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sociedades do espetáculo

o livro “la societé du spectacle” teve sua primeira edição em 1967, o ano em que a terra estava em transe. nos anos seguintes, guy debord, seu autor, pôde confirmar muitas das coisas que ali estavam profetizadas (fico imaginando o que ele diria hoje, depois do espetáculo do world trade center, das campanhas eleitorais de países como o brasil e os estados unidos ou da espetacularização do assassinato de crianças, transformando os criminosos em verdadeiros astros pop às avessas).

em 1988, pensando nisso, ele escreveu os “comentários à sociedade do espetáculo”. foi por essa época que saiu na itália o livro “la societá dello spetacolo”, com posfácio entitulado “Glosas marginais aos “Comentários sobre a sociedade do espetáculo”” de giorgio agamben. texto inédito em livro no brasil. agora traduzido por joão gabriel e disponível no blogue dele: l’autre nom.

no texto, o filósofo italiano comenta coisas como o acontecimento de timisoara, à época do fim do regime comunista na romênia (“pela primeira vez na história da humanidade, cadáveres recentemente enterrados ou alinhados sobre as mesas dos necrotérios foram exumados rapidamente e torturados para simular diante das câmeras o genocídio que deveria legitimar o novo regime”.) e a legitimação de um estado espetacular (ou democracia-espetacular). deixo com vocês uma palhinha:

pela primeira vez na história do século, as duas grandes potências mundiais são dirigidas por duas emanações dos serviços secretos: bush (antigo chefe da CIA) e gorbatchov (o homem de andropov); e mais eles concentram o poder em suas mãos, mais isto é saudado, pelo novo ciclo do espetáculo, como uma vitória da democracia. a despeito das aparências, a organização democrática espetacular mundial que se desenha assim corre o risco de ser, na realidade, a pior tirania que jamais foi conhecida na história da humanidade, por relação a qual toda resistência e oposição se tornarão mais difíceis, visto que assim ela terá por tarefa administrar a sobrevivência da humanidade para um mundo habitável pelo homem.

giorgio agamben, 1991

povo se despede de aimé césaire na martinica

segue abaixo, uma das poucas notícias da morte de césaire em língua portuguesa. na chamada, não encontrei o nome do jornalista que a escreveu. em todo caso, parece ser uma tradução de letra a letra de um texto que saiu, se não me engano na rfi (radio france internationale).

FORT-DE-FRANCE (AFP) — Uma multidão compareceu neste sábado ao velório do poeta Aimé Césaire na Martinica, no estádio de Dillon, em Fort-de-France, onde no domingo serão realizadas as homenagens nacionais.

O caixão percorreu a cidade na sexta-feira, sob aplausos de milhares de pessoas que acompanharam o cortejo fúnebre para dar o último adeus ao pai do movimento “negritude” e principal figura política da ilha durante mais de meio século. Césaire faleceu na quinta-feira, aos 94 anos.

O presidente francês Nicolas Sarkozy irá à Martinica para assistir à cerimônia de enterro do escritor, poeta, autor teatral, ensaísta e homem político de esquerda.

Sarkozy saudou Aimé Césaire como um “símbolo de esperança para os povos oprimidos”.

O velório popular continuará até domingo, quando o poeta será sepultado com honras de Estado, privilégio concedido até hoje na França apenas aos escritores Victor Hugo, Paul Valéry, em 1945, e Colette, em 1954.

meu comentário fica por conta do silêncio brasileiro em torno a este acontecimento, tendo em vista ter sido este um dos personagens decisivos do século xx, não apenas por sua atuação como poeta e ensaísta, mas também como político e como rebelde. o poeta, que foi saudado por andré breton e por jean-paul sartre, morreu como um dos homens mais ilustres e influentes do planeta, um personagem tão importante quanto um nelson mandela da vida.

a existência dele no mundo nos fazia lembrar que a poesia pode, sim, ser instrumento de transformação. e que um poeta vivo mantém viva com ele a memória de tempos imemoriais. tempos que antecedem não só a idéia de mercadoria, dinheiro e exploração do homem pelo homem. tempos que antecedem a própria idéia de poesia.

leia também o comentário de marcelo coelho (da folha de são paulo) e sua tradução do poema “soleil serpent“. [ aqui ]

adeus césaire

hoje eu soube, triste e por uma coincidência, que o poeta martinicano aimé césaire faleceu anteontem, dia 17 de abril. confesso que a notícia me deixou especialmente triste. tenho lido e traduzido tanto os escritos dele que já chego a sentir que é um grande amigo. fazia parte dos meus planos ir a fort-de-france um dia desses e dar nele aquele abraço. lui rendre mes hommages. homenagens à sua longa vida de inteligência e generosidade.

o funeral de césaire acontecerá amanhã, ao final de três dias de cerimônias e celebrações a esse homem que considerava as palavras da poesia as suas “armas miraculosas”.

irmão espiritual de léopold sédar senghor, aimé césaire é autor de algumas dezenas de livros de poesia, teatro, ensaio. sua rebeldia e a intensidade da sua palavra, muito diferentes das de senghor, contagiaram diversas gerações de jovens nos dois lados do oceano atlântico.

césaire morre aos 94 anos. foi prefeito da sua cidade durante 56 anos. viveu a maior parte da sua vida no “pays natal”, onde fugia veementemente da mídia, e também onde recebia os homens mais importantes da frança e do mundo. pode-se dizer sem medo que o mundo hoje é diferente (e melhor) graças a esse senhor. citando um poema meu, césaire “morreu de tanto viver”. mesmo assim, fará falta.

roberto piva: viver de nuvem?

roberto pivaainda no clima do comentário de ricardo aleixo, que acabo de publicar aqui, me deparo com a a seguinte notícia, publicada no final de fevereiro, no site do teatro oficina:

“Roberto Piva está melhorando de um quadro delicado de saúde, o que ocorreu com um certo retardo pela situação financeira que ele se encontra

Ele está tentando de todas as formas sair dessa: tem remuneracão de palestras que ele deu pra receber e amigos que costumam ajudá-lo, porém, está tudo atrasado e esses amigos estão também sem muitas possibilidades, o que resultou numa dívida com o condomínio de R$ 900,00. Tem sido diariamente cobrado e infernizado pelos advogados do prédio…

Ele me ligou pedindo pra eu entrar em contato com vocês pra dar a idéia de divulgar essa notícia sobre ele através do mailing do Oficina com o número de sua conta, para que pessoas que gostam dele e tenham possibilidades depositem uma quantia de dinheiro para ele poder atravessar essa fase.”

o piva, para quem não sabe, é um dos maiores gurus da poesia brasileira, que já nos anos 60 incendiava a literatura brasileira. acho que ele foi um dos poucos poetas brasileiros a fazer contracultura sem escrúpulos nem barreiras em tempos de ditadura militar.

encontra-se, neste momento, em intensa cri-atividade, com seus poemas contemporaneíssimos e mensagens de outros mundos. lançou em março o terceiro volume de sua poesia reunida, que inclui poemas inéditos, “Estranhos sinais de Saturno“. a própria luciana domschke, atriz do oficina, comentava do alto astral dele, apesar dos reveses. mas acho uma pena que tenha que ser assim, nesse país da batucada.

espero que ele já tenha saído da enrascada, mas tenho certeza que ele não vai reclamar se depositarem mais uma grana na conta dele. portanto, os interessados podem pegar os dados bancários dele [aqui].

entrevista: ricardo aleixo

Penso que a literatura e as demais formas de arte têm, como função básica a proposição de problemas, mais que de respostas, que contribuam para que a sociedade redefina os termos do debate sobre as condições de sua própria formação (entendida como um processo, insisto) e permanência. Em outras palavras, ao defender a ‘profissionalização’ do artista, aponto para um paradoxo, que é a hipótese de se ter, como conseqüência, a valorização daqueles cuja importância na sociedade é definida bem mais por sua movência, por sua entrega gozoza à errância e à deriva do que pela fixidez de suas posições. O artista, como o vejo, como o idealizo, talvez, é aquele que optará sempre pela perversão, pelo caminho torto, escuro, pleno de dobra e desvios. Pelo sim, pelo não, prefiro apostar que uma verdadeira política de apoio às artes passará, necessariamente, pela valorização dos criadores sem que se exija deles mais do que o produto desinteressado de sua imaginação. Luto, por isso mesmo, ciente dos riscos a que todos estaremos expostos. Mas me diga: não é bem pior não fazer nada? Se me desagrada a figura do escritor como um ‘funcionário da escrita’, tampouco me apraz a terrível imagem do cadáver de Cruz e Sousa, conduzido de Leopoldina, no interior de Minas, para o Rio de Janeiro, num trem de carga. É isso.

ricardo aleixo entrevistado no último dia 04 pelo jornalista carlos augusto lima, no diário do nordeste (fortaleza). para lê-la na íntegra: aqui

Ginsberg & Pasolini

pasolini

é interessante pensar que há apenas 40 anos atrás, o povo americano não representava apenas uma massa amorfa e sem opinião, limitado pelos ditames da televisão. o americano era um povo rebelde. eu não havia entendido o que michael moore queria dizer quando, no filme “tiros em columbine”, saiu perguntando “onde está o meu país?” (como se tivesse nascido num lugar que não existe mais).

mas numa carta a allen ginsberg, pier paolo pasolini comentava o seguinte:

a tua burguesia é uma burguesia de loucos, a minha, uma burguesia de idiotas. você se revolta contra a loucura com a loucura (distribuindo flores aos policiais); mas como se revoltar contra a idiota?

os americanos representavam a mais romântica rebeldia nos anos 60. estranho que isso tenha acabado. será que ginsberg, hoje, se rebelaria contra a burguesia idiota (como é, aliás, no brasil)? pasolini continua:

todos os homens da tua américa são obrigados, para se exprimirem, a serem inventores de palavras! nós aqui, ao contrário (mesmo aqueles que têm agora dezesseis anos), já temos nossa linguagem revolucionária pronta e acabada, com uma moral implícita. e eu também – como está vendo. não consigo misturar a prosa com a poesia (como você faz!).

o pasolini, nos anos 60, inventou um negócio chamado cinema de poesia, que ele contrapunha ao que ele chamava de cinema de prosa. o tal cinema de poesia que ele fazia é um soco no estômago, um cinema de cores vivas (mesmo quando em preto e branco), repleto de jogos de linguagem e de situações mitopoéticas que reconfiguram o sentido da palavra “poesia”. um cinema exuberante, difícil e indigesto mesmo hoje, quando já se passaram 32 anos de sua morte.

sobre ginsberg, tenho apenas uma lenda, que já diz tudo: certa vez, numa entrevista ao vivo para a televisão, o repórter perguntou a ele: “para você o que é a poesia?” e ele, suscinto: “nudez”. o entrevistador, não satisfeito com a resposta então perguntou: “e o que é nudez?” ginsberg tirou a roupa.

campo coletivo no mariantonia (em sp)

“campo coletivo” é uma exposição que acontece no mariantonia a partir de 27/3 de 2008, quinta-feira, às 20h e que reúne: poro (bh/mg), cine falcatrua (vitória/es), laranjas (pa/rs), gia (ssa/ba) e espaço coringa (sp/sp), sob curadoria de fernanda albuquerque e gabriela motta.

além da produção dos grupos, a exposição terá uma midiateca que agrupa materiais gráficos (panfletos, cartazes, registros e publicações produzidos pelos participantes), projeções de vídeo, ativações e biblioteca.

a midiateca conta ainda com uma máquina de xerox e um computador para que seu conteúdo possa ser copiado pelos visitantes (leve seu dvd).

para mais informações, leia a notícia completa no blogue do marcelo terça-nada!

milton césar pontes: viver de poesia

o poeta milton césar pontesde um tempo pra cá, sempre que vou ao edifício maletta, seja de noite ou de dia, encontro com milton césar pontes. ele está sempre vendendo seus livros, falando obscenamente sobre todo tipo de assunto. coisas do mundo, de preferência.

a figura dele me lembra paulo leão. não que eles escrevam coisas parecidas. leão era um poeta materialista, um beatnik do terceiro mundo. e o milton é um sujeito abstrato, sonhador, um sedutor. não que eles se pareçam fisicamente. quando conheci paulo leão, ele já estava bem gasto e andava muitas vezes como indigente pelas ruas da cidade. meio rosto amassado pelo ônibus que o pegou bêbado atravessando a rua. e o milton, embora um bêbado assumido, é um jovem bonitão, com planos românticos de escolher a própria morte numa noite em que será odiado pelos companheiros de copo.

leão estava mais para um françois villon, um poeta indigente e ladino que lutava para viver do que escrevia. e o milton é um sonhador romântico, um byron bebum, um shelley chulé, um ladino performer. e também luta para viver do que escreve, como fazia leão, vendendo seus poemas desavergonhadamente nas mesas dos botecos da cidade. e os dois levam a poesia a sério. vendem o que arrancam de dentro com muita dor.

nunca vi o milton perguntando pra ninguém se gosta de poesia. muito menos o leão. já vi muito poeta nas imediações do maletta me perguntando isso. e o que eles vendiam não tinha poesia em lugar nenhum. nem no modo de apresentá-la, muito menos no impresso. pode ter certeza: se me perguntarem se gosto de poesia por aí, direi que não. mas o milton faz poesia com o corpo, com o despudor, com sua voz de radialista mal empregada em falar poemas. ele almeja, como todo poeta que se preze, poder escrever “poeta” na hora de preencher nos dados pessoais o lugar destinado à profissão.

eu me comovo com a causa. sinceramente e sem ironias, me comovo de verdade com a causa. talvez a glória de paulo leão tenha sido conseguir o título de poeta ao menos no atestado de óbito (os tabeliões queriam colocar “indigente”). milton consegue ir mais longe. é um empreendedor. faz de seus livros um projeto de vida. publica, arruma saídas, meios, soluções práticas e financeiras.

outro dia me veio com uma proposta: “você compra o seu lote através da planta, agora também pode comprar livros. na planta!” e me estendeu todo o projeto de um livro que estava prestes a sair. tinha já a capa, alguns poemas do miolo, um comentário publicado pelo jornalista e poeta alécio cunha no hoje em dia. a pessoa investia irrisórios R$20. e em breve, o livro indo para a gráfica, o leitor receberia em suas mãos um livro prontinho, novinho em folha.

fiquei emocionado com a idéia. achei de uma simplicidade e de uma sabedoria! fiquei me lembrando dos inúmeros poetas que chegam até a mim perguntando como se faz para se publicar um livro de poemas, como arrumar grana, se dá grana. admiro muito isso. talvez eu o imite algum dia, à minha maneira.

não quero discutir aqui a qualidade dos seus versos. pode reclamar quem quiser: pra mim, isso tudo que contei faz do milton um grande poeta. e eu o admiro por isso.

vídeo-conferência sobre léopold sédar senghor

vídeo-conferência sobre léopold sédar senghor

O poeta e tradutor Leonardo Gonçalves apresenta a vídeo conferência
“Negritude, magia e política: a poesia de Léopold Sédar Senghor”

O poeta e tradutor Leonardo Gonçalves apresenta, no dia 12 de março de 2008, às 15h, a vídeo-conferência entitulada: “Negritude Magia e Política: A Poesia de Léopold Sedar Senghor”. A vídeo-conferência será exibida ao vivo pela internet no site: http://200.244.52.177/embratel/main/mediaview/tvpontocom. O evento fará parte da Série Panorama Arte e Cultura, que é promovida juntamente com a Diretoria de Arte e Cultura da PUC Minas. O Projeto Biblioteca Digital Multimídia é uma parceria da PUC Minas com o Instituto Embratel 21 e cerca de outras dez instituições universitárias e culturais. A transmissão será através do Portal do Conhecimento, com direção e apresentação do Professor Haroldo Marques.

A obra de Léopold Sédar Senghor, embora pouco conhecida no Brasil, é uma das experiências mais instigantes da poesia do século XX. Produzida numa região conflituosa da linguagem, sua poesia soma diferenças que vão do rítmico-sonoro ao lingüístico-cultural (tratando de temas como a pele negra, a tradição africana dos ancestrais ou a participação dos senegaleses na segunda guerra mundial). A poesia de Senghor é uma somatória africana de paixões eletrizantes em face de um mundo frio e excludente. Senghor, amante das diferenças, foi também um ardoroso defensor de conceitos como “negritude”, “francofonia” e “civilização do universal”. Tratava-se, já, da defesa de culturas mais fragilizadas em meio ao mundo que se globalizava. Numa entrevista concedida no final dos anos 1970, ele propunha “uma civilização do Universal pela diferença e na diferença”. É o que se vê desde o princípio em sua escrita. Continue lendo vídeo-conferência sobre léopold sédar senghor