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Changó el gran putas

“Changó, tu pueblo está unido en un solo grito.”
Manuel Zapata Olivela

Às vezes, o inusitado acontece de maneira especial. Eu estava participando do Fliv – Festival Literário de Votuporanga, quando vejo na programação do Fórum de Dança (que costuma acontecer paralelo ao Fliv) o espetáculo Changó el gran putas, apresentado pelo dançarino togolês Vincent Harisdo. Me lembrei imediatamente de ter tomado conhecimento havia pouco do poema homônimo do colombiano Manuel Zapata Olivela.

Ao conversar com o dançarino e seu parceiro, o griot Bachir Sanogo, soube que Olivela havia sonhado ver aquele poema atravessando o Atlântico e ocupando as mentes dos africanos. Harisdo, que é de origem yoruba, comentou o quanto lhe parecia bom ouvir falar de seus deuses ancestrais do lado de cá, entre os descendentes que haviam sido privados da memória de seu povo.

O Changó el gran putas de Vincent Harisdo fala um pouco disto: as belezas imensuráveis das tradições africanas que habitam o corpo e a mente dos seus descendentes em todos os cantos do mundo. O quanto toda essa beleza tem sido escamoteada ao longo dos séculos, e o quanto nós resistimos mesmo assim, produzindo algumas das criações mais admiráveis (e admiradas) do nosso tempo.

O espetáculo, que traz o nome do orixá, é uma criação mestiça. Bachir Sanogo é descendente de uma longa tradição de griots malinkè. Com seus cantos em bambara e mossi, acompanhado de kamel ngomi (o instrumento de cordas que ele toca na foto acima), djembê, dumdum, cabaças e congas, ele sonoriza e dá vida aos passos do dançarino. Me falou de seus ancestrais como um povo vanguardista, pioneiros na domesticação dos cavalos (anterior aos árabes) e nas políticas de respeito à mulher (secularmente anterior às feministas do século XX). Uma das coisas que concluímos foi que, ao aceitarmos a África como nos é dada pela mídia mundial: um lugar de tristeza e dor, digno de pena e criações de ongs para enviar esmolas, estamos aceitando que a África que corre em nosso sangue é também esta.

Vincent Harisdo lembra que “gran putas” não é um palavrão, mas um grande elogio. Algo como “Xangô o fodão” ou “o puta deus Xangô”. Um oriki. Um oriki para nos lembrar que “gran putas” é esse povo que troa xangô pelo mundo afora, a começar pela dupla e seu ngunzu denso.

Para quem quiser conhecê-lo melhor: http://harisdo.free.fr/

Para quem quiser ouvir Bashir Sanogo: www.myspace.com/bachirsanogo
Quem quiser ler o poema de Manuel Zapata Olivela, olha aí o link para baixar o pdf: /chango-el-gran-putas-afro