Não gosto muito do título desta tradução. No original ele se chama ABC of reading. Mas não é por isso que eu não gosto, não é por causa da pretensa “fidelidade” ao original. Até acho que Abc da leitura não ficaria tão elegante. O Brasil é um país de analfabetos. Se deixassem assim, Abc da leitura, poderia acontecer de um político metido a besta querer obrigar as escolas de ensino fundamental a adotá-lo como cartilha básica para alfabetizar a criançada.
Mas um título não é um livro.
Li na segunda passada no blogue do Ademir Assunção:
“Pound, aliás, me salvou do infortúnio de ter que ler vários chatos. Me serviu o filé minhon, num livro básico chamado Abc da literatura“.
Acho que ele salvou a mim também. Se hoje me sinto capaz de dar alguma opinião sincera e independente sobre qualquer texto, devo isto a Ezra Pound.
O li pela primeira vez quando tinha apenas 18 anos e, na época, não pude assimilar tão bem as coisas que ele diz. Recentemente, preparando a palestra “Sobre a poesia: Juan Gelman”, que apresentei em uma universidade do interior de Minas, percebi o quanto Pound contribui para o que se faz hoje.
Acho que os mestres da faculdade deveriam dar a este livro o seu devido valor. Pound faz nada menos que devolver sentido às coisas. Tarefa simples quanto às pretensões, difícil quanto à importância e a responsa.
Parece que a única coisa que realmente vale a pena enquanto crítica, a meu ver, é isto: devolver sentido às coisas que o vão perdendo com o tempo, as chuvas e as tempestades. Elaborar é dar um ponto de partida, chute inicial.
Por exemplo: todos os dias eu vejo uma menina que me deixa de cabeça virada. No entanto, eu nunca pensei a fundo sobre isto. Um dia, ela passa com outro. Ou seja, sobrei. Daí, surge a importância de se elaborar.
A menina passa por mim. Decido pensar sobre isto para que eu tenha algo a lhe dizer. Pronto. Ela pode até me dizer que não quer nada comigo, mas pelo menos terei pensado e feito algo a respeito.
O poeta é a antena: mas não basta apenas perceber. É necessário elaborar e tornar palpável aquilo que a percepção anuncia. Daí que na poesia se encontre muito mais realidade do que em qualquer Flaubert. A poesia exige olhos atentos para o real. Por isso é que Pound tem todo um cuidado, um apego pelos termos bem colocados. Para que funcionem. Sendo assim, ele é um pouco contra a literatura. Diz que poesia não é literatura, pois está mais perto das artes plásticas e da música. E tem razão.
Acho que é por isso que não gosto do título deste livro em português. Mas não proponho solução possível. Um título não é o livro.
A carta do vidente Rimbaud
“EU é um outro. Se o cobre amanhece clarim, não é culpa dele. Isso para mim é evidente: eu assisto à eclosão do meu pensamento. Eu a olho eu a escuto: meu arco toca a corda: a sinfonia se agita nas profundezas, ou vem de um salto em meio à cena.”
“O primeiro estudo do homem que quer ser poeta é o conhecimento de si mesmo, inteiro; ele busca sua alma, ele a observa, tenta, aprende (instrui). A partir do momento que ele a conhece, ele deve cultivá-la; isso parece simples: em todo cérebro se cumpre um desenvolvimento natural; tantos egoístas se proclamam autores; há também outros que atribuem a si mesmos seus progressos intelectuais!”
“O poeta se faz vidente por um longo, imenso e pensado desregramento de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele busca a si mesmo, ele exaure em si mesmo todos os venenos, para então guardar apenas as quintessências. Inefável tortura na qual necessita de toda a fé, toda a força sobre-humana, onde ele se torna entre todos o grande doente, o grande criminoso, o grande maldito, – e o supremo sábio! – pois ele chega ao desconhecido! uma vez que ele cultivou sua alma, já rico, mais que todos! Ele chega ao desconhecido, e quando, enlouquecido, ele acabaria por perder a inteligência de suas visões, ele as viu! Que ele estoure em seu sobressalto pelas coisas inaudíveis e inomináveis: virão outros horríveis trabalhadores; eles começarão pelos horizontes onde o outro se abateu!”
Lá pelos idos de 2005, em meio às conspirações do grupoPOESIAhoje, nós alunos de Maurício Salles Vasconcelos (autor de Rimbaud na América e outras iluminações (Estação Liberdade, 2000) falávamos muito de Jean Arthur Rimbaud. Pensávamos, citando o autor de Une saison en enfer na parafernalização dos sentidos e nem sequer tínhamos lido McLuhan. Procurávamos pela “Carta do vidente”, famosa carta escrita a Paul Démeny e na época era difícil encontrá-la em português. Resolvi traduzir.
Quem quiser lê-la na íntegra, é só clicar aqui.
“eu exigiria daqueles que vão contra a ordem comum e as grandes regras, que eles
saibam mais que os outros, que eles tenham razões claras, e argumentos que
tragam de convicção”.la bruyère
apontamentos de arte radical
estou falando de arte viva. estou falando de makely ka, renato negrão, ricardo aleixo, marcelo terça-nada! e brígida campbell, zé celso martinez corrêa, juan gelman, marina abramovic. porque ninguém vai me convencer que se faz arte para os mortos. que os mortos governam os vivos. nada disso. mas nesse delírio, encontrei uns caras que vão servir de modelo para a minha arte radical. faço questão de colocar o nome deles aqui.
estou falando de oswald de andrade. eu podia simplesmente não concordar com o pirado do haroldo de campos, que escreveu sobre ele um texto chamado “uma poética de radicalidade”. mas o fato é que ele está certo. oswald é o fundador da modernidade no brasil. e como ele já dizia: “só a antropofagia nos une”. é ela que nos torna brasileiros. é ela que nos permite essa constante transformação do tabu em totem.
o outro radical é também um antropófago. só que italiano. pier paolo pasolini. sendo ele italiano, a antropofagia tem outro sentido: ela não o une a nenhum italiano, mas a todos os homens que vêm do terceiro mundo. daí existir uma puta relação entre pasolini e um outro radical: glauber rocha. pasolini era socialista roxo, mas não concordava com as concessões em favor de um autoritarismo primitivo que se faziam sempre os socialistas. então ele se lembra da oréstia, de ésquilo:
você leu a oréstia, de ésquilo? há pouco traduzi a peça. o contraste entre um estado democrático – mesmo que toscamente democrático e o outro tirânico e arcaico. o ápice da trilogia é o momento em que a deusa atena, a razão, institui a assembléia dos cidadãos que julgam com direito a voto. mas a tragédia não acaba aí. depois da intervenção racional de atena, as erínias – forças desenfreadas, arcaicas, instintivas, da natureza – sobrevivem – são deusas, são imortais. não podem ser eliminadas, não podem ser assassinadas. devem ser transformadas, deixando intacta a substancial irracionalidade que as caracteriza, istó é, mudando as “maldições” em “bênçãos”. os marxistas italianos não se propuseram esse problema, e acho que os russos também não.
e eu concordo com o pasolini. mas hoje estou brincando de citar. e cito outro radical genial, nelson rodrigues: “o ser humano só tem salvação se tomar consciência das suas próprias misérias.”
vergonha e apatia na reunião do bid
começou ontem a reunião do bid – banco interamericano de desenvolvimento. para vergonha de belorizontem, não houve nenhuma explosão, nenhum carro bomba explodiu na porta do othon palace, nenhum protesto significativo, nenhuma bomba de gás lacrimogênio. uma vergonha!
Cicciolina, la diva futura
Tenho que admitir: sou fã dessa loura. Sagitariana como eu, a oxigenada escandalizou a Itália católica com uma meia dúzia de atentados po(rno)é(ro)ticos. Foi presa várias vezes e foi processada inúmeras outras por atentado ao pudor.
Por exemplo: nos anos 70, ela apresentava um programa de rádio onde dava conselhos sexuais de deixar qualquer penélope de cabelo em pé. Certa noite, recebeu a ligação de uma adolescente que queria aprender a se masturbar. Deu todas as instruções e a garota teve um orgasmo em cadeia nacional. Audiência nas alturas. No dia seguinte, processo por perversão de menores.
Cicciolina fundou o Partito dell’Amore e foi eleita dePUTAda (de um outro tipo, diferente do estilo brasileiro) depois de mostrar a boceta pra todo mundo. Ela explicava que somente através do amor, digo: o amor!, as pessoas vão se tornar mais dignas e a violência diminuirá. “Não é verdade que o sexo desperta a violência nas pessoas”, ela insiste. Há inclusive, alguns filmes dela que versam sobre o tema.
Além de atuar, ela também dirigiu alguns filmes. Il telephone rosso e La diva futura são dois clássicos. Este último, de vanguarda, com elementos tecnoDADA, ready-made, edição piradex com janelas já bem antes daquele filme inovador do Peter Greenaway, The pillow book. Quem quiser saber mais, vá ler Confessions, a autobiografia dela publicada no Brasil no começo dos anos 90 pela editora Record.