Todos os posts de Leo Gonçalves

Sobre Leo Gonçalves

Leo Gonçalves é poeta, tradutor, curioso de teatro, música, cinema, política, culinária, antropologia, antropofagia, etnopoesia e etnologia, vida, educação, artes plásticas etc.

Revista Coyote #23

Demorou, mas graças ao aparecimento da Rô Candel, uma nova amiga, tenho finalmente em mãos a Revista Coyote número 23. Como sempre, ela está repleta de coisas boas. Dou destaque especial para o poema “Discurso por ocasião de um congresso internacional de pessoas jurídicas”, do Bruno Brum, que tive a honra de ver nascer e para as traduções do meu camarada Reuben da Cunha Rocha, dos poemas de Gregory Corso, dentre os quais me divirto em reproduzir um aqui. Mas tem mais: Moacir Scliar, Bernardo Vilhena, Márcia Tiburi, Beatriz Bracher e por aí vai. Para adquirir seu exemplar, é só encomendar no Sebo do Bac ou no site da editora Iluminuras.

Céu de Cambridge

Olho pra cima
e milhares de recém-nascidos
sangram da vela dos meus olhos;
filhos e filhas de cera derretida
sangrados do útero dos olhos.
Ah esta é a mais lenta das horas
nuvens das nuvens qual flores que demoram
até uma nuvem tornar-se todas
e eu ficar cego.

A última coisa que enxergo
é um pássaro no alto cantar destemido
e ainda ouvirei no céu seu último bramido
antes que a rajada arebente a asa.

[Gregory Corso traduzido por Reuben da Cunha Rocha]

Entrevista com Janaína Moreno

Janaína Moreno vai gravar seu primeiro disco e procura investidores. Entrou num sistema crowdfunding para arrecadar fundos. A coisa é simples e já bem conhecida por quem usa internet: você colabora e se torna apoiador(a) com algum dinheiro através do site e fica por dentro do processo de feitura, ganha um cd autografado, conversa com a cantora. Para fazer seu cd, ela e a produtora C2 chamaram o produtor baiano Luiz Brasil e o disco promete vir bonito e com surpresas.

[Para conhecer mais do projeto e colaborar, clique aqui.]

Quem já viu um show da Janaína Moreno sabe da energia que rola. Cantora com voz potente, bota a plateia para sambar sem dó. Vive rodeada de músicos incríveis e aproveita muito de seus quitutes de atriz, mãe e dama sedutora. Difícil sair de um show dela sem um sorriso imenso na cara.

Nascida em Belo Horizonte, foi uma das principais cantoras do projeto Samba da Madrugada, invenção do Miguel dos Anjos, Mestre Jonas, Dudu Nicácio e outros bambas de lá. Se mudou para o Rio de Janeiro em 2009 ao se sair vencedora no concurso Novos bambas do velho samba, organizado pela casa noturna Carioca da Gema, na Lapa. O crítico musical Sérgio Cabral a definiu como uma cantora “cheia de bossa e brasilidade”. Vem dividindo palco com grandes mestres da música brasileira: Alcione, Monarco e o saudoso Walter Alfaiate foram apenas alguns.

Nas idas e vindas, entrou como cantora num barco transatlântico, circulou por alguns países africanos, mergulhou um pouco mais nas culturas matrizes de seu samba, que mistura ritmos brasileiros como o coco, o maracatu, jongo, calango, congo e muitos mais.

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A Jana é pessoa das mais queridas para o Salamalandro. Me concedeu uma pequena entrevista em 2008, quando seu projeto estava no começo. Agora, mais que nunca, chegou o momento.

Por que Festeira? Como surgiu o nome?

Tive a necessidade de dar um nome e conceituar este trabalho solo quando fui selecionada para o concurso “Novos bambas do velho samba” que é uma realização tradicional do Bar Carioca da Gema e queria que meu show falasse da minha trajetória até então e que fosse honesto com meu momento de carreira. Foi então que começamos (eu, Andreza Coutinho e o Miguel dos Anjos) a pensar num nome que abarcasse tudo o que buscávamos. Festeira sou eu, mesmo. Uma festeira de mão cheia. Minha música “Festeiro” já sugeria o nome, mas snão foi o mais importante. O fundamental é que festeira é um adjetivo que retrata bem a mim e ao show. Misturo ritmos de festejos populares com o samba e o show se torna uma grande festa!

O que surgiu de novo com a experiência de cantar no Rio de Janeiro?

Tantas novidades! No Carioca da Gema eu tive a oportunidade de fazer o show de abertura de personalidades do samba como, por exemplo, Monarco, Wanderley Monteiro, Walter Alfaiate, Moacyr Luz, Tia Surica dentre outros. Além de colaborar com a minha pesquisa de novos sambas. Ouvi sambas que nem imaginava algum dia conhecer. O trabalho de observação destes que levam o samba como filosofia de vida, e com muito fundamento, me alimentou ainda mais de respeito. O samba é realmente muito generoso e eu lhe devo muito respeito. Com toda esta vivência, um amadurecimento do show foi algo natural. Mas ainda temos muito pra crescer.

Você é uma cantora que insere muito de sua experiência como atriz no palco. Como é isso para você?

Acredito numa arte que transforma o ser humano. Parece meio esotérico o que vou dizer: a arte tem poder de cura. a música transforma o ambiente, o deixa mais feliz, mais triste. Manipula-se com a arte várias qualidades de energia. O teatro me trouxe uma compreensão dramatúrgica da música. É como se eu pudesse provocar em quem me ouve sentimentos que nem sou capaz de prever, embora eu ache o máximo quando uma canção feita para fazer chorar provoque o riso de alguém. É a subjetividade da vida aplicada na arte. Minha arte não termina quando acaba a canção pois a canção traz a reflexão e quando o canto é associado ao gestual, este caminho se estreita. A atriz que me habita, sem dúvidas me aproxima do público. São duas artes complementares. Meu canto precisa do gestual, da expressão, da cura. Eu canto meus tormentos e quero ser entendida, e quero chegar o mais perto possível do coração das pessoas. A atriz me ajuda nesta tarefa.

Hoje em dia são poucas as cantoras da noite que tocam músicas autorais. Como é tocar as suas próprias músicas e as dos amigos no palco? Fazem menos sucesso que os clássicos? Seu público sente falta de poder encontrar um cd seu? Te perguntam se vc já gravou algo, costumam querer te “levar para casa”?

Eu navego muito de mansinho pelos caminhos da composição. realmente não é uma busca minha compor. Às vezes acontece de maneira natural. Me sinto mesmo é porta voz de palavras já ditas, de cantos de outros cantos. A convivência com compositores de minha geração me despertou interesse. Escolhi algumas composições deles para trabalhar e assim tenho feito. É uma forma de divulgar canções novas que são tão boas como grandes clássicos. Meu compromisso é simples. Quero transmitir o pensamento desta canção? Se a resposta for sim, pronto: eu canto! Elas fazem sucesso também. Me sinto feliz quando, no final, alguém me pergunta de quem é aquela canção, como faço pra ouvir, tem cd? Há um interesse nas pessoas em “me levarem para casa” (risos) como você diz e, maior que o interesse delas de “me levarem pra casa” é o interesse que eu tenho de ser levada (mais risos). Minha busca atualmente é trabalhar para conseguir gravar. Um disco é um nascimento para o música. Mas quero isso de forma substancial, portanto me mantenho ativa no trabalho, atenta aos sopros dos anjos, consciente de que casa segura é aquela que construímos tijolo por tijolo.

www.myspace.com/janainamoreno

6º Fan – Festival de Arte Negra

O Fan é sempre um acontecimento instigante. Conceitualmente bem estruturado, chegou à sua sexta edição aos trancos e barrancos, superando a (má) vontade política e todo tipo de percalço próprio de tudo o que se tenta fazer culturalmente no país. No seu longo histórico, já teve presenças inesquecíveis como a dançarina senegalesa Germaine Acogny (em 2006) e seu filho Patrick Acogny (em 2009). Inesquecível foi também a enorme exposição da memória da escravidão (em 2002, se não me engano), a revista Roda, o show de Jards Macalé com as Orquídeas.

A programação deste ano não deixa para menos. Homenagem ao Mestre Jonas, leitura-concerto com os poetas Abreu Paxe (Angola), Nina Rizzi (Fortaleza), Ronald Augusto (Porto Alegre) e Sebastião Salgado (Rio de Janeiro), oficinas de dança e de moda, muita música. Destaque especial para a presença da belíssima cantora Susana Baca, a embaixatriz da música afro-peruana e do artista pop senegalês Youssou Ndour, atual ministro da cultura de seu país.

Uma festa para quem (como eu) gosta de diversidade e exuberância.

Clique no link para saber mais e mais sobre o Fan: www.fanbh.com.br

No Escamandro novamente

“Os dois poemas (…) formam uma dupla autopalinódica, dando a sensação (curiosa, se pensarmos que palinódia espera uma mudança de posição através do tempo) de que tanto um quanto o outro pode ser o primeiro, e o segundo sua negação, numa espécie de oroboro que já se anuncia no anagrama de “desastres”e “destrezas”. Mas a graça principal está na fuga à dicotomia, à expressão dialética das contrariedades: em resumo, os dois poemas não se completam por oposição; eles são uma complementariedade disjuntiva, que sempre lança um espaço vazio que insiste em separá-los, pondo em xeque o nosso desejo de fechar o sentimento e sua concretização. O amor, como o corpo, é excessicamente concreto em suas dores e delícias, & ao mesmo tempo esquivo, ali onde o corpo falha, onde entra o corpo do outro, onde o próprio corpo é corpo do outro.”

Guilherme Gontijo Flores

A aparição dos meus dois poemas “Os desastres do amor” e “As destrezas do amor” no Escamandro, a convite do Guilherme Gontijo Flores e com a cumplicidade do Adriano Scandolara, Bernardo Lins Brandão e Vinicius Ferreira Barth, que também administram o blog (segunda aparição: a primeira também é recente, com minhas traduções dos poemas lésbicos de Paul Verlaine) já me trouxe algumas alegrias e diálogos interessantes. O encontro com Rosana J. Candeloro, professora de estética na UNISC, no Rio Grande do Sul foi das melhores.

Outra foi a apreciação que você vê citada acima, elogiosa sim, mas mais que isso, leitura das que gosto: afiada com o gume do poema, sem descascá-lo, apenas lançando claro-escuros. Do que agradeço.

Quem quiser ler na íntegra os Desastres e as Destrezas do Amor, é aqui:
/desastres-e-destrezas-do-amor-por-leo-goncalves/

Changó el gran putas

“Changó, tu pueblo está unido en un solo grito.”
Manuel Zapata Olivela

Às vezes, o inusitado acontece de maneira especial. Eu estava participando do Fliv – Festival Literário de Votuporanga, quando vejo na programação do Fórum de Dança (que costuma acontecer paralelo ao Fliv) o espetáculo Changó el gran putas, apresentado pelo dançarino togolês Vincent Harisdo. Me lembrei imediatamente de ter tomado conhecimento havia pouco do poema homônimo do colombiano Manuel Zapata Olivela.

Ao conversar com o dançarino e seu parceiro, o griot Bachir Sanogo, soube que Olivela havia sonhado ver aquele poema atravessando o Atlântico e ocupando as mentes dos africanos. Harisdo, que é de origem yoruba, comentou o quanto lhe parecia bom ouvir falar de seus deuses ancestrais do lado de cá, entre os descendentes que haviam sido privados da memória de seu povo.

O Changó el gran putas de Vincent Harisdo fala um pouco disto: as belezas imensuráveis das tradições africanas que habitam o corpo e a mente dos seus descendentes em todos os cantos do mundo. O quanto toda essa beleza tem sido escamoteada ao longo dos séculos, e o quanto nós resistimos mesmo assim, produzindo algumas das criações mais admiráveis (e admiradas) do nosso tempo.

O espetáculo, que traz o nome do orixá, é uma criação mestiça. Bachir Sanogo é descendente de uma longa tradição de griots malinkè. Com seus cantos em bambara e mossi, acompanhado de kamel ngomi (o instrumento de cordas que ele toca na foto acima), djembê, dumdum, cabaças e congas, ele sonoriza e dá vida aos passos do dançarino. Me falou de seus ancestrais como um povo vanguardista, pioneiros na domesticação dos cavalos (anterior aos árabes) e nas políticas de respeito à mulher (secularmente anterior às feministas do século XX). Uma das coisas que concluímos foi que, ao aceitarmos a África como nos é dada pela mídia mundial: um lugar de tristeza e dor, digno de pena e criações de ongs para enviar esmolas, estamos aceitando que a África que corre em nosso sangue é também esta.

Vincent Harisdo lembra que “gran putas” não é um palavrão, mas um grande elogio. Algo como “Xangô o fodão” ou “o puta deus Xangô”. Um oriki. Um oriki para nos lembrar que “gran putas” é esse povo que troa xangô pelo mundo afora, a começar pela dupla e seu ngunzu denso.

Para quem quiser conhecê-lo melhor: http://harisdo.free.fr/

Para quem quiser ouvir Bashir Sanogo: www.myspace.com/bachirsanogo
Quem quiser ler o poema de Manuel Zapata Olivela, olha aí o link para baixar o pdf: /chango-el-gran-putas-afro

Juliana Perdigão

Escrevo ainda sob os efeitos entusiasmantes do show de lançamento do cd Álbum desconhecido, que rolou na última quinta-feira, dia 10 de maio, no Teatro Oficina.

Não estou falando de uma nova Elis Regina, não é uma Clara Nunes do século XXI, tampouco uma Cássia Eller repaginada. Não é nada disso. Falo de Juliana Perdigão, cantora única que segue um caminho próprio em meio à nova cena musical brasileira. Com repertório diversificado, sua voz de timbre incomum, acompanhada de seu clarinete, ela se arranja em canções que vão das doçuras da diva à mais alegre marchinha carnavalesca.

Juliana não é nova na cena musical de Belo Horizonte. Eclética, é ela a clarinetista que tocava no grupo de chorinho Corta Jaca, do novo rock do Graveola e o lixo polifônico, cantora em diversas canções de Flávio Henrique e a voz da marchinha de maior sucesso no último carnaval: “Na coxinha da madrasta”. Faz parte da nova geração de compositores e músicos mineiros, ao lado de Kristoff Silva, Makely Ka, o já saudoso Mestre Jonas e muitos outros.

Bem humorado já desde o título, seu disco Álbum desconhecido não tem remakes de canções famosas. E Juliana prova que não precisa dar esse tipo de cancha para o público. Rodeou-se de uma seleção de artistas admiráveis mineiros e paulistanos. A começar pela banda: Maurício Ribeiro (teclados, violões, escaleta e arranjos), Thiakov (baixo), Matheus Bahiense (bateria e percussão) e Pablo Castro (guitarra). Não para por aí. No disco participam também músicos como André Abujamra, Carlos Careqa, Benjamin Taubkin, Rômulo Froes, Alaécio Martins, Bruno Santos, Daniela Ramos, Du Macedo, Luiz Gabriel Lopes, Gabriel Guedes e muitos outros, para que você se confunda entre os já famosos e os que ainda serão.

O Álbum desconhecido é desses discos que você precisa ouvir todos os dias. Para se manter vivo, para se manter alegre, a saúde em alta. Para que a vida valha a pena. Eu mesmo já estou viciado.

Para saber mais e baixar o disco, é aqui:
www.julianaperdigao.com.br

As amigas: cenas de amor sáfico

Há vários anos que traduzi a pequena série de poemas “As amigas”, de Paul Verlaine. Na época, lia vorazmente os rebeldes da literatura francesa, especialmente Lautréamont, Rimbaud, Baudelaire. Verlaine, que circulava entre eles (mas que não considero um rebelde), também sabia agradar.

Depois que traduzi, o meu desejo era o de repetir, numa edição bilingue, o feito do autor de “de la musique avant toute chose” e seu editor pirado: publicá-lo na forma de plaquete, com esse quadro do Klimt (que vocês estão vendo aí embaixo) na capa. Coisa simples e bonita. Cheguei a negociá-lo com o Oséias, da editora Crisálida, mas acabei concordando que não valeria tanto a pena, comercialmente. Me lembro de também ter mostrado para algumas pessoas, dentre elas o poeta Guilherme Gontijo Flores, tradutor de Propércio.

Mas em meio aos desajeitos dessa vida, esses e muitos outros trabalhos foram parar no fundo da minha “gaveta”. Tenho agora a alegria de dá-los a luz, através do blog Escamandro, a convite do mesmo Guilherme Gontijo Flores, a quem agradeço, além do convite, as boas palavras. Lá foram também publicadas outras versões de alguns dos poemas da série, no dia 30 de março, aniversário de 168 anos de Paul Verlaine.

Para ler as traduções que fiz, é lá no: www.escamandro.wordpress.com
Aproveito para me demorar um pouquinho mais sobre o assunto.

 

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Atualidade de Don Pablo María de Herlañes

A pequena suíte de sonetos Les amies – scènes d’amour saphique apareceu pela primeira vez na forma de plaquete, publicada em 1867 sob os auspícios do editor Auguste Poulet-Malassis. Naquela edição, o autor aparece sob o bem-humorado pseudônimo de Pablo María de Herlañes. Segundo consta, os 5 poemas que fazem parte da coleção são as obras mais antigas escritas pelo autor, aos quais ele acrescentaria para esta edição o soneto invertido Sapho. A edição, embora pequena, foi condenada e retirada de circulação pouco tempo depois de sua primeira tiragem, acusada de ser uma obra licenciosa.

Apesar disso, o tema do lesbianismo parecia estar muito em voga naqueles tempos. Os críticos são praticamente unânimes em considerar esses poemas uma espécie de variação sobre um tema lançado à baila por Charles Baudelaire nos poemas “Lesbos” e “Femmes damnées”, ambos também condenados e proibidos de figurar nas primeiras edições das Fleurs du mal.

E não foi só Verlaine que apanhou “o grito do galo”. É dessa mesma época o famoso quadro “Dormeuses” do pintor Gustave Courbet. O poeta inglês Swinburne seguia o caminho dos mestres com o longo poema “Anactoria”, publicado um ano antes das “Amigas” de Verlaine. Um dos mais belos livros do século XIX é Les chansons de Bilitis, de Pierre Louÿs, cujos poemas mais tarde foram musicados por Claude Debussy. Mesmo o nosso Cruz e Sousa tem lá seu soneto “Lesbia”, que aparece no livro Broquéis.

Em todos os casos, é inevitável a referência à poeta Safo de Lesbos, cuja obra (especialmente naquela época) constava de apenas uns poucos fragmentos e uma única ode a Afrodite que foi guardada inteira por ter sido citada por um sofista grego. Afora esses poemas, as referências a ela eram todas provenientes dos romanos que, de certa forma, guardaram um pouco de sua obra em traduções e referências: Horácio, Catulo, poetas líricos por excelência e que, por essa razão, buscavam seus modelos entre os clássicos gregos e Ovidio que, embora épico, gostava especialmente do tema do amor. Graças a Ovidio é que a lenda de Faon (presente no último poema da série) se mantém viva até o século XIX e é assim que ela chega a Verlaine.

De todos os poetas que fantasiam a respeito das “Amigas”, Verlaine, na minha opinião, é o que dá a forma mais delicada, se valendo de combinações métricas pouco usuais para o soneto francês e sonoridades que deixam os poemas bem suaves e  excitantes. Diferentemente dos outros, ele não as vê como as másculas mulheres do quadro de Courbet, muito menos como as “mulheres amaldiçoadas” de Baudelaire. Não trata do tema como que de um pecado ou de um mero fetiche masculino. Verlaine é, ele mesmo, um homem feminino ou quase, partidário daquele amor que ele não só não condena como embeleza. Afinal, como ele mesmo diz em um outro poema, “Je suis pareil à la grande Sapho [Sou igual à grande safo]”.

Talvez a pequena suíte das amigas de Paul Verlaine goze hoje de sua melhor atualidade. Basta circular pelas ruas de qualquer grande cidade, lançar uma olhadela pelas redes sociais e as conquistas que as e os homossexuais vêm obtendo em meio a essa estranha sociedade (que no século XIX prendeu o mesmo Verlaine por praticar a sodomia), para vermos que, sim, as “Amigas” merecem mais do que nunca o seu lugar ao sol. Hoje, 145 anos depois de sua primeira edição, elas já não serão mais condenadas, mas amadas, desejadas, esperadas. Incomoda ainda os conservadores. Mas sua proibição geraria ondas de protesto e beijaços pelo país afora, viraria escândalo.

 

Dulcineia Catadora Baixo Centro

Dulcinéia Catadora é um coletivo que aparece pelo mundo afora enchendo a rua de poesia e belas cores. Trata-se de uma editora cartonera, com vários livros já publicados em edição caseira, com capas personalizadas feitas em papelão e pintadas a mão por quem teve a coragem de interromper a caminhada e parou para participar de uma das intervenções e/ou pelos catadores da Cooperglicério, que também ajudam na montagem final dos livros. Nesta brincadeira, a cartonera já publicou autores como Joca Reiners Terron, Xico Sá, Douglas Diegues, Marcelo Ariel, Glauco Mattoso, Laerte, Paulo Scott, Manoel de Barros, a turma do sarau da Cooperifa e muito mais. Os livros são vendidos a R$ 6,00 e os lucros são divididos entre os catadores.

Pois ontem, dia 31 de março, eu tive uma sorte dessas. Acompanhei a Dulcinéia Catadora a uma intervenção na Praça Marechal Deodoro, bem ali no pé da Avenida Angélica, embaixo do Minhocão. Tratava-se de mais uma das ações do Festival Baixo Centro, que tem dado significado novo a lugares que quem vive em São Paulo costuma deixar desperdiçado. Na invervenção, além de pintar a minha própria capa de livro, fui convidado a falar poemas no megafone, tarefa que dividi com o poeta Carlos P. Rosa.

Meu abraço agradecido para a Ana Cristina Dangelo e Lúcia Rosa.

Saiba mais notícias da Dulcineia Catadora:

www.noticiasdacatadora.blogspot.com.br

www.dulcineiacatadora.com.br

 

Musique nègre na Musa Rara

O site do Musa Rara já chegou transbordando. Com um design bacana, repleto de novidades a cada dia, ausente de panelinhas, criativo ativo. Ali você encontra contos, poemas, crônicas, ensaios, resenha, traduções de poesia e até mesmo uma TV Musa, organizada pelo admirável casal Gércio Tanjoni e Elizete Lee. Participam da editoria: Ana Peluso e Adrienne Myrtes. O editor-visionário, criador e animador é ninguém menos que o poeta Edson Cruz, amigo recente na Pauliceia, um dos criadores de um outro site admirável e com moldes parecidos, o portal Cronópios e autor do livro Sambaqui, lançado pela Crisálida em 2011.

Tive a honra de ser convidado a participar. Minha primeira colaboração (outras virão) é a pequena série de traduções de poemas do haitiano Léon Laleau que publiquei originalmente no Suplemento Literário de Minas Gerais em junho de 2010. Personagem importante na história de seu país, ele foi uma das principais figuras do modernismo haitiano. Autor de romances e livros de poesia, sua obra me lembra um pouco os ideais do modernismo brasileiro e da antropofagia oswaldiana.

Para ler Laleau é lá: www.musarara.com.br/musique-negre