Arquivo da categoria: Poesia & arredores

Conversa com Marcelo Dolabela


(Foto: Daniel Protzner)

A sorte que tive na primeira ZIP, podendo acompanhar boa parte da programação no mês de abril, não se repetiu em maio. Sei que no decorrer do mês aconteceram momentos inesquecíveis, como o bate-papo entre as admiráveis poetas Thais Guimarães, Mônica de Aquino, Mariana Botelho e Ana Elisa Ribeiro. Também teve o lançamento do livro O silêncio tange o sino, da Mariana Botelho, oficina com Álvaro Andrade Garcia e Henrique Roscoe, o 1mpar, teve exposição, intervenções e bate-papo com o Marcelo Kraiser e muito mais coisas as quais eu gostaria muito de estar presente.

Mas tive a honra de estar por lá no dia 12 de maio para uma enriquecedora conversa com Marcelo Dolabela, intermediada pelo Ricardo Aleixo. Dentre as coisas que mais falamos, a que considero mais importante é a profunda ausência dos poetas de minha geração. Não há publicações, não há esforços para se autopublicarem ou, quando há, não há grana. Pouco se pode dizer da maioria dos que escrevem e têm até, digamos, 40 anos. Também desapareceram os fanzines, as pequenas revistas, as autopublicações coletivas. Tudo ficou confinado a blogs, facebooks e outras facilidades que estão aí mais em prol das aparentes pessoalidades virtuais do que da veiculação de poesia.

Está lançado o desafio.

Revista Pitomba

Revista Pitomba

Uma das grandes alegrias de 2011 foi receber das mãos do meu amigo Reuben da Cunha Rocha um exemplar da revista Pitomba, produzida na cidade de São Luís, com o seguinte editorial ocupando as duas primeiras páginas:

Quer fazer, faz.

Organizada e editada pelo próprio Reuben e dois outros maranhenses da porra, o Bruno Azevedo e o Celso Borges, com textos e traduções deles mesmos e de outros de lá, a revista traz também poemas de Gregory Corso, Allen Ginsberg, Thurston Moore, alguma sátira e divertidas ilustrações. Tudo numa edição simples, barata e bem feita. Uma festa.

Um poema de Anderson Almeida

Guerra

Para Leo Gonçalves

Você para –
e se depara
com o guepardo.

Fogo nativo,
na noite
ativo.

Você para –
e o guepardo
repara.

Suas fibras
sem grades
se compassam.

Nas patas,
a pausa
se aperta.

Nos pés,
o passo
passa.

A espádua,
a espada
do guepardo.

A sua,
o olhar
crispado.

Ele dispara
e você, calado,
só encara.

(Seu corpo,
do medo,
isolado.)

Você, quieto,
ao seu embalo
se iguala.

Ele, solto,
a você imóvel
se equipara.

O respeito
mal resvala
a face felina

e o ataque,
cedo certo,
desanima,

e o anteparo
dessa ruga
lhe ampara.

A fera
se equipa
de cautela

e a estátua
em suas patas
se hospeda.

.

II

Outra arma
entre os dois
se aloja.

Fogo-falo,
contra a noite
feito fraco,

a distância,
a armadura
dessa arma.

O abuso
dessa ajuda
os ultraja

e o guepardo
se vira
contra a besta,

que de lá
já aponta
para a fera.

(Fulo,
você folia
por sua guerra.)

O guepardo,
ora irado,
se destaca –

predador
que voa
como pedra.

O estalo
do tiro
não o abala:

ele dispara
a si
contra a bala.

Anderson Almeida (1977), poeta belorizontino, foi premiado em vários concursos de poesia e não publicou nenhum de seus livros. Participou recentemente do livro Intervalo, respiro, pequenos deslocamentos – ações poéticas do Poro. Considero-o um dos mais consistentes da minha geração e para mim é uma imensa honra ter um poema dele dedicado a mim e honra tão grande quanto esta é poder publicá-lo aqui no Salamalandro. Valeu Anderson!

Sexta passada na ZIP

A ZIP / Zona de Invenção Poesia & estava incrível. Uma exposição de poemas-cartaz com alguns dos melhores poetas das gerações vivas, uma interessante mostra de vídeo-poemas, poesia visual, bons livros. Pela noite, presenças memoráveis, conforme você poderá ver no blogue do Ricardo Aleixo e no flyer abaixo.

Quanto a mim, tive a honra de reinaugurar e amadurecer um pouco a performance POEMACUMBA, agora com cenário concebido pela artista plástica Michelle Campos. A instalação Comida de Santo, feita com hóstias. Veja na foto um dos lindésimos de segundos em que  evoquei os nkisis para que a sala se mantivesse em estado de poesia.

Espero pronunciá-los outras vezes.

Léon Gontram Damas 99 anos

saldo

tenho a impressão do ridículo
quando estou nesses sapatos nesse smoking
nessa gravatas nesses colarinhos
nesses seus monóculos nesse chapéu-coco

tenho a impressão do ridículo
com meus artelhos que não foram feitos para
transpirar da manhã até a noite que despe
com tanta malha me enfraquecendo os membros
e arrebata de meu corpo sua beleza de tapa-sexo

tenho a impressão do ridículo
com meu pescoço em chaminé de usina
com essas enxaquecas que cessam
cada vez que saúdo alguém

tenho a impressão do ridículo
em seus salões em seus modos
suas reverências suas fórmulas
sua múltipla necessidade de macaquices

tenho a impressão do ridículo
em tudo o que eles contam
até que te servem à tarde um pouco de água quente
e docinhos resfriados

tenho a impressão do ridículo
com as teorias que eles temperam
ao gosto de suas necessidades de suas paixões
de seus instintos abertos à noite em forma de esteira

tenho a impressão do ridículo
entre eles cúmplice entre eles gigolô
entre eles degolador as mãos temerosamente vermelhas
do sangue de sua civilização

solde
j’ai l’impression d’être ridicule/dans leurs souliers dans leur smoking/dans leur plastron dans leur faux col/dans leur monocle dans leur melon//j’ai l’impression d’être ridicule/avec mes orteils qui ne sont pas faits pour/transpirer du matin jusqu’au soir qui déshabille/avec l’emmaillotage quim’affaiblit les membres/et enlève à mon corps sa beauté de cache-sexe//j’ai l’impression d’être ridicule/avec mon cou en cheminée d’usine/avec ces maux de tête qui cessent/chaque fois que je salue quelqu’un//j’ai l’impression d’être ridicule/dans leurs salons dans leurs manières/dans leurs courbettes dans leurs formules/dans leur multiple besoin de singeries//j’ai l’impression d’être ridicule/avec tout ce qu’ils racontent/jusqu’à ce qu’ils vous servent l’après-midi un peu d’eau chaude/et des gâteaux enrhumés//j’ai l’impression d’être ridicule/avec les théories qu’ils assaisonnent/au goût de leurs besoins de leurs passions/de leurs instincts ouverts la nuit en forme de paillasson.//j’ai l’impression d’être ridicule/parmi eux complice parmi eux souteneur/parmi eux égorgeur les mains effroyablements rouges/du sang de leur civilisation/

Léon Gontram Damas foi, ao lado de Léopold Sédar Senghor e Aimé Césaire, um dos principais mentores da négritude, movimento responsável por uma das melhores estetizações das lutas contra o racismo no século XX. Nasceu no dia 28 de março de 1912. Hoje, 28 de março de 2011, ele comemoraria seus 99 anos.