*Camille Paglia
Uma das mais incompreendidas características da vida egípcia é a veneração dos gatos, cujos corpos mumificados têm sido encontrados aos milhares. Minha teoria é que o gato foi o modelo da singular síntese de princípios do Egito. O gato moderno, o último animal domesticado pelo homem, descende do Felis lybica, um gato selvagem do Norte da África. Os gatos são errantes e misteriosas criaturas da noite. Crueldade e brincadeira são a mesma coisa para eles. Vivem do e para o medo, treinando assustar-se e assustar os humanos com súbitas correrias e emboscadas. Os gatos habitam o oculto, isto é, o “escondido”. Na Idade Média, eram caçados e mortos por suas ligações com as bruxas. Injusto? Mas o gato realmente está ligado à natureza ctônica*, mortal inimiga do cristianismo. O gato preto do Dia das Bruxas é a sombra que ficou da noite arcaica. Dormindo até vinte de cada 24 horas, os gatos reconstroem e habitam o primitivo mundo noturno. O gato é telepata – ou pelo menos acha que é. Muitas pessoas se amedrontam com seu olhar frio. Comparados com os cães, servilmente ávidos por agradar, os gatos são autocratas de evidente interesse próprio. São ao mesmo tempo amorais e imorais, violando regras conscientemente. Seu “mau” olhar nessas horas não é nenhuma projeção humana: o gato talvez seja o único animal que saboreia o perverso ou reflete a respeito. Assim, o gato é um adepto dos mistérios ctônicos. Mas tem uma dualidade hierática. Tem olhar intensivo. O gato funda o olho de Górgona do apetite com o distanciado olho apolíneo da contemplação. Valoriza a invisibilidade, imaginando-se comicamente indetectável quando atravessa um gramado com passo malandro. Mas também adora ver e e ser visto; é um espectador do drama da vida, divertido, condescendente. É um narcisista, sempre ajeitando a própria aparência. Quando está assanhado, seu ânimo cai. Os gatos têm um senso de composição pictórica: colocam-se simetricamente em cadeiras, tapetes, até mesmo numa folha de papel no chão. Aderem a uma métrica apolínea de espaço matemático. Altivos, solitários, precisos, são árbitros da elegância – esse princípio que considero nativamente egípcio.
Os gatos são poseurs. Têm um senso de persona – e ficam visivelmente vexados quando a realidade perfura sua dignidade. Os macacos são mais humanos, mas menos bonitos. Agachando-se, tagarelando, batendo no peito, mostrando o traseiro, os macacos são convencidos vulgares que assomam na estrada evolucionária. As sofisticadas personas dos gatos são sinais de avançada teatralidade. Sacerdote e deus de seu próprio culto, o gato segue um código de pureza ritual, limpando-se religiosamente. Faz sacrifícios pagãos a si mesmo e pode partilhar suas cerimônias com os eleitos. O dia do dono de um gato muitas vezes começa com um belo monte de entranhas ou pernas trituradas de camundongo na varanda – lembretes darwinianos. O gato é o habitante menos cristão do lar médio.
No Egito, o gato; na Grécia, o cavalo. Os gregos não ligavam para os gatos. Admiravam o cavalo e usavam-no constantemente na arte e na metáfora. O cavalo é um atleta, altivo mas serviçal. Aceita cidadania num sistema público. O gato é a lei em si. Jamais perde seu ar despótico de luxo e indolência orientais. Era feminino demais para os gregos, amantes do masculino. Falei da invenção egípcia da feminilidade, uma estética de prática social distanciada da brutal maquinaria feminina da natureza. As roupas da egípcia aristocrática, uma perfeita túnica de linho transparente pregueado, eram macias, lisas, fluidas. Macia é a sorrateiricie noturna dos gatos. Os egípcios admiravam o aspecto liso, nédio, nos mastins, chacais e gaviões. O nédio é o liso contorno apolíneo. Mas a maciez é a arte sinuosa das trevas daimônicas, que o gato traz para o dia.
Os gatos têm pensamentos secretos, uma consciência dividida. Nenhum outro animal é capaz de ambivalência, essas ambíguas correntes contraditórias de sentimentos, como quando um gato ronronante enterra ao mesmo tempo os dentes como advertência, no braço de alguém. O drama interior de um gato ocioso é telegrafado pelas orelhas, que giram para um farfalhar distante enquanto ele repousa os olhos com falsa adoração nos nossos, e depois, pela cauda, que bate ameaçadora mesmo quando ele cochila. Às vezes, o gato finge não ter qualquer relação com a própria cauda, à qual ataca esquizofrenicamente. A cauda a contorcer-se e a bater é o barômetro ctônico do mundo apolíneo do gato. é a serpente no jardim, trombando e triturando com maliciosa antecipação. A ambivalente dualidade do gato é dramatizada nas suas erráticas mudanças de humor, saltos abruptos do torpor à mania, com os quais contém nossa presunção: “Não chegue mais perto. Nunca se sabe”.
Assim, a veneração dos egípcios pelos gatos não era nem tola nem infantil. Por meio do gato, o Egito definiu e refinou sua complexa estética. O gato era o símbolo daquela fusão de ctônio e apolíneo que nenhuma outra cultura conseguiu. A linha pagã de olho intenso do Ocidente começa no Egito, como acontece com a dura persona da arte e da política. Os gatos são exemplares de ambos. O crocodilo, também cultuado no Egito, assemelha-se ao gato em sua passagem diária entre dois reinos: movendo-se entre água e terra, o rugoso crocodilo é o ego blindado do ocidente, sinistro, hostil e sempre em guarda. O gato é um viajante do tempo do antigo Egito. Retorna sempre que a feitiçaria ou o estilo estão na moda. No esteticismo decadente de Poe e Baudelaire, ele readquire seu prestígio e magnitude de esfinge. Com seu gosto pelo ritual e o espetáculo sangrento, conspiração e exibicionismo, é pura pompa pagã. Unindo primitivismo noturno a elegância de linha apolínea, tornou-se o paradigma vivo da sensibilidade egípcia. O gato, fixando sua rápida energia predatória em poses de stasis apolínea, foi o primeiro a encenar o imobilizado momento de quietude conceitual que é a grande arte.
* Ctônico: relativo a Ctonos a deusa terra. Segundo a autora, o culto de Dioniso, relativamente recente na Grécia Antiga, vem ocupar o lugar que antes era dedicado a essa deusa. Por isso, Camille Paglia adota a expressão para designar o que Nietzsche chama de dionisíaco.
do livro Personas sexuais: arte e decadentismo de Neffertiti a Emily Dickinson de Camille Paglia. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
se você gostou deste texto, talvez irá gostar também do poema “O gato e o passarinho”, de Jacques Prévert (basta clicar no nome do poema).
vocês são mesmo ninuras!!!
sim
eu adoro gatos será que as pessoas podem recebe as abilidades de um gato igual o no filme mulher gato
Nossa gato é do bem. E outra: gato nunca foi do mal não.
Gostei do texto, mas com algumas ressalvas…
“Crueldade e brincadeira são a mesma coisa para eles”
Não mesmo!
“Os gregos não ligavam para os gatos”
Heródoto evocava o luto nas famílias pela morte de seu gato. A tradição exigia que as sobrancelhas fossem raspadas em sinal de consternação.
porque o gato fica amigo da gente e nos adora?
SEMPRE GOSTEI DE GATOS , SÃO ANIMAIS LIMDOS E FACEIS DE DOMESTICAR.E ESTE ASSUMTO É MUITO BOM.
meu bebezinho ta aqui dumindo no meu colo
me identifiquei bastante com as informações do texto
eu adoro os gatos porque?porque eles são muito carinhosos e bonsinhos,minha gata que esta no meu colo agora,não tem uma vez que eu a chame que ela não venha e se araste em mim e fique mi lambendo.
por isso eu digo“OS GATOS NÃO SÃO DO MAL.´´
pode acreditar.
foi assim que eu aprendi a gostar dos gatos.
grato pelo texto da Camille. Ailurus, o comentário de Heródoto se refere aos costumes egípcios. “Crueldade e brincadeira são a mesma coisa para eles” me lembrou a baleia orca que joga os corpos dos pinguins para cima antes de triturar seus ossos, além, é claro, do gato que finge displicência apenas para que o rato se anime a fugir e sinta pesar sobre si, no momento em que julga estar retornando à liberdade, o peso da pata de seu algoz.
kkkkk quantos comentários ingênuos!
“eu adoro os gatos porque?porque eles são muito carinhosos e bonsinhos,minha gata que esta no meu colo agora,não tem uma vez que eu a chame que ela não venha e se araste em mim e fique mi lambendo.”
“eu adoro gatos será que as pessoas podem recebe as abilidades de um gato igual o no filme mulher gato”
divertido, né não, igor!?
bem, meio comprido né… mas acho que gatos não são tao assim…
deixa de ser preguiçosa, jujuba.
eu amo os gatos os cachorros etc adorei a do egípcio e os gatos não e chico e o meu gato o amo muito igual um filho também tenho a belinha que a minha filha pincher a amo so apaixobadas pelos animais y o boby que e uma mistura de lavrador com vira lata amo todos os animais do mundo
oque devo fazer eu vi um gato do egito mas ele não deixa eu pegalo e eles tem um bafo bem esquisito sera que ele pode ser um gato que nem no filme a mulher gato
Na verdade, o texto está bem equivocado. Mas o entendi muito mais como uma interpretação pessoal, do que uma referência. A opinião de cada um é a opinião de cada um, mas que tem bastante coisa equivocada tem.
É isso mesmo, Manoela. Não é um texto com pretensão de estar correto. É uma leitura pessoal sobre os gatos, seu sentido simbólico dentro das sociedades ocidentais, do imaginário coletivo ao longo dos milênios. O título do livro é: “Personas sexuais: arte e decadência de Nefertite a Emily Dickinson”. É uma obra de crítica literária. Engraçado ver as pessoas esperarem tanto realismo de um texto encontrado na internet. Obrigado pelo comentário. Abraço.
Sei não, mas eu acho que quem escreveu esse artigo deve odiar gatos! Não é possível que eu tenha uma gatinha amável dentro da minha casa e vê-la dessa forma… sei não viu !
Não odeia não, Sandra.
Texto podre!!!!!!!!!!!!! Relata somente o preconceito contra gatos de quem escreveu. Conhecimento 0