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O mundo precisa de poesia

Para quem atua na área cultural, ou por ela se interessa, o assunto da última semana foi o “Caso Maria Bethânia”, que surgiu devido à nota perpetrada pela Folha de S.Paulo na última quarta-feira (16 de março). Segundo o jornal, o Ministério da Cultura teria aprovado R$ 1,3 milhões a serem captados “para a criação de um blog”, o projeto “O mundo precisa de poesia”. As nuances do fato viraram tema central em diversas rodas de conversa, twitters, facebooks e se você procurar na rede verá um sem número de blogueiros, jornalistas e a própria ministra Ana de Hollanda lançando suas opiniões e esclarecimentos. O projeto aprovado de Bethânia é, na verdade, para a execução de 365 filmes de aproximadamente 60 segundos, dirigidos por Andrucha Waddington e produzidos pela Conspiração Filmes e a aprovação se deu ainda no governo Lula, sob a batuta do ministro Juca Ferreira, ficando para o ministério atual a homologação.

A reação foi imediata. O cantor Lobão já chegou tuitando de sola: “Devolve essa porra Bethânia”. Outros se voltaram contra o MinC, eco da insatisfação quanto à crise do direito autoral. Houve quem dissesse que essa aprovação é uma política de classe média. Tudo isso parece muito interessante. Posso até concordar com diversos desses pontos de vista, mas eu gostaria de chamar a atenção especialmente para o fato que realmente afeta este que vos fala. O mundo precisa de poesia.

Seria injusto partir apenas do ponto de vista acusatório, atacando a pessoa da cantora. Sou um grande admirador de Maria Bethânia, a forte ligação que ela sempre teve com a poesia desde o início de sua carreira. É inegável o papel que teve ao gravar poetas como Waly Salomão, Antonio Cícero, Capinam, Cacaso e tantos outros. Qual outra cantora brasileira se dá o trabalho de gravar todo um cd só com poemas de um Fernando Pessoa? O mundo precisa de poesia e de pessoas que brilhem como Maria Bethânia, e que ainda assim são capazes de apostar nos enjeitados, nos outsiders, nos artistas sem lugar e de fazê-los brilhar. O mundo precisa de coragem.

O ponto que não foi até agora discutido é: se o mundo precisa de poesia, o que fazer com os poetas? Ao contrário da maioria, que considera um crime a Bethânia receber dinheiro público (via renúncia fiscal) para sustentar seu trabalho artístico, eu vejo motivos para felicitá-la. Não vejo problemas em se pagar bem a execução de um blog durante um ano, não vejo por que o artista precisa ganhar menos que um deputado ou um advogado. Só não gostaria que esses artistas a ganhar bem fossem apenas os famosos de carteirinha. Falando em claro português: que política pública do governo oferecerá, como ofereceu à Bethânia, recursos para quem realmente trabalha com poesia.

Quero que prestem bastante atenção: o projeto é de uma pop star com o desejo de incentivar a fruição de poesia no Brasil. Não estou nem um pouco afim de dizer que não é válido. Os poetas deveriam, antes, tomar a iniciativa com bons olhos. Os patrocinadores de Bethânia provavelmente terão orgulho em investir tantos milhões em poesia. Isso é inédito no Brasil.

No dia 17 de março, começou em Belo Horizonte mais uma edição da ZIP/Zona de Invenção Poesia &, comandado por Ricardo Aleixo, Chico de Paula e Bruno Brum. O evento, como eu já disse antes, é um dos melhores acontecimentos da poesia brasileira. Uma edição da ZIP, certamente formará vários novos leitores, atrairá novos interessados em poesia e colocará em contato real poetas vivos e público. Quem tiver dúvidas a esse respeito, procure se informar sobre a repercussão das edições de 2006, 2005 e 1998.

Quanto dinheiro vem do governo para este evento? Em 2011, nenhum. Quantas empresas pedem renúncia fiscal para financiar a ZIP? Nenhuma. Todos, da coordenação ao poeta mais periférico, todos (repito) participam apenas por amor à causa.

Ricardo não entrou com pedido na Lei Rouanet nem em nenhum outro mecanismo de incentivo à cultura. Não desta vez. Vai indo, cansa. Palavras dele:

“em 2006, deixei claro que não voltaria a realizar nova edição da ZIP/Zona de Invenção Poesia & se não passássemos a dispor de recursos financeiros que nos permitissem desenvolver a proposta sem os sobressaltos típicos das ações culturais independentes. Sequer considerei, desde então, a hipótese de inscrever o projeto da ZIP nas leis de incentivo. Também decidi não gastar latim nos balcões dos órgãos públicos de cultura, com sua surdez funcional.”

Programas de promoção da poesia no Brasil têm investimento baixo. Idealizadores acabam passando por pedidores de esmola na porta de empresas que nunca toparão dar um tostão para promoção de uma arte que não dá visibilidade (dizem) às suas marcas.

Na via contrária dessa tendência, há alguns anos a Petrobrás vem disponibilizando uma parte do seu orçamento para a área de literatura. A ideia, que foi inovadora em seu momento, está no seu quinto ano. Funciona de uma maneira interessante: ela irá patrocinar (via Lei Rouanet, ou seja, renúncia fiscal) cerca de 20 escritores com trabalhos em vias de se concluir. O valor total destinado à literatura no último edital: R$ 810 mil. Nada mal. Poderia ser melhor, claro. Sempre pode. Que tal algo como… R$ 1,3 milhões?

Em novembro do ano passado, participei de um evento internacional: o III Simpoesia. Foram três dias interessantíssimos, com participação de alguns dos poetas de maior projeção no Brasil atual, ao lado de outros (como eu) que a maioria mal conhece. Experientes e inexperientes. Uma excelente oportunidade para conhecer pessoas como a canadense Erín Moure, poeta e tradutora, tradutorapoeta e poetradutora e o estadunidense Bruce Andrews, um dos editores do lendário jornal L=A=N=G=U=A=G=E. Aconteceu na Casa das Rosas. Passaram por ali, não apenas o excelente time de poetas convidados, mas também um público super diversificado que povoou de boas conversas e muita poesia a maior casa destinada à literatura na América Latina. Virna Teixeira, a principal organizadora do projeto, teve que fazer tudo com sua imensa boa vontade. Houve investimento? Houve. Mas ela não conseguiu pagar o cachê de nenhum dos poetas participantes.

Chacal comanda há mais de 20 anos o CEP 20.000 lá no Rio de Janeiro, sempre na dúvida se no próximo mês será possível realizá-lo. Em Montes Claros, o Psiu Poético, comandado pelo Aroldo Pereira, também já conta seus 25 anos de vida e já se tornou um evento tradicional. Não há poeta que não conheça. Quanta grana sai pro Psiu? Aroldo mal consegue pagar a passagem de alguns. Há mais ou menos 2 anos, a Bienal de Poesia foi cancelada às vésperas em Brasília. Motivo: falta de verba. As famosas Terças Poéticas de Wilmar Silva, embora tenham dinheiro do estado, também são levadas adiante aos trancos e barrancos. No final dos anos 1990, Guido Bilharinho parou de editar (por falta de verba) a longeva revista Dimensão. Claudio Daniel até hoje edita com dificuldade a revista Zunái, uma publicação virtual. A revista Coyote, editada por Marcos Losnak, Rodrigo Garcia Lopes e Ademir Assunção, a cada novo número, se vê sob a ameaça de não poder continuar.

Se o mundo precisa de poesia, resta saber então qual poesia merece ser financiada pelo governo. Como comentado no maldoso editorial de domingo (20 de março) da Folha de S.Paulo, 100% das empresas brasileiras só patrocinam mediante renúncia fiscal. A equipe de Bethânia não conseguirá levar adiante seu projeto sem aprová-lo junto ao governo. Mais que isso: ela não o levará adiante se não tiver a grana. O que resta saber é se seu projeto beneficiará (direta ou indiretamente) quem realmente “milita” (a palavra para quem faz o que o Ricardo Aleixo, a Virna Teixeira e todos os poetas citados acima fazem, é exatamente esta: militância) pela presença da poesia no mundo. Resta saber se Maria Bethânia valerá seu título de abelha rainha e fará de nós um instrumento de seu prazer.

ZIP – Hoje!

E para quem ainda não se inteirou, aí vai a intimação: a partir das 19h de hoje estará rolando a ZIP – Zona de Invenç~ao Poesia &. Aviso aos sãopaulocêntricos e cariocômanos: esta Zona é um dos melhores acontecimentos de poesia desta república das letras. No comando, um time foda: Ricardo Aleixo, Chico de Paula e Bruno Brum na curadoria, Sabrina Bueno na produção executiva e Raquel Pinheiro na finalização video-instalação e Daniel Mendonça, que colaborará no apoio técnico de áudio. Serão mais de cem poetas entre os que enviarão seus trabalhos e os que estarão presentes.

A inauguração é hoje, quinta-feira, 17 de março de 2011 a partir das 19h no Centro Cultura UFMG. As outras sessões serão sempre nas sextas-feiras, incluindo amanhã.

E numa dessas, eu também estarei lá com mais uma noite de POEMAQUMBA. Fique antena!

Quer saber quem participa da ZIP? A lista é longa, clique aqui para lê-la.

Rock’n poetry no carnaval de Sampa

Para quem for ficar em São Paulo no carnaval, dia 08, terça-feira gorda, a partir das 23h tem Rebelião na Zona Fantasma. Concertopoesia de Ademir Assunção com sua banda: Marcelo Watanabe (guitarra, violão e vocais), Caio Góes (baixo) e Caio Dohogne (bateria).

A paradinha é na Coletivo Galeria. Para saber mais, dê uma olhada no site da www.coletivogaleria.com.br

Vale a pena também dar uma sacada no blogue do Ademir Assunção.

Flagrantes do tempo de Luciana Tonelli

Para quem gosta de poesia boa e respirável, a dica é não perder este lançamento.

Flagrantes do tempo: poema-reportagem na Pauliceia, de Luciana Tonelli.
Dia 16 de fevereiro, às 18h30 na livraria Martins Fontes (Av. Paulista, 509)

Adianto que o livro está uma belezura, repleto daquela rebeldia bem própria da Lu, retratando momentos que cada vez mais fazem parte da experiência paulistana: o tempo e sua falta. O leitor encontrará ali também, além da parte inédita vencedora do Proac – programa de apoio à publicação do estado de São Paulo-, uma boa seleção de poemas éditos e inéditos da autora, de Flagrantes do poço (seu primeiro livro) aos deliciosos Poemanifestos. Uma festa.

Para saber mais sobre o livro, o lançamento e a Luciana Tonelli, é lá no site da editora:

www.editorapeiropolis.com.br

Édouard Glissant: un adieu, un salut

Esta semana, faleceu uma das figuras mais interessantes do “tout-monde”. Édouard Glissant: poeta, filósofo, anticolonialista ativo, romancista, alquimista do verbo, foi (e é) um dos melhores teóricos da diferença. Era ele quem dizia:

Não são só cinco continentes, há também os arquipélagos, uma floração de mares, evidentes, cujos mais ocultos já nos comovem. Não só quatro raças, mas não é de hoje, surpreendentes encontros (…). Não somente grandes civilizações, ou antes: a própria medida daquilo que chamamos de civilização cede à mistura dessas culturas das humanidades, vizinhas e implicadas. Seus detalhes engendram em toda parte, de toda parte, a totalidade. O detalhe não é um aspecto descritivo, é uma profundeza de poesia, ao mesmo tempo que uma extensão não mensurável.

Recentemente andei envolvido com a leitura do seu incrível livro Philosophie de la relation [Filosofia da relação], de onde saiu a citação acima. É uma descrição da poesia em extensão não descritiva. Ali são propostas inusitadas poéticas para a leitura do mundo e um abismo vertiginoso de palavras.

Segundo ele, dentro da glote que fala e cala, já vibra o poema original.

Eis que se ergueu uma palavra sagrada. Ora o poema, então o poema, gerado de si mesmo, começou a ser reconhecido. Assim deve ter sido pronunciada, talvez, nas pré-histórias de todas as literaturas do mundo, esse mesmo começo.

Ele se considerava um aimant du monde, um amante do mundo. Acreditava que “as quedas-d’água já vibram na fonte”. E defendeu em sua teoria a ideia de um mundo multifacetado até o infinito. A construção de uma universalidade não universal onde cada unidade valeria por um universo inteiro. Nada do típico medo do outro ou da vontade de dominar pela força para anular o diverso.

Na diversidade consentida, os diferentes não renunciam a se definir alhures, enquanto diferentes de si, mas não temem tampouco buscar, de maneira inopinada ou nova, ser identificáveis ao outro. É a eminência da diversidade de se estar assim multiplicado na ação e na paixão pelo mundo, mas de se achar somente reforçado quando ela se assinala ao reconhecimento de todos. Somente esse saber pode transformar. Nós estávamos, estaríamos ainda, imóveis no único. E o próprio desconhecimento de nossos saberes, quando são comuns, nos retira do lugar.

Embora ele tenha se despedido do mundo aos 83 anos no dia 03 de fevereiro, Glissant fará falta neste mundo 1984 que nos espreita.

A vertigem – Fedon, príncipe insigne

No último sábado, numa passagem rápida por BH, fui ver a peça A vertigem, com o grupo A Patela. Com texto de Patrícia Mc Quade, conta a história de Fedon, príncipe insigne que nos meandros da vida tornou-se escravo e filósofo, personagem de Platão, interlocutor de Sócrates. O monólogo traz à cena Robson Vieira. Num difícil trabalho corporal em meio à elocução do texto ricamente poético, Robson baila seu corpo mestiço em movimentos que nos remetem à Grécia, os discóbolos e a ideia da academia antiga. O espetáculo é dirigido por Claudio Márcio e teve curta temporada na Campanha de Popularização de Teatro. Em breve, pelo que sei, haverá uma outra temporada. Quando houver, deixo a dica e aviso aos desavisados.