois), lançamentos de projetos novos, muita disposição para ir adiante. Também já nos rondava a notícia de que uma pandemia viria para assustar as nossas vidas. Quando tivemos a triste notícia da partida de um dos nossos mestres inventores: o poeta Marcelo Dolabela havia partido.

No entanto, a belíssima antologia Entrelinhas, entremontes: versos contemporâneos mineiros já se anunciava. Como as melhores coisas destas Minas Gerais, o livro vinha de uma longa gestação, organizado por nosso querido (e já então saudoso) Marcelo Dolabela, pela Vera Casa Nova e por Kaio Carmona. A edição ficou a cargo da belorizontina Quixote-Do.

A editora e seus autores pretendiam (e desejavam) que o livro fosse lançado ali por volta do mês de maio. Mas outra má notícia atrapalhou os planos. A pandemia já havia colocado uma imensa parte da população mundial em clima de pavor, isolada e impossibilitada de participar de qualquer encontro onde houvesse mais pessoas. Não fizemos lançamento algum, tendo ficado a expectativa de, em algum momento, fazermos o encontro de maneira presencial. Momento ainda guardado na nossa imensa câmara dos desejos.

São ao todo sessenta e um poetas que participam cada qual com sua particularidade e diversidade, marca tão forte na poesia produzida em Minas Gerais. Diversas formas e diversas maneiras de se abraçar a poesia, a antologia demonstra a força da poesia que aqui se faz. Neste mesmo livro você lerá a imagética poesia de um Antonio Barreto, os achados e percepções perspicazes de uma Ana Martins Marques, a poesia-cinema de Emilia Mendes, a síntese quase-zen de Camilo Lara (outro que também, para nossa tristeza, se foi enquanto a antologia era organizada). É possível se ler ainda: a poesia pura-linguagem de Adriana Versiani, a poesia-mergulho de Adriane Garcia, com sua multiplicação de peixes em estado de ironia, o despojamento transgressor de Renato Negrão, a doçura lúcida de Maria Esther Maciel e assim por diante. Uma surpresa após outra, passando por Edimilson de Almeida Pereira, os poemas dos próprios organizadores Marcelo Dolabela, Kaio Carmona e Vera Casa Nova (pontos altos na publicação), Sérgio Fantini, Sônia Queiroz, Mônica de Aquino, Bruna Kalil Othero, Fabrício Marques e mais uma lista tão repleta de surpresa quanto rica em nos fornecer um gostinho de quero mais, já que ainda há muita coisa incrível produzida em Minas que não aparece aqui.

Colaboro nesta antologia com meus ritmos de tambor e minhas conversas em busca do ngunzu entre as palavras.

A obra traz ainda um texto introdutório de Domício Proença Filho. Um texto interessante, embora peque no excesso de avaliação e busca de tendências. Ele declara, no entanto, o papel da poesia viva de Minas. “Em síntese, os textos reunidos em Entrelinhas, entremontes: versos contemporâneos mineiros evidenciam, sem esghotar, as tendências configuradoras, a continuidade de aspectos significativos da dispersão assinalada”. Embora ele se perca nas ilusões da temática, da rima e do verso livre (coisas quase desimportantes neste século XXI e, principalmente, na antologia que ele mesmo apresenta), ele busca mostrar a possibilidade do encontro entre o leitor e a poesia, todos reunidos num mesmo espaço: “nas terras mineiras, a poesia vive”, arremata.

A edição ainda ganhou um adendo: sua versão podcast, na qual você poderá ouvir cada um dos muitos poemas presentes no livro. A série pode ser ouvida no spotify, no seguinte link: https://open.spotify.com/show/2UeizQCN1lYLuak7p87B41.

Para comprar o livro, você pode procurar o seu livreiro preferido, online ou pessoalmente. E pode também ir direto no link da editora: https://quixote-do.com.br/produto/entrelinhas-entremontes-versos-contemporaneos-mineiros/

*

A título de amostra, deixo aqui um poema de Edimilson de Almeida Pereira:

Na casa da palavra

os homens que falam poeira cadê sua miséria
comentam o motivo de falarem poeira cadê
sua miséria.

Poeira cadê sua miséria não é só poeira cadê
sua miséria: mas o ovo de outras coisas.

Os homens que falam poeira cadê sua miséria
se vestem de poeira cadê sua miséria. Eles se
conhecem desde o-ó-do-mundo pela música
que poeira cadê sua miséria faz neles.

O modo de falar poeira cadê sua miséria deixa
a língua no sal.

Os homens que falam poeira cadê sua miséria
treinam de usá-la. E nunca repetem o que dis-
seram no camaleão poeira cadê sua miséria.

*

Poetas que participam desta antologia:

Adriana Versiani, Adriane Garcia, Adriano Menezes, Alexandre Rodrigues da Costa, Alícia Duarte Penna, Álvaro Andrade Garcia, Ana Caetano, Ana Elisa Ribeiro, Ana Martins Marques, Angélica Amâncio, Antonio Barreto, Brenda Mar(que)s, Bruna Kalil Othero, Caio Junqueira Maciel, Camilo Lara, Carlos Augusto Novais, Carlos Ávila, Carlos Barroso, Dagmar Braga, Daniel Arelli, Djami Sezostre, Edimilson Pereira de Almeida, Elaine Oliveira, Emília Mendes, Erick Costa, Fabrício Marques, Flausina Márcia, Flávio Boave, Francesco Napoli, Gean Simões, Gilberto de Abreu, Inês Campos, José Américo Miranda, Jovino Machado, Júlio de Abreu, Kaio Carmona, Kiko Ferreira, Léo Gonçalves, Lúcia Afonso, Luciana Tonelli, Luiz Edmundo Alves, Malluh Praxedes, Maraíza Labanca, Marcelo Dolabela, Marcus Vinícius de Faria, Maria Esther Maciel, Mário Alex Rosa, Mônica de Aquino, Natália Menhem, Paula Vaz, Renato Negrão, Rodrigo Leste, Ruth Silviano Brandão, Sônia Queiroz, Sérgio Fantini, Simone de Andrade Neves, Simone Teodoro, Teodoro Rennó Assunção, Thaís Guimarães, Vera Casa Nova, Wagner.

A sopa de pedra mole

Leuk, a lebre, tem fome. Muita fome. E há semanas, está cruzando a savana em busca de algo para comer. Ao chegar numa aldeia, bate à primeira porta que encontra e se depara frente a frente com a pouco amistosa hiena Buki. Leuk, que tem sempre um truque na cachola, convence a hiena a emprestar-lhe seu caldeirão nem muito sujo nem muito limpo para preparar uma deliciosa sopa de pedra mole… Muito conhecido na Europa e na Ásia em suas diversas versões, esse conto popular, aqui cozido à moda africana, fala da solidariedade em tempos difíceis. Com esta sopa inusitada, todos vão sair saciados e com o coração amolecido!

Em 2021, saiu pela editora V&R, o livro infantil A sopa de pedra mole, do camaronês Alain Serge Dzotap e com ilustrações de Irène Schoch, com tradução de Leo Gonçalves (yo). Trata-se de uma história tradicional, um conto da carochinha, contado em diversas culturas. Aqui, o autor enche a sopa de dendê e temperos africanos: os personagens aqui presente são inspirados no famoso livro (para quem cresce em contexto afro-francófono) de Léopold Sédar Senghor e Abdoulaye Saadji, La belle histoire de Leuk-le-lièvre.

O livro pode ser encontrado nas melhores livrarias do ramo, nos sites de livros e no site da editora (https://www.vreditora.com.br).

Você também pode conhecer mais sobre o livro no episódio 19 dos Contos da Quarentena, podcast de Nina Rizzi (clique aqui).

Confluències poètiques

Nos dias 16, 17 e 18 de março de 2022, participo do evento Confluências Poéticas, na cidade Barcelona. O evento contará com a presença de poetas de Minas Gerais (Brasil) e da Catalunha (Espanha). Serão três dias de conversas sobre poesia e também três dias de muita leitura de poesia. De muito estado de poesia. De muito espaço dado para o voo das palavras. Dias nos quais esperamos que a poesia seja um modo de estarmos presentes.

Poetas que participam:

Ana Elisa Ribeiro
Ana Martins Marques
Eduardo Escoffet
Ester Xargay
Leo Gonçalves
Míriam Cano
Nívea Sabino
Renato Negrão
Ricardo Aleixo
Victor Sunyol

O evento acontecerá na Casa Amèrica Catalunya | C/ Còrsega 299, Entresuelo.

Para mais informações, visite o Site da Casa Amèrica Catalunya (clique no link).

Para conhecer a programação completa, as mesas, as mediações e poetas, baixe o dossier (clique no link).

Uma outra história

Uma coletânea onde seis autores conversam sobre negritude, literatura e identidade. Itamar Vieira Júnior pensa, de forma poética no que ele chama de “descobrimento das palavras”. Djamila Ribeiro explora as influências que contribuíram para que ela se tornasse uma das maiores vozes do movimento negro da atualidade. Edwige Danticat retrata a vida de Marie Micheline, que ecoa a trajetória de violência no Haiti em uma história de tirar o fôlego. Registramos ainda uma conversa histórica entre Allan da Rosa e Marcelo D’Salete, que refletem sobre o passado e o presente do pensamento negro no Brasil. Por fim, Alain Mabanckou discorre a respeito de como deslocamentos e imigrações podem afetar a identidade e o trabalho do escritor. (Citado a partir do texto de quarta-capa)

Livro: Uma outra história: textos contemporâneos
Autores: Zélia Amador de Deus, Itamar Vieira Júnior, Djamila Ribeiro, Edwige Danticat, Allan da Rosa e Marcelo D’Salete, Alain Mabanckou
Editora: TAG

Tradução do texto “Elogio das fronteiras”, de Alain Mabanckou: Leo Gonçalves

A África não está mais somente na África. Se dispersando pelo mundo, os africanos criam outras “Áfricas”, tentam outras aventuras talvez salutares para a valorização do continente negro. Reivindicar uma “africanidade” é uma atitude fundamentalista e intolerante. O pássaro que não voou da árvore sobre a qual nasceu compreenderá o canto de seu compradre migratório? Precisamos de uma confrontação, de um cara a cara das culturas. Pouco importa o lugar.
O desafio consiste em reportar de nossos diferentes “pertencimentos” o que poderia dificar positivamente um destino comum assumido.

Alain Mabanckou, “Elogio das fronteiras”

Justiça climática

Justiça climática: esperança, resiliência e a luta por um futuro sustentável é o título do livro de Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e enviada especial da Onu para mudança climática. Publicado em 2021 pela editora Civilização Brasileira, ele relata histórias de esforço e resiliência diante de um problema que vem aumentando com o avanço do neocapitalismo: o problema da justiça climática.

Degelo noAlasca e no Ártico, seca no norte africano, inundações no Mississippi, uma ilha no Pacífico que naufraga um metro a cada ano, a luta por sobrevivência em meio às crises climáticas nas florestas do Vietnã. Essas e muitas histórias são narradas por essa mulher que representa hoje uma das maiores forças na luta contra os efeitos das mudanças climáticas no mundo.

A Justiça Climática é a constatação de que quem sofre com as consequências das emissões de gases nas grandes cidades do planeta são, geralmente, os povos das periferias. Como fazer justiça a esses povos? Como dar a eles o direito de reagir e sobreviver em um mundo que parece não se importar com o aumento cada vez mais excessivo dos poluentes?

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. No entanto, quando se trata dos efeitos da mudança climática, nada além de injustiça crônica e corrosão dos direitos humanos entra em cena. Por bastante tempo, muitos países negaram a evidêrncia, buscando encontrar desculpas para a inação. (…) Nós não podemos mais pensar sobre mudança climática como um problema em que os ricos fazem caridade aos pobres para ajudá-los a lidarcom seus impactos adversos”, ela afirma.

Livro: Justiça climática: esperança, resiliência e a luta por um futuro sustentável
Autora: Mary Robinson
Tradutores: Leo Gonçalves e Clóvis Marques
Editora: Record
Número de páginas: 192
Ano da edição: 2021