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Revista Polichinello #17 ─ Por uma vida não-fascista

Revista Polichinello nº 17 - Por uma vida não-fascista [http://revistapolichinello.wixsite.com/poli17]

Esta seria uma edição impressa, mas a direção foi outra, por incompatibilidade com dias tão difíceis. O cenário por aqui, de uma esfera a outra, declina por vias mais e mais sinistras. Efeito do espectro que assombra o país, vertiginoso retrocesso. Com leis e medidas em favor dos interesses mais reacionários, tudo devidamente agenciado por uma política que persegue, sem dissimular, conquistas sociais, e opera com a lógica de subtração e sequestro, com violação e exclusão, que esvaziam possibilidades, como diz o Esposito: «desonerando a vida».

Verdadeiro trabalho de resistência é a permanência desta revista Polichinello, comandada por Nilson de Oliveira. De grande importância na cena literária brasileira, tão carente de publicações do gênero, ela vem sendo mantida pela força da vontade de seus editores. Usualmente, é uma publicação impressa. Sintomático que justo no momento do crescimento de uma mentalidade fascista e conservadora, que obsessivamente se coloca contra iniciativas culturais como esta, o dinheiro necessário para sua realização tenha faltado. Nesse sentido, a coragem de manter de pé seu propósito inicial, ainda que garantindo apenas sua publicação virtual que, ainda assim, é de grande urgência.

Por uma vida não-fascista.
Neste número, se pode ler textos de René Char (com tradução de Contador Borges), Beatriz Preciado (tradução minha), Edmond Jabés (tradução de Eclair Antônio A. Filho). Poemas de Leo Gonçalves, Leonardo Gandolfi, Eduardo Sterzi, Marília Garcia. Ensaios de Élida Lima, Michel Foucault, Carolina Villada Castro. E tantas coisas mais!

Por uma vida não-fascista. Sim, é disso que precisamos. Não deixar que o monstro domine os cérebros vazios.

Quem quiser ler, é lá no: http://revistapolichinello.wixsite.com/poli17

Leo Gonçalves no Jornal de Poesia

Lá pelo ano de 1996, navegava-se de um jeito bem diferente pela internet. Não havia google, nem sites de relacionamento tão acessíveis, emails eram para poucos. Mas já havia o Jornal de Poesia, um site criado e mantido pelo poeta cearense Soares Feitosa. Era de fato um grande feito, pois já naquela época, ele havia conseguido reunir o mais amplo acervo de poesia da língua portuguesa. Me lembro de explorar esse site com entusiasmo, trocando ideias com meu amigo Marcelo Terça-Nada! e colaborando com poemas que ainda não estavam por lá. Eram os anos dourados da internet e tudo era muito promissor. Hoje, o site é um dos mais completos do Brasil e conta ainda com uma “banda hispânica” e com a parceria da Revista Agulha, que é comandada pelos poetas Claudio Willer e Floriano Martins.

Esta semana, fui agraciado com uma página no jornal. Ainda em fase de construção. Minha presença do Jornal de Poesia começa com os ensaios “William Blake Hoje”, publicado originalmente no caderno Pensar, do Estado de Minas e “Antologia antilhana: um livro inventa o presente”, ensaio que publiquei em 2008 na revista Roda – Arte e cultura do Atlântico Negro, na ocasião dos 60 anos da Anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache de langue française, organizada por Léopold Sédar Senghor.

Em breve haverá mais no site: poemas e outros apetrechos. Para dar uma chegadinha, é só clicar no link aí embaixo.

www.jornaldepoesia.jor.br/leonardogoncalves.html

Para acabar com o juízo dos críticos

Sempre tive um pé atrás com as críticas que topam manifestar juízos sobre o que presta e o que não presta. Tenho para mim que toda teoria que parte de um único ponto de vista acaba por se tornar unívoca e, por isso mesmo, equívoca. Aprendi muito cedo que o projeto poético alheio deve ser respeitado, mesmo que eu não goste dos seus princípios ou os seus fins. Cada pingo no seu i, alguns iis com seus acentos. Repito o lugar comum de que “não gosto de poetas, nem de poesia, gosto de poemas”. Mas não serei eu a tomar partido ante o que supostamente presta ou não presta. Uma base teórica costuma ter a pretensão de basear-se em conceitos. Todo bom conceito precisa funcionar como uma ferramenta de pensar. Mas se um conceito segue sendo usado para engendrar juízos de valor, ele logo se tornará um pré-conceito. Na verdade, todo juízo de valor, feio ou bonito, bom ou ruim é sempre um preconceito, um pré-juizo que nada tem a ver com a arte em si.

A chegada da obra de Ezra Pound na cultura brasileira, nos anos 50 e 60 através dos concretistas e de Mário Faustino foi providencial. Nos dias de hoje, o discurso insistentemente neopoundiano está obsoleto e mal utilizado. E não é culpa das idéias dele. É que elas cansaram de servir a tudo. Vivemos uma época de tantas incertezas que ficamos sem perceber que neste assunto nada mais foi investigado, proposto, acrescentado. Aprendemos muito pouco sobre Pound depois dos concretos. Falar dele em língua portuguesa é lê-lo fora de seu contexto. Seria necessário pensar em toda a poesia de língua inglesa desde sua época até os dias de hoje, com suas várias gerações de artistas que pegaram a lição do velho Pound e a aproveitaram à sua maneira. Dos beats ao slam, muita coisa passou desapercebida no lado debaixo do equador. A language poetry e o concretism são apenas manifestações tímidas e localizadas em meio ao turbilhão revolucionário da língua de Blake e não são as mais radicais, e já temos Jerome Rothenberg que colocou recentemente os poetas xamãs esquimós do Canadá ao lado de Augusto de Campos no setor destinado à poesia visual em sua antologia Poems for the millenium.

Noto que, com o tempo, os críticos se apegam aos juízos e se esquecem que Pound queria uma poesia sem literatura, que ele incitava os artistas da língua a escrever no idioma vernacular falado (não será exatamente o que Mallarmé também sonha quando diz em seu poema, já com a carne triste depois de haver lido todos os livros e pensado seriamente em fugir: “entends le chant des mâtelots [ouve a canção dos marinheiros]”?) e que o seu paideuma, (ou mãedeuma) era proposto apenas como um dentre os muitos possíveis ou não passava de filhodeuma.

O discurso dos ditos “de vanguarda” está gagá. Até mesmo a pretensa “tradição da ruptura” de Octavio Paz, (aquela teoria segundo a qual a tradição da poesia moderna consiste em romper com o passado, ou seja, a tradição de romper com a tradição) já perdeu o sentido. Afinal, romper com o que? Com que tradição podemos romper se já não nos apegamos a nenhuma. Se Bauman está certo em dizer que vivemos em “tempos líquidos”, vamos quebrar o quê?

Não é de hoje que leio poetas-críticos respeitáveis que não conseguem esquecer as lições dos concretos. Em plena era pós-2000, ainda alardeiam os mesmos adágios que Haroldo e Augusto de Campos andaram repetindo com maestria ao longo dos últimos quase 60 anos (!) mas com uma nota decadente, já que estão ocupados mais que tudo em fazer com que a literatura (a poesia incluída como literatura) entre pelo cânone. Procuram não-linearidade na criação literária, acham proibido falar de qualquer coisa que não seja o próprio poema no poema, negam a importância do idioma vernacular e esperam grandes pretensões do mero ato de fazer poesia por fazer. Para completar, veneram a importância das ditas “grandes obras” e citam poetas de prestígio unânime, “canonizados”. Ou seja, querendo se dizer amantes do difícil, acabam recorrendo ao fácil (existe coisa mais fácil que aceitar como “bom” aquilo que já é inquestionadamente aceito por todos?).

Todas as grandes descobertas passam por um primeiro momento em que ficam acessíveis apenas aos pesquisadores mais avançados e depois se tornam de uso comum. Os irmãos Campos foram vanguarda nos anos 50 e mantiveram uma chama acesa durante décadas num país fadado à burrice. Mas hoje em dia, eles são leitura obrigatória do jardim de infância de qualquer poeta brasileiro que se preze. Repetir essas teorias como se fossem a grande resposta depois de haver alcançado a idade adulta, é sintoma de alguma paranóia ou então estamos diante de um estranho conservadorismo, justo ali onde o crítico se quer mais avançado. Pois não foram os próprios poetas concretistas que a princípios dos anos 80 exortavam seus discípulos Paulo Leminski, Waly Salomão, Antônio Risério, Régis Bonvicino a romper com o concretismo?

É preciso acabar com o julgamento e a sanha classificatória dos literaturistas. Isto sim seria romper. O que podemos depreender de todo o processo civilizatório da cultura brasileira até aqui é que fomos, na maior parte do tempo, um povo reverente a tudo o que cremos ser la crème da civilização. No intuito de “fazer parte”, nós brasileiros acabamos boiando. Nos esforçamos incansavelmente para negar nossa barbárie que é, a bem da verdade, nosso maior patrimônio e o que nos coloca na vanguarda dos povos, ao lado dos bororo, os hotentotes, os taraumaras, os maori. Para quê se esconder por detrás das palavras? Se continuarmos a perder tanto tempo com juízos, escolhas do que é bom ou não, classificações e etiquetamentos, logo chegaremos ao século XIX ou ao manicânone. Convenhamos: a linearidade só pode ser um problema para aqueles que têm fé na linearidade de suas vidas. A poesia, “religião original da humanidade” (Novalis) é liberdade da linguagem (Leminski). E liberdade é ter todas as opções à mão, sem interditos. Se é para seguir o pensamento crítico de Ezra Pound, então por favor, que se possa pelo menos “make it new”.

A ciência parcial da palavra

O livro Com/posições de Juan Gelman, foi publicado em 2007 pela editora Crisálida, em tradução de Andityas Soares de Moura. Além dos poemas que Juan publicou sob esse título, o livro traz também uma entrevista que o poeta concedeu a mim e ao Andityas na ocasião do lançamento do livro Isso (no início de 2005), publicada originalmente no Suplemento Literário de Minas Gerais e disponível aqui no Salamalandro. Em setembro de 2006, no dia exato do lançamento de Com/posições, escrevi esse artigo que permaneceu inédito, mas que na minha opinião, passado todo o tempo que você pode contar, continua atual.

A ciência parcial da palavra

Leonardo Gonçalves

É possível que nunca o tema da Torre de Babel tenha surgido com tanta força como na atualidade. Vivemos num mundo onde as fronteiras não impedem o contato entre pessoas de diferentes nações e idiomas. A tecnologia digital nos possibilita uma aproximação que nenhum fabricante de lentes ou telefones jamais pôde supor. Essa proximidade tem algo de Babel, pois ao mesmo tempo em que se comunica, também se incomunica. E o próprio ato de comunicar-se, transforma-se facilmente em tormento, em desacerto, em erro.

Babel, de acordo com o Gênesis, significa “confusão”. O castigo para a audácia humana. A incomunicabilidade como punição para que o homem se disperse pelo mundo. No entanto, somos testemunhas de que a variedade lingüística não é empecilho para a comunicação. Os amantes, os internautas e os poetas sabem disto muito bem. E o contrário também acontece: pessoas de um mesmo idioma muitas vezes se compreendem mal. Os políticos, as famílias e muitos leitores de poesia conhecem isso de perto.

Se não é o idioma que separa a compreensão da incompreensão, haverá algo que o determine? Continue lendo A ciência parcial da palavra