Tenho em minhas mãos meu exemplar da revista impressa Modo de usar & co., editada por Angélica Freitas, Marília Garcia e Ricardo Domeneck. A edição, como sempre, está belíssima e conta com a participação de uma turma admirável, dos quais enumero apenas alguns: Omar Khouri, Ricardo Aleixo, Reuben da Cunha Rocha, Edimilson de Almeida Pereira, Juliana Krapp, Jussara Salazar, Fabiano Calixto, Ismar Tirelli Neto, Veronica Stigger, todos com poemas matadores. Isso sem falar nas traduções de Pier Paolo Pasolini, John Cage, Ovidio, Eiríkur Örn Norðdahl, entre outros.
Colaboro neste número com a tradução do poema “Elegia para a Rainha de Sabá”, de Léopold Sédar Senghor. Peça a seu livreiro. Eu já tenho o meu.
O poeta Charles Baudelaire, viciado em fluoxetina nos dias de hoje.
Poesia azucrina. Um poeta deve acreditar no que faz até as últimas consequências. Poetas querem ser reconhecidos antes mesmo de escrever os poemas. Os poemas não serão lidos. Não serão comentados. Não ganharão likes. Não serão favoritados. Não ganharão o Jabuti. Não concorrerão ao prêmio Portugal Telecom. Os poetas não serão convidados a participar da Frankfurt Buchmesse. Na Flip, os poetas poderão comprar ingressos a cinquenta reais para assistir às mesas de debate. Os assuntos discutidos lá serão todos irrelevantes ou quase. O tema que o poeta defende até os ossos não passará nem perto dos assuntos criados pelos organizadores de seu festival literário preferido. Tudo porque não foi o poeta-que-defende-suas-ideias-até-as-vísceras que organizou e, ainda que fosse, o projeto passaria por um grupo tão grande de burocratas e marqueteiros que, ao chegar à forma final, estaria tudo dilapidado.
O poeta só apita sobre seu próprio texto. Quando seu livro for para uma editora, corre o risco de ser tesourado pelo assistente editorial. Se não souber defender suas ideias até o miolo, o texto publicado será uma cópia da cópia da cópia da cópia de terceiro grau do mundo das ideias do seu autor. Ao ser publicado, o poeta também, salvo em casos honrosos (e em muitos, horrorosos), não palpitará no design gráfico. Poderá apenas apreciar ou depreciar. Alguns editores até podem ouvir seus terríveis protestos, revoltado que está com a capa nada a ver. Mas o voto ou o veto na hora de fechar o livro é do editor. Uma escolha que, aliás, estará limitada às limitações técnicas e estéticas do diagramador e seus acordos com a editora.
O melhor vendedor de um livro de poemas é o próprio autor. Isso não quer dizer que, ao fazer o marketing pessoal, ele vá ganhar uma legião de fãs. James Joyce foi um fracasso. Quando estava para ganhar reconhecimento, morreu. Kafka não publicou seus próprios livros e, no leito de morte, pediu para queimá-los. Dava tempo. Fernando Pessoa só viu um de seus livros impresso. Mensagem é um grande livro, mas não o seu melhor. Nem o mais popular. “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”, sua frase mais célebre, é citada todos os dias fora de contexto. Deixou de ser verso pra virar chavão de autoajuda. A alma teve que deixar o Pessoa antes que os autônimos e heterônimos dele passassem a ser os mais lidos, citados, adorados e psicografados da língua portuguesa.
Bons escritores são odiados pelos críticos e o público não os entende. Ser amigo de poetas não faz um poeta poeta. Imitar as fórmulas dos outros, citar autores conhecidos, perambular entre escritores, ser coisa pública na república das letras não garante qualidade. Qualidade não é poesia, poesia não é qualidade. Reconhecimento não possibilita bons poemas, por mais que a alma não seja pequena. Poetas precisam é de dinheiro. Reconhecimento vem com o tempo. Mas o tempo não gosta de poemas ruins. Nem quem não defende o poema até a espinha dorsal. Se for um soneteiro sonolento, se for um rimador de meia tigela, se seu plano é agradar o leitor, ele não sairá nunca da mediocridade. Talvez seja melhor ser medíocre. O público gosta de mediocridades. Twilight sempre existiu e sempre fez sucesso em todos os tempos.
Um bom poema azucrina. Quem quiser gostar que goste. Quem não gostar, que se desgaste. Pound fazia uma analogia com a ciência: o pesquisador neófito aprende o conhecimento que chegou até ele antes de se arrogar um descobridor. Quando o novo chega, apenas um pequeno grupo é capaz de compreender. O restante da turba sabe apenas execrar. Freud foi execrado. Galileu foi pra forca. Acharam que Einstein era um baleleiro. Só depois é que suas ideias se tornaram unanimidades. Poetas inventam o mundo – o seu próprio mundo. Caos e cosmos se agregam e desagregam num poema. É destruindo que se constrói. Poetas precisam de bons psicólogos, mas estes precisam ser mais inteligentes que aqueles, o que pode não ser muito fácil de achar. O que é original incomoda, ninguém entende. O psicólogo pode querer destruir a originalidade do poeta. Poetas mentem muito. Baudelaire hoje estaria viciado em Fluoxetina.
Se o poeta quer, tem que insistir. Defender com unhas e dentes, jogar pedra se for preciso. Pixar se for preciso. Encher o saco. O esforço pelo poema não vale a pena. Não vale um centavo. Não vale uma menção no jornal. Nem nos classificados. Não vale uma tuitada. Não dá prestígio. Talvez uma meia dúzia de bombons e nada mais. Tentar lucrar com isso te matará de fome. Poemas assassinam, agridem, desumanizam o autor. O poema é ingrato. Do poema só sai poesia. Só isso. Nada mais. Divirta-se com poesia. Ou desista.
«« os pixadores são os únicos artistas contemporâneos (além dos hackers e skatistas) q mantêm a posição de criminosos (…) «« pixo transmídia «« futurismo da imaginação arcaica
Reuben da Cunha Rocha e Tazio Zambi
A Randomia é uma revista psicotrópica, tudo cuidado nos mínimos detalhes, subversão pulsante e atenta a todo seu poder de vandalismo. A lista do novo número é foda, com direito a revelações e descascadas, desempoeiramentos de armas letais e coisas quetais. José Roberto Aguilar, N. H. Pritchard, Rosaire Appel, Kodwo Eshun, José Irion Neto, Edgardo Antonio Vigo, Nicanor Parra, Violeta Cenzi, Niko Vassilakis e seus tradutores. Colaboro com a tradução de alguns dos crimes charmosos, simpáticos & deliciosos do senhor Tristan Tzara, o papá do dadá. Leia lá:
Dois poemas de W. B. Yeats que falam da passagem do tempo, espécie de carpe diem às avessas. “Antes da criação do mundo” é a voz de uma mulher que se embeleza, não porque seja vaidosa, mas porque vive em busca do arquirrosto, da arquibeleza, da imagem mítica de si mesma, como quem buscasse a língua original da comunicação olho-no-olho. Sua amargura (“E se ao olhar um homem/Ainda que seja meu amado,/Meu sangue se congela/E meu peito fica estagnado?”), lembra um pouco a impenetrabilidade das femmes-fatales tão caras à geração simbolista, especialmente as que aparecem em poetas como Swinburne e Pierre Louÿs. Algo lá no fundo, os ovidianos “medicamina faciei femineae”, talvez, dizem: o tempo há de seguir em frente, mas continuarei buscando aquela que fui “antes da criação do mundo”.
A “well-beloved” do poeta é a vítima dos consoladores de rapina que chegam para dizer que não há problema em ver que a juventude aos poucos desaparece no seu rosto, ao que o poeta protesta. A fascinação daquilo que é difícil, tema de um outro poema de Yeats, também parece atuar aqui. O rosto da mulher amada se faz mais belo com o passar do tempo, diz o coração do poeta. O tempo só faz o belo mais belo.
Esses dois poemas que eu e Clarice Goulart traduzimos (nossa primeira parceria, preparem-se que aí vêm muitas outras!), ganharam morada apropriadíssima num site chamado “Musa rara”. Afinal, não seriam musas raras essas mulheres de Yeats?
Em tempo: participei na semana passada do Menu de Poesia, sarau que acontece no CCSP a cada mês organizado por Maria Alice Vasconcelos. Na abertura do evento, ouvimos em grande deleite o texto do Edson Cruz (editor do Musa Rara) sobre sua afroascendência afirmativa. Frases como “Sim, os argumentos que livram o negro das armadilhas do discurso colonial podem se constituir em uma nova forma de idealização do negro”, ou “Sim, as expressões “escritor negro”, “literatura negra” ou “literatura afro-brasileira” podem rotular e aprisionar mais ainda, mas instauraram e ainda instauram um debate necessário e urgente”, ou ainda “Sim, o opositor não é o brasileiro branco, mas o brasileiro preconceituoso”, ficaram ecoando em minha mente nos dias seguintes. Fico feliz que ele tenha decidido tornar públicas num sentido mais amplo as palavras que ele proferiu.
Aproveitando este segundo tema, na semana passada apareceu na franquia virtual da revista Modo de Usar e Co., mais um poema congolês traduzido por mim. Desta vez, se trata de “Notícias de minha mãe” (Nouvelles de ma mère) de Jean-Baptiste Tati Loutard.
Na foto: o poeta angolano Abreu Paxe (Fotógrafo não identificado)
Para quem estiver em São Paulo, hoje, dia 08/08, quinta-feira – das 20h15 às 22h30, me apresento no Centro Cultural São Paulo (Rua Vergueiro, 1000 – Paraiso) no Menu de Poesia, evento mensal organizado por Maria Alice Vasconcelos.
O recital de hoje será dedicado a poetas afrolusófonos (dos dois lados do Atlântico). Haverá uma breve palestra do Edson Cruz, e leitura de poemas por Abreu Paxe, Célia Ábila, Charles Gentil, Diogo Cardoso, Fabiano Fernandes Garcez, Ivan Carlos Regina, José Geraldo Neres, Leo Gonçalves, Luiz Ariston Dantas, Maria Fátima Araújo Vieira, Rita Alves.
Conforme combinado, o que será para mim uma honra, falarei poemas do meu amigo Anelito de Oliveira, poeta mineiro que atualmente vive em Montes Claros. O acaso da escolha (não minha), me trouxe à lembrança o fato de ter sido ele, quando editor do Suplemento Literário de Minas Gerais, o primeiro a publicar uma tradução minha no papel impresso. No caso, um poema de Julio Cortázar, “A fogueira onde arde uma”. Foi em 2001.
Para homenageá-lo, falarei também alguns poemas meus.
Durante o evento, haverá a participação especial da Faculdade Zumbi dos Palmares com a presença de uma turma de alunos e breve palestra sobre literatura africana pelo Reitor José Vicente e pela Profa Ma. Ellen de Lima Souza.
Entrada franca – sem necessidade de retirada de ingressos.
Acabam de chegar às minhas mãos os esperadíssimos exemplares de Tenho tanta palavra meiga: alguns poetas mexicanos, antologia organizada pelo meu amigo Fernando Reyes e traduzida por mim. A edição é uma parceria entre a mexicana Ediciones Libera e a Anome Livros.
São ao todo 32 poetas contemporâneos que perambulam pelo México. Os traduzi com alegria, mas tenho também que confessar a estranheza do trabalho: pensar que duas línguas tão vizinhas, que duas culturas tão parecidas (a mexicana e a brasileira) necessitam de tradução em pleno século XXI, essa era de nomadismos e convívios de diversidade, foi algo que me deixou um tanto confuso.
O título da antologia é tirado de um poema (“A bruxa”) de Carlos Drummond de Andrade. Com poemas publicados apenas em português (grande responsa para mim), a antologia reúne um pouco do mistério e do erotismo que permeiam o imaginário linguístico dos mexicanos de hoje. Num esforço de renascimento após uma ironia cruel do Fernando Reyes no prefácio do livro (e que ouvi de sua própria boca enquanto caminhávamos pela Paulista), esta antologia demonstra que a poesia mexicana não descansa em Paz.
O projeto ”Digas! Poesia Falada” apresenta a performance “Em caso de incêndio queime lentamente”, no Teatro de Bolso Júlio Mackenzie do Sesc Palladium, na quarta-feira, dia 17 de julho, às 19h30.
O espetáculo traz alguns dos poemas mais recentes de Leo Gonçalves, especialmente os do livro “Use o assento para flutuar”, lançado em 2012. Com ironia e bom humor, o poeta aproveita as mensagens do mundo contemporâneo para fazer o que ele chama – citando o sociólogo Zygmunt Bauman – de uma “crítica da razão líquida”. Concebida pelo próprio poeta, Em caso de incêndio queime lentamente trabalha com elementos musicais e audiovisuais, a partir dos objetos presentes no palco, do público e de seu próprio corpo como instrumentos sonoros.
17 de julho de 2013
quarta-feira às 19h30
Local: Teatro de Bolso Júlio Mackenzie do Sesc Palladium
Avenida Augusto de Lima, 420, Centro
Entrada: R$10 ou 1 Kg de alimento não perecível para o Programa Mesa Brasil Sesc Minas Gerais. Retirada de ingresso 1h antes. Espaço sujeito à lotação.
Classificação: livre
Informações: (31) 3279-1500
Esta semana, de 2 a 7 de julho, o programa é em Paraty, onde acontece a Flip e, simultaneamente, a Off Flip. Participo desta última com a performance Em caso de incêndio queime lentamente, que apresentarei em versão beta. Será na quinta-feira, a partir às 22h, no Camoka Cultural, onde já estive antes com o lançamento do Use o assento para flutuar.
Na sequência, um sarau no La Luna, na sexta-feira às 21h. No sábado, mediação da conversa entre as poetavidas Carla Vergara e Morgana Masetti no Clube de Autores às 10h da manhã. Por fim, no sábado à noite a partir das 22h estará rolando o sarau Picareta, organizado pelo meu amigo Caio Carmacho.
Para saber maiores informações e acompanhar o restante da programação, acesse: