Poesia azucrina. Um poeta deve acreditar no que faz até as últimas consequências. Poetas querem ser reconhecidos antes mesmo de escrever os poemas. Os poemas não serão lidos. Não serão comentados. Não ganharão likes. Não serão favoritados. Não ganharão o Jabuti. Não concorrerão ao prêmio Portugal Telecom. Os poetas não serão convidados a participar da Frankfurt Buchmesse. Na Flip, os poetas poderão comprar ingressos a cinquenta reais para assistir às mesas de debate. Os assuntos discutidos lá serão todos irrelevantes ou quase. O tema que o poeta defende até os ossos não passará nem perto dos assuntos criados pelos organizadores de seu festival literário preferido. Tudo porque não foi o poeta-que-defende-suas-ideias-até-as-vísceras que organizou e, ainda que fosse, o projeto passaria por um grupo tão grande de burocratas e marqueteiros que, ao chegar à forma final, estaria tudo dilapidado.
O poeta só apita sobre seu próprio texto. Quando seu livro for para uma editora, corre o risco de ser tesourado pelo assistente editorial. Se não souber defender suas ideias até o miolo, o texto publicado será uma cópia da cópia da cópia da cópia de terceiro grau do mundo das ideias do seu autor. Ao ser publicado, o poeta também, salvo em casos honrosos (e em muitos, horrorosos), não palpitará no design gráfico. Poderá apenas apreciar ou depreciar. Alguns editores até podem ouvir seus terríveis protestos, revoltado que está com a capa nada a ver. Mas o voto ou o veto na hora de fechar o livro é do editor. Uma escolha que, aliás, estará limitada às limitações técnicas e estéticas do diagramador e seus acordos com a editora.
O melhor vendedor de um livro de poemas é o próprio autor. Isso não quer dizer que, ao fazer o marketing pessoal, ele vá ganhar uma legião de fãs. James Joyce foi um fracasso. Quando estava para ganhar reconhecimento, morreu. Kafka não publicou seus próprios livros e, no leito de morte, pediu para queimá-los. Dava tempo. Fernando Pessoa só viu um de seus livros impresso. Mensagem é um grande livro, mas não o seu melhor. Nem o mais popular. “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”, sua frase mais célebre, é citada todos os dias fora de contexto. Deixou de ser verso pra virar chavão de autoajuda. A alma teve que deixar o Pessoa antes que os autônimos e heterônimos dele passassem a ser os mais lidos, citados, adorados e psicografados da língua portuguesa.
Bons escritores são odiados pelos críticos e o público não os entende. Ser amigo de poetas não faz um poeta poeta. Imitar as fórmulas dos outros, citar autores conhecidos, perambular entre escritores, ser coisa pública na república das letras não garante qualidade. Qualidade não é poesia, poesia não é qualidade. Reconhecimento não possibilita bons poemas, por mais que a alma não seja pequena. Poetas precisam é de dinheiro. Reconhecimento vem com o tempo. Mas o tempo não gosta de poemas ruins. Nem quem não defende o poema até a espinha dorsal. Se for um soneteiro sonolento, se for um rimador de meia tigela, se seu plano é agradar o leitor, ele não sairá nunca da mediocridade. Talvez seja melhor ser medíocre. O público gosta de mediocridades. Twilight sempre existiu e sempre fez sucesso em todos os tempos.
Um bom poema azucrina. Quem quiser gostar que goste. Quem não gostar, que se desgaste. Pound fazia uma analogia com a ciência: o pesquisador neófito aprende o conhecimento que chegou até ele antes de se arrogar um descobridor. Quando o novo chega, apenas um pequeno grupo é capaz de compreender. O restante da turba sabe apenas execrar. Freud foi execrado. Galileu foi pra forca. Acharam que Einstein era um baleleiro. Só depois é que suas ideias se tornaram unanimidades. Poetas inventam o mundo – o seu próprio mundo. Caos e cosmos se agregam e desagregam num poema. É destruindo que se constrói. Poetas precisam de bons psicólogos, mas estes precisam ser mais inteligentes que aqueles, o que pode não ser muito fácil de achar. O que é original incomoda, ninguém entende. O psicólogo pode querer destruir a originalidade do poeta. Poetas mentem muito. Baudelaire hoje estaria viciado em Fluoxetina.
Se o poeta quer, tem que insistir. Defender com unhas e dentes, jogar pedra se for preciso. Pixar se for preciso. Encher o saco. O esforço pelo poema não vale a pena. Não vale um centavo. Não vale uma menção no jornal. Nem nos classificados. Não vale uma tuitada. Não dá prestígio. Talvez uma meia dúzia de bombons e nada mais. Tentar lucrar com isso te matará de fome. Poemas assassinam, agridem, desumanizam o autor. O poema é ingrato. Do poema só sai poesia. Só isso. Nada mais. Divirta-se com poesia. Ou desista.
E pra que a pressa, né Leo? Temos o tempo a nosso favor.
ô rix, não sei se temos tempo. mas não dá pra fazer poesia pensando nos likes. isso desconcentra e emburrece qualquer cidadão. digo isso porque é o que tenho ouvido: “mas sou um poeta conhecido. tenho 10 mil seguidores no twitter e 5 mil no facebook. meus poemas têm não sei quantas curtidas por dia e não sei quantos compartilhamentos”. valha-me!
belo toque, meu velho! um texto p/ se reler
…bora azucrinar…Caos e cosmos se agregam e desagregam num poema. É destruindo que se constrói…
Brilhante texto, desses para ler, reler, e sublinhar.