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Para acabar com o juízo dos críticos

Sempre tive um pé atrás com as críticas que topam manifestar juízos sobre o que presta e o que não presta. Tenho para mim que toda teoria que parte de um único ponto de vista acaba por se tornar unívoca e, por isso mesmo, equívoca. Aprendi muito cedo que o projeto poético alheio deve ser respeitado, mesmo que eu não goste dos seus princípios ou os seus fins. Cada pingo no seu i, alguns iis com seus acentos. Repito o lugar comum de que “não gosto de poetas, nem de poesia, gosto de poemas”. Mas não serei eu a tomar partido ante o que supostamente presta ou não presta. Uma base teórica costuma ter a pretensão de basear-se em conceitos. Todo bom conceito precisa funcionar como uma ferramenta de pensar. Mas se um conceito segue sendo usado para engendrar juízos de valor, ele logo se tornará um pré-conceito. Na verdade, todo juízo de valor, feio ou bonito, bom ou ruim é sempre um preconceito, um pré-juizo que nada tem a ver com a arte em si.

A chegada da obra de Ezra Pound na cultura brasileira, nos anos 50 e 60 através dos concretistas e de Mário Faustino foi providencial. Nos dias de hoje, o discurso insistentemente neopoundiano está obsoleto e mal utilizado. E não é culpa das idéias dele. É que elas cansaram de servir a tudo. Vivemos uma época de tantas incertezas que ficamos sem perceber que neste assunto nada mais foi investigado, proposto, acrescentado. Aprendemos muito pouco sobre Pound depois dos concretos. Falar dele em língua portuguesa é lê-lo fora de seu contexto. Seria necessário pensar em toda a poesia de língua inglesa desde sua época até os dias de hoje, com suas várias gerações de artistas que pegaram a lição do velho Pound e a aproveitaram à sua maneira. Dos beats ao slam, muita coisa passou desapercebida no lado debaixo do equador. A language poetry e o concretism são apenas manifestações tímidas e localizadas em meio ao turbilhão revolucionário da língua de Blake e não são as mais radicais, e já temos Jerome Rothenberg que colocou recentemente os poetas xamãs esquimós do Canadá ao lado de Augusto de Campos no setor destinado à poesia visual em sua antologia Poems for the millenium.

Noto que, com o tempo, os críticos se apegam aos juízos e se esquecem que Pound queria uma poesia sem literatura, que ele incitava os artistas da língua a escrever no idioma vernacular falado (não será exatamente o que Mallarmé também sonha quando diz em seu poema, já com a carne triste depois de haver lido todos os livros e pensado seriamente em fugir: “entends le chant des mâtelots [ouve a canção dos marinheiros]”?) e que o seu paideuma, (ou mãedeuma) era proposto apenas como um dentre os muitos possíveis ou não passava de filhodeuma.

O discurso dos ditos “de vanguarda” está gagá. Até mesmo a pretensa “tradição da ruptura” de Octavio Paz, (aquela teoria segundo a qual a tradição da poesia moderna consiste em romper com o passado, ou seja, a tradição de romper com a tradição) já perdeu o sentido. Afinal, romper com o que? Com que tradição podemos romper se já não nos apegamos a nenhuma. Se Bauman está certo em dizer que vivemos em “tempos líquidos”, vamos quebrar o quê?

Não é de hoje que leio poetas-críticos respeitáveis que não conseguem esquecer as lições dos concretos. Em plena era pós-2000, ainda alardeiam os mesmos adágios que Haroldo e Augusto de Campos andaram repetindo com maestria ao longo dos últimos quase 60 anos (!) mas com uma nota decadente, já que estão ocupados mais que tudo em fazer com que a literatura (a poesia incluída como literatura) entre pelo cânone. Procuram não-linearidade na criação literária, acham proibido falar de qualquer coisa que não seja o próprio poema no poema, negam a importância do idioma vernacular e esperam grandes pretensões do mero ato de fazer poesia por fazer. Para completar, veneram a importância das ditas “grandes obras” e citam poetas de prestígio unânime, “canonizados”. Ou seja, querendo se dizer amantes do difícil, acabam recorrendo ao fácil (existe coisa mais fácil que aceitar como “bom” aquilo que já é inquestionadamente aceito por todos?).

Todas as grandes descobertas passam por um primeiro momento em que ficam acessíveis apenas aos pesquisadores mais avançados e depois se tornam de uso comum. Os irmãos Campos foram vanguarda nos anos 50 e mantiveram uma chama acesa durante décadas num país fadado à burrice. Mas hoje em dia, eles são leitura obrigatória do jardim de infância de qualquer poeta brasileiro que se preze. Repetir essas teorias como se fossem a grande resposta depois de haver alcançado a idade adulta, é sintoma de alguma paranóia ou então estamos diante de um estranho conservadorismo, justo ali onde o crítico se quer mais avançado. Pois não foram os próprios poetas concretistas que a princípios dos anos 80 exortavam seus discípulos Paulo Leminski, Waly Salomão, Antônio Risério, Régis Bonvicino a romper com o concretismo?

É preciso acabar com o julgamento e a sanha classificatória dos literaturistas. Isto sim seria romper. O que podemos depreender de todo o processo civilizatório da cultura brasileira até aqui é que fomos, na maior parte do tempo, um povo reverente a tudo o que cremos ser la crème da civilização. No intuito de “fazer parte”, nós brasileiros acabamos boiando. Nos esforçamos incansavelmente para negar nossa barbárie que é, a bem da verdade, nosso maior patrimônio e o que nos coloca na vanguarda dos povos, ao lado dos bororo, os hotentotes, os taraumaras, os maori. Para quê se esconder por detrás das palavras? Se continuarmos a perder tanto tempo com juízos, escolhas do que é bom ou não, classificações e etiquetamentos, logo chegaremos ao século XIX ou ao manicânone. Convenhamos: a linearidade só pode ser um problema para aqueles que têm fé na linearidade de suas vidas. A poesia, “religião original da humanidade” (Novalis) é liberdade da linguagem (Leminski). E liberdade é ter todas as opções à mão, sem interditos. Se é para seguir o pensamento crítico de Ezra Pound, então por favor, que se possa pelo menos “make it new”.

Revista de Autofagia nº3 – para baixar

Ótima notícia de carnaval no blogue do Bruno Brum: a Revista de Autofagia nº3 já está disponível para baixar, em formato pdf. A revista, que é levada na base da boa vontade por ele (Bruno) e o Makely, é publicada desde 2003 e já teve como colaboradores: Estrela Leminski, Amarildo Anzolin, Marcelo Sahea e tantos outros. Neste número 3 você poderá ler poemas de Allen Ginsberg traduzidos por mim (Leo Gonçalves), os trabalhos da série tramas de Marcelo Terça-Nada! (que inclusive foram belissimamente aproveitados na capa e no projeto gráfico da revista), uma entrevista com o escritor mineiro Sérgio Fantini, poemas de Joca Reiners Terron, Micheliny Verunschk, Guilherme Rodrigues, Letícia Féres, Fabrício Marques, Mônica de Aquino, poemas de Bill Knott e Keneth Rexroth traduzidos por Reuben da Cunha Rocha, e muito mais. Faça o download da revista e confira.

Qualquer dúvida, dê uma sacada no www.saborgraxa.wordpress.com

juan fiorini

quase sempre
penso tudo

quase tudo
nada peço

tudo penso
quase nada

nada penso
sempre quase

quase nada
sempre tudo

quase sempre
nada tudo.

(do livro quase nada sempre tudo, de juan fiorini)

Do que eu mais gosto no livro do Juan Fiorini, é que ele é vagabundo como eu, despretensioso “corpoema” a transitar pelas ruas da sua cidade, poesia sem pose e sem limites, pura brincadeira que nada nada “faz de cada um de nós um santuário de tudo e de si mesmo”.

Fronteiras da pele, o novo livro de poemas da Ana Maria Ramiro

fronteiras_da_pele

Fronteiras da pele é o resultado de um projeto iniciado em Brasília e que levou dois anos para ser concluído. Em grande medida, é fruto de várias interferências diretas e indiretas: visuais, sonoras e pessoais, que acabaram influenciando o direcionamento que dei ao trabalho no tratamento com a linguagem.
(…)
Espero que o leitor consiga sentir o ritmo da respiração, o eriçar dos pelos, as pulsações e o movimento dos órgãos contido em cada um desses entes-poemas.

Ana Ramiro (www.girapemba.blogspot.com)

Ana Ramiro acaba de publicar seu novo livro de poemas. Fronteiras da pele sai pela Lumme editor, numa coleçãozinha que já conta com outras belezuras. Confira.

marcelo companheiro

outro dia, andando pelas ruas da cidade, me encontrei com um velho amigo: marcelo companheiro. o fato merece ser comentado aqui pelo grau de raridade que é encontrá-lo, seja onde for (na internet, inclusive). tivemos uma conversa surpreendente e promissora. trata-se de um sujeito diferente e voltarei a falar mais sobre ele muito em breve. enquanto isso, vou adoçando a boca de vocês com um poema dele, de 1996.

Mais uma e a conta

Mas é tanto Gospel,
tanta coca-cola
tanto papo furado.

Mas é tanto salto alto,
tanta preguiça,
tanto cabelo cortado

Que eu resolvi ficar
sentado
e pedir outra cerveja.

(tem mais um poema do Marcelo Companheiro  no lâmpada. vá ver:
www.friccoes.redezero.org/marcelo-companheiro)

autofagia na área

galera-08

já está na área o novo número da revista de autofagia. na foto, um encontro especial na casa do bruno para celebrar o esperadíssimo número. da esquerda para a direita: sérgio fantini, marcelo terça-nada!, a revista, eu e o bruno brum. ao fundo: uma linda lagoa em meio às montanhas de minas gerais.

leia mais notícias nos blogues do bruno brum e do makely.

pliegues y despliegues

pliegues/despliegues

pliegues despliegues é uma invenção de gabriela carrión e alicia, la oruga. a idéia é tão simples quanto genial e deveria ser imitada, copiada, citada.

veja a receita:
pegue uma folha de papel a4, imprima de um lado o(s) poema(s) que gostaria de difundir. o outro lado servirá de capa com todas as coordenadas para que o projeto se multiplique. agora convide mais 9 amigos para participar. todos farão o mesmo. depois, cada um imprime e xeroca uma certa quantidade para distribuir. ao final, teremos 10 pliegues, um para cada quinzena. imagine agora que cada amigo está em uma cidade ou um lugar diferente.

pronto, agora você tem o quadro quase completo da diversão. falta agora apenas um detalhe: mergulhar na brincadeira. descobrir como cada autor é lido, comentado, recebido. participar do poema, pendurá-lo, pregá-lo, dobrá-lo, render-se a ele.

este projeto teve sua primeira rodada no segundo semestre de 2008. a segunda começa hoje. e eu tive a honra de ser um dos convidados. outra pessoa também convidada foi a minha amiga letícia féres, que é de belo horizonte mas que provavelmente distribuirá os seus no rio de janeiro. participam nesta “ronda”:

– ARGENTINA –

Martín Maigua (Córdoba)
http://tantomundo.blogspot.com

Nicolas Gilio (Buenos Aires)
http://lapepadelalma.blogspot.com

– BRASIL –

Leo Gonçalves (Belo Horizonte)
https://salamalandro.redezero.org

– Letícia Féres (Belo Horizonte)
http://atrasdosolhos.wordpress.com

– ESPAÑA –

Diley (Toledo)
http://www.dileyenlaescotilla.blogspot.com

Jorge García Colmenar (Valencia)
http://www.tierraonirica.blogspot.com/

Olalla Hernández (Gijón)
http://linternaroja.blogspot.com

– VENEZUELA –

Andi Arias (Maracay)
http://agpacman.blogspot.com

Eleonora Requena (Caracas)
http://nocturna-mas-no-funesta.blogspot.com

Judith Mora (Valencia)
http://www.mundosecreto-jud.blogspot.com

Revista de Autofagia nº3

revista de autofagia nº3

está no prelo o 3º número da esperadíssima revista de autofagia. e está uma festa: litogravuras de marcelo terça-nada!, entrevista com o escritor sérgio fantini, artigo de fernanda salvo, conto de jorge rocha, poemas de micheliny verunshck, joca reiners terron, júlia studart, manoel ricardo de lima, mônica de aquino, paulo scott, guilherme rodrigues, fabrício marques, letícia féres, traduções de poemas de kenneth rexroth e bill knott por reuben da cunha rocha, entre outros. eu colaboro neste número com traduções de alguns poemas de allen ginsberg. nem precisa falar que pra mim é uma grande alegria estar aí na companhia de tanta gente boa.

a revista chegará em alguns dias e provavelmente haverá o lançamento, com saravá e muita festa. enquanto não vem, deixo vocês com uma palhinha, um poema do ginsberg. um dos melhores poemas que selecionei para traduzir. quem quiser mais, vá lá no sabor graxa. mas bom mesmo é o artefato de papel. que como diz o reuben, papel é bom porque queima.

PESQUISAS

Pesquisas mostram que as pessoas negras têm complexo de inferioridade ao ver famílias brancas

Pesquisas mostram que os Judeus se preocupam exclusivamente com a sua lascívia financeira

Pesquisas mostram que o Socialismo é um fracasso universal onde quer que seja praticado pela polícia secreta

Pesquisas mostram que a Terra foi criada 4.004 anos a.C, um Divino Bang

Pesquisas mostram que pardais, abelhas, lagartas, galinhas, porcos e vacas exibem sinais de comportamento homossexual quando aprisionados

Pesquisas mostram que a Confissão da Inerrância Batista do Sul é a mais virulenta forma da Verdade Cristã

Pesquisas mostram que 90% das pessoas que vão ao Dentista têm dentes ruins escovar seus dentes violentamente três vezes ao dia após as refeições estraga as raízes

Pesquisas mostram que Hollywood continua fazendo os melhores filmes, a sexualidade degenerada que as Nações Unidas é Boa [ ] Ruim [ ] Indiferente [ ] para os interesses americanos

Marque uma opção

Pesquisas mostram que a homossexualidade Reconstrucionista Cristã é Pecado, Lesbianismo crime contra a natureza, AIDS uma praga enviada para punir papa-Anjos gays bissexualidade desaprovada por 51% dos Americanos

Pesquisas mostram que jovens metaleiros que assistem TV alcançam maior QI do que os nativos dos rios Amazonas e Ucayali que não têm antenas

Pesquisas mostram que as orcas e as baleias apresentam Inteligência Mais Alta

Pesquisas mostram que a Corrupção Espiritual do Individualismo Elitista & a Arte Degenerada foram as causas de Ditaduras na União Soviética China e Alemanha que a posse de pornografia no Instituto da Família Americana resultou em um aumento de 35% dos crimes sexuais entre as bibliotecárias do instituto ver comportamento assassino em besteiróis de TV aumentou em 100% o comportamento de linguagem violenta pelos Chefes de Estado intercontinentais

Para concluir pesquisas mostram que o universo material não existe

Allen Ginsberg

May 20, 1992

RESEARCH

Research has shown that black people have inferiority complexes regarding white folks/ Research has shown that Jews are exclusively concerned with financial lasciviousness/ Research has shown Socialism to be a universal failure wherever practiced by secret police/ Research has shown that Earth was created 4004 B.C., a Divine Bang/ Research has shown that sparrows, bees, lizards, chickens, pigs & cows exhibit signs of homosexual behavior when in prison/ Research has shown Southern Baptist Inerrancy Confession the most virulent form of Christian Truth/ Research has shown that 90% of people going to Dentists have bad teeth/ brush your teeth violently 3 times a day after meals wear away the roots/ Research has shown that Hollywood makes the best films ever, though sexually degenerate/ that the U.N. is Good [ ] Bad [ ] Indifferent [ ] for American interests Check One/ Research has shown that Christian Reconstructionist homosexuality is Sin, Lesbianism crime against nature, AIDS a plague sent to punish gay Angelmakers bisexuality disapproved by 51% Americans/ Research has shown that teen headshakers watching TV get more IQ tests than natives of Amazon & Ucayali rivers who have no antennae/ Research has shown whales & porpoises to subscribe to a Higher Intelligence/ Research has shown that Elitist Individualism Spiritual Corruption & Degenerate Art caused Dictatorships in Soviet Union China and Germany/ that possession of pornography by American Family Institute has resulted in 35% increase in sex crimes among institute librarians/ viewing murderous behavior on TV sitcoms resulted in 100% increased violent language behavior by intercontinental Heads of State/ To conclude research has shown that the material universe does not exist

[Poema de Allen Ginsberg. Tradução: Leo Gonçalves]