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ZIP próxima sexta
Léon Gontram Damas 99 anos
saldo
tenho a impressão do ridículo
quando estou nesses sapatos nesse smoking
nessa gravatas nesses colarinhos
nesses seus monóculos nesse chapéu-coco
tenho a impressão do ridículo
com meus artelhos que não foram feitos para
transpirar da manhã até a noite que despe
com tanta malha me enfraquecendo os membros
e arrebata de meu corpo sua beleza de tapa-sexo
tenho a impressão do ridículo
com meu pescoço em chaminé de usina
com essas enxaquecas que cessam
cada vez que saúdo alguém
tenho a impressão do ridículo
em seus salões em seus modos
suas reverências suas fórmulas
sua múltipla necessidade de macaquices
tenho a impressão do ridículo
em tudo o que eles contam
até que te servem à tarde um pouco de água quente
e docinhos resfriados
tenho a impressão do ridículo
com as teorias que eles temperam
ao gosto de suas necessidades de suas paixões
de seus instintos abertos à noite em forma de esteira
tenho a impressão do ridículo
entre eles cúmplice entre eles gigolô
entre eles degolador as mãos temerosamente vermelhas
do sangue de sua civilização
solde
j’ai l’impression d’être ridicule/dans leurs souliers dans leur smoking/dans leur plastron dans leur faux col/dans leur monocle dans leur melon//j’ai l’impression d’être ridicule/avec mes orteils qui ne sont pas faits pour/transpirer du matin jusqu’au soir qui déshabille/avec l’emmaillotage quim’affaiblit les membres/et enlève à mon corps sa beauté de cache-sexe//j’ai l’impression d’être ridicule/avec mon cou en cheminée d’usine/avec ces maux de tête qui cessent/chaque fois que je salue quelqu’un//j’ai l’impression d’être ridicule/dans leurs salons dans leurs manières/dans leurs courbettes dans leurs formules/dans leur multiple besoin de singeries//j’ai l’impression d’être ridicule/avec tout ce qu’ils racontent/jusqu’à ce qu’ils vous servent l’après-midi un peu d’eau chaude/et des gâteaux enrhumés//j’ai l’impression d’être ridicule/avec les théories qu’ils assaisonnent/au goût de leurs besoins de leurs passions/de leurs instincts ouverts la nuit en forme de paillasson.//j’ai l’impression d’être ridicule/parmi eux complice parmi eux souteneur/parmi eux égorgeur les mains effroyablements rouges/du sang de leur civilisation/
Léon Gontram Damas foi, ao lado de Léopold Sédar Senghor e Aimé Césaire, um dos principais mentores da négritude, movimento responsável por uma das melhores estetizações das lutas contra o racismo no século XX. Nasceu no dia 28 de março de 1912. Hoje, 28 de março de 2011, ele comemoraria seus 99 anos.
O mundo precisa de poesia
Para quem atua na área cultural, ou por ela se interessa, o assunto da última semana foi o “Caso Maria Bethânia”, que surgiu devido à nota perpetrada pela Folha de S.Paulo na última quarta-feira (16 de março). Segundo o jornal, o Ministério da Cultura teria aprovado R$ 1,3 milhões a serem captados “para a criação de um blog”, o projeto “O mundo precisa de poesia”. As nuances do fato viraram tema central em diversas rodas de conversa, twitters, facebooks e se você procurar na rede verá um sem número de blogueiros, jornalistas e a própria ministra Ana de Hollanda lançando suas opiniões e esclarecimentos. O projeto aprovado de Bethânia é, na verdade, para a execução de 365 filmes de aproximadamente 60 segundos, dirigidos por Andrucha Waddington e produzidos pela Conspiração Filmes e a aprovação se deu ainda no governo Lula, sob a batuta do ministro Juca Ferreira, ficando para o ministério atual a homologação.
A reação foi imediata. O cantor Lobão já chegou tuitando de sola: “Devolve essa porra Bethânia”. Outros se voltaram contra o MinC, eco da insatisfação quanto à crise do direito autoral. Houve quem dissesse que essa aprovação é uma política de classe média. Tudo isso parece muito interessante. Posso até concordar com diversos desses pontos de vista, mas eu gostaria de chamar a atenção especialmente para o fato que realmente afeta este que vos fala. O mundo precisa de poesia.
Seria injusto partir apenas do ponto de vista acusatório, atacando a pessoa da cantora. Sou um grande admirador de Maria Bethânia, a forte ligação que ela sempre teve com a poesia desde o início de sua carreira. É inegável o papel que teve ao gravar poetas como Waly Salomão, Antonio Cícero, Capinam, Cacaso e tantos outros. Qual outra cantora brasileira se dá o trabalho de gravar todo um cd só com poemas de um Fernando Pessoa? O mundo precisa de poesia e de pessoas que brilhem como Maria Bethânia, e que ainda assim são capazes de apostar nos enjeitados, nos outsiders, nos artistas sem lugar e de fazê-los brilhar. O mundo precisa de coragem.
O ponto que não foi até agora discutido é: se o mundo precisa de poesia, o que fazer com os poetas? Ao contrário da maioria, que considera um crime a Bethânia receber dinheiro público (via renúncia fiscal) para sustentar seu trabalho artístico, eu vejo motivos para felicitá-la. Não vejo problemas em se pagar bem a execução de um blog durante um ano, não vejo por que o artista precisa ganhar menos que um deputado ou um advogado. Só não gostaria que esses artistas a ganhar bem fossem apenas os famosos de carteirinha. Falando em claro português: que política pública do governo oferecerá, como ofereceu à Bethânia, recursos para quem realmente trabalha com poesia.
Quero que prestem bastante atenção: o projeto é de uma pop star com o desejo de incentivar a fruição de poesia no Brasil. Não estou nem um pouco afim de dizer que não é válido. Os poetas deveriam, antes, tomar a iniciativa com bons olhos. Os patrocinadores de Bethânia provavelmente terão orgulho em investir tantos milhões em poesia. Isso é inédito no Brasil.
No dia 17 de março, começou em Belo Horizonte mais uma edição da ZIP/Zona de Invenção Poesia &, comandado por Ricardo Aleixo, Chico de Paula e Bruno Brum. O evento, como eu já disse antes, é um dos melhores acontecimentos da poesia brasileira. Uma edição da ZIP, certamente formará vários novos leitores, atrairá novos interessados em poesia e colocará em contato real poetas vivos e público. Quem tiver dúvidas a esse respeito, procure se informar sobre a repercussão das edições de 2006, 2005 e 1998.
Quanto dinheiro vem do governo para este evento? Em 2011, nenhum. Quantas empresas pedem renúncia fiscal para financiar a ZIP? Nenhuma. Todos, da coordenação ao poeta mais periférico, todos (repito) participam apenas por amor à causa.
Ricardo não entrou com pedido na Lei Rouanet nem em nenhum outro mecanismo de incentivo à cultura. Não desta vez. Vai indo, cansa. Palavras dele:
“em 2006, deixei claro que não voltaria a realizar nova edição da ZIP/Zona de Invenção Poesia & se não passássemos a dispor de recursos financeiros que nos permitissem desenvolver a proposta sem os sobressaltos típicos das ações culturais independentes. Sequer considerei, desde então, a hipótese de inscrever o projeto da ZIP nas leis de incentivo. Também decidi não gastar latim nos balcões dos órgãos públicos de cultura, com sua surdez funcional.”
Programas de promoção da poesia no Brasil têm investimento baixo. Idealizadores acabam passando por pedidores de esmola na porta de empresas que nunca toparão dar um tostão para promoção de uma arte que não dá visibilidade (dizem) às suas marcas.
Na via contrária dessa tendência, há alguns anos a Petrobrás vem disponibilizando uma parte do seu orçamento para a área de literatura. A ideia, que foi inovadora em seu momento, está no seu quinto ano. Funciona de uma maneira interessante: ela irá patrocinar (via Lei Rouanet, ou seja, renúncia fiscal) cerca de 20 escritores com trabalhos em vias de se concluir. O valor total destinado à literatura no último edital: R$ 810 mil. Nada mal. Poderia ser melhor, claro. Sempre pode. Que tal algo como… R$ 1,3 milhões?
Em novembro do ano passado, participei de um evento internacional: o III Simpoesia. Foram três dias interessantíssimos, com participação de alguns dos poetas de maior projeção no Brasil atual, ao lado de outros (como eu) que a maioria mal conhece. Experientes e inexperientes. Uma excelente oportunidade para conhecer pessoas como a canadense Erín Moure, poeta e tradutora, tradutorapoeta e poetradutora e o estadunidense Bruce Andrews, um dos editores do lendário jornal L=A=N=G=U=A=G=E. Aconteceu na Casa das Rosas. Passaram por ali, não apenas o excelente time de poetas convidados, mas também um público super diversificado que povoou de boas conversas e muita poesia a maior casa destinada à literatura na América Latina. Virna Teixeira, a principal organizadora do projeto, teve que fazer tudo com sua imensa boa vontade. Houve investimento? Houve. Mas ela não conseguiu pagar o cachê de nenhum dos poetas participantes.
Chacal comanda há mais de 20 anos o CEP 20.000 lá no Rio de Janeiro, sempre na dúvida se no próximo mês será possível realizá-lo. Em Montes Claros, o Psiu Poético, comandado pelo Aroldo Pereira, também já conta seus 25 anos de vida e já se tornou um evento tradicional. Não há poeta que não conheça. Quanta grana sai pro Psiu? Aroldo mal consegue pagar a passagem de alguns. Há mais ou menos 2 anos, a Bienal de Poesia foi cancelada às vésperas em Brasília. Motivo: falta de verba. As famosas Terças Poéticas de Wilmar Silva, embora tenham dinheiro do estado, também são levadas adiante aos trancos e barrancos. No final dos anos 1990, Guido Bilharinho parou de editar (por falta de verba) a longeva revista Dimensão. Claudio Daniel até hoje edita com dificuldade a revista Zunái, uma publicação virtual. A revista Coyote, editada por Marcos Losnak, Rodrigo Garcia Lopes e Ademir Assunção, a cada novo número, se vê sob a ameaça de não poder continuar.
Se o mundo precisa de poesia, resta saber então qual poesia merece ser financiada pelo governo. Como comentado no maldoso editorial de domingo (20 de março) da Folha de S.Paulo, 100% das empresas brasileiras só patrocinam mediante renúncia fiscal. A equipe de Bethânia não conseguirá levar adiante seu projeto sem aprová-lo junto ao governo. Mais que isso: ela não o levará adiante se não tiver a grana. O que resta saber é se seu projeto beneficiará (direta ou indiretamente) quem realmente “milita” (a palavra para quem faz o que o Ricardo Aleixo, a Virna Teixeira e todos os poetas citados acima fazem, é exatamente esta: militância) pela presença da poesia no mundo. Resta saber se Maria Bethânia valerá seu título de abelha rainha e fará de nós um instrumento de seu prazer.
ZIP – Hoje!
E para quem ainda não se inteirou, aí vai a intimação: a partir das 19h de hoje estará rolando a ZIP – Zona de Invenç~ao Poesia &. Aviso aos sãopaulocêntricos e cariocômanos: esta Zona é um dos melhores acontecimentos de poesia desta república das letras. No comando, um time foda: Ricardo Aleixo, Chico de Paula e Bruno Brum na curadoria, Sabrina Bueno na produção executiva e Raquel Pinheiro na finalização video-instalação e Daniel Mendonça, que colaborará no apoio técnico de áudio. Serão mais de cem poetas entre os que enviarão seus trabalhos e os que estarão presentes.
A inauguração é hoje, quinta-feira, 17 de março de 2011 a partir das 19h no Centro Cultura UFMG. As outras sessões serão sempre nas sextas-feiras, incluindo amanhã.
E numa dessas, eu também estarei lá com mais uma noite de POEMAQUMBA. Fique antena!
Quer saber quem participa da ZIP? A lista é longa, clique aqui para lê-la.
ZIP 2011
Vem aí um dos melhores saravás de poesia do Brasil. Um mês de poesia em BH. Aguarde novas novas por aqui ou acompanhe pelo www.jaguadarte.blogspot.com.
Quem não estiver em BH para ver, vá.
um poema de p. leminski
minhas 7 quedas
minha primeira queda
não abriu o pára-quedas
daí passei feito uma pedra
pra minha segunda queda
da segunda à terceira queda
foi um pulo que é uma seda
nisso uma quinta queda
pega a quarta e arremeda
na sexta continuei caindo
agora com licença
mais um abismo vem vindo
do livro caprichos & relaxos
Assaltaram a gramática
https://youtube.com/watch?v=obrbslsudio
Um vídeo dos anos 80, repleto de poesia & boa gente!
Saravá Ana Maria Magalhães.
Flagrantes do tempo de Luciana Tonelli
Para quem gosta de poesia boa e respirável, a dica é não perder este lançamento.
Flagrantes do tempo: poema-reportagem na Pauliceia, de Luciana Tonelli.
Dia 16 de fevereiro, às 18h30 na livraria Martins Fontes (Av. Paulista, 509)
Adianto que o livro está uma belezura, repleto daquela rebeldia bem própria da Lu, retratando momentos que cada vez mais fazem parte da experiência paulistana: o tempo e sua falta. O leitor encontrará ali também, além da parte inédita vencedora do Proac – programa de apoio à publicação do estado de São Paulo-, uma boa seleção de poemas éditos e inéditos da autora, de Flagrantes do poço (seu primeiro livro) aos deliciosos Poemanifestos. Uma festa.
Para saber mais sobre o livro, o lançamento e a Luciana Tonelli, é lá no site da editora: