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No Londrix 2012

Semana que vem, de 24 a 26 de agosto, participo do Londrix – Festival Literário de Londrina e estarei com a programação intensa. Veja aí:

Sexta-feira, dia 24/8 às 17h30 no SESI Lançamento do Use o Assento para flutuar na companhia de Edison Maschio, Marcelo Montenegro, Marcelino Freire, Felipe Pauluk e Beatriz Bajo (que também estarão lançando os deles).

Sábado, dia 25/08 às 18h no SESI: mediação do bate-papo com os “poETs” (banda formada por Alexandre Brito, Ricardo Silvestrin e Ronald Augusto).

Em seguida, às 19h30, participo da mesa “Literatura, performance e outros meios”, com Maicknuclear, Carol Sanches e mediação da fotógrafa Fernanda Magalhães.

E por fim, no domingo, 26/08, participamos (eu e Franciane de Paula) da festa de encerramento do LONDRIX 2012, com a performance POEMACUMBA. A festa começa ao meio-dia na Vila Cemitério de Automóveis.

Para saber mais sobre o festival e ver a programação completa: www.londrixfestivalliterario.com.br

 

No livro: fotos de Juliana Corradini

Foto: Juliana Corradini

Enquanto a ansiedade remexe o Salamalandro, à espera do lançamento de Use o assento para flutuar, enquanto vou me preparando para performar o Poemacumba em sua nova fase, vou contando um pouco mais sobre o livro.

Me ocorre lembrar que, além dos meus poemas, o livro contará com um trabalho de Juliana Corradini, uma artista moderna e pluriativa, habitante da Pauliceia. São fotos de fios em alto contraste que podem ser vistas também como outra(s) coisa(s): uma xilogravura, uma serigrafia, riscos num papel cinza e por aí vai. A que está aí acima é só uma palhinha. (Fato curioso: as fotos dela combinaram com o texto da contracapa, assinado pelo Ricardo Aleixo. Coincidência.)

Quem quiser ver mais, aguarde um pouco. Elas estarão disponíveis, no livro, a partir do dia 21 de agosto!

 

Da palavra macumba ao Poemacumba

 

Palavra com destino diverso e adverso é esta palavra “macumba”.

Remanescente, como muitas, do vocabulário dos africanos trazidos para o lado de cá do Atlântico, de origem banto, com possíveis etimologias em quimbundo, umbundo e quicongo. É palavra de múltiplos significados, sobreviventes e desesperados, em meio às confusas corruptelas que a fala conseguiu salvar sob as chibatadas, as mordaças e a opinião alheia.

No dia a dia, ela é usada com dupla conotação. Por um lado, ela é a oferenda colocada nos locais próprios dos cultos religiosos pertencentes. Encruzilhadas, cemitérios, beiras de estrada, nascentes, cachoeiras. Na faceta pejorativa, não de todo descolada desta primeira, significa feitiço, prodígio para fazer o mal a uma determinada pessoa ou grupo de pessoas. É daí que vem o “chuta que é macumba”, expressão em voga nos dias de hoje. Supõe-se que a pessoa, ao se deparar com a oferenda, poderá ser atingida pelo sortilégio. E chutar é uma forma de tentar desfazê-lo.

O Novo dicionário Banto do Brasil de Nei Lopes, é uma importante leitura para quem se interessa pela filologia da língua brasileira. Convencido de que as matrizes da língua não estão somente na península ibérica, ele levanta diversas fontes para a etimologia de palavras insuspeitas. “Cara”, por exemplo, esta palavra que usamos como vocativo masculino, “o cara”, teria origem no vocábulo quimbundo “okala”, que significa homem. Plausível. Por isso mesmo, o dicionarista Houaiss aproveitou diversas acepções de Nei Lopes em seu monumental Dicionário da Língua Portuguesa.

Nele, podemos encontrar diversas possíveis etimologias para esta palavra macumba. Segundo Lopes, para alguns ela vem de dikumba, precedida do prefixo “ma”, que em algumas línguas banto é marca de plural. Dikumba quer dizer cadeado, fechadura, referindo-se à cerimônia de fechamento de corpos, mas também ao segredo presente nessas religiões de iniciação. Quem “chuta que é macumba”, está chutando algo que não conhece e não compreende. Chuta-se o segredo. Muitas vezes por medo de ser o destinatário do feitiço, mas também por ignorar absolutamente que os destinatários da maioria das oferendas são as próprias divindades. Uma farofa, pipoca e cachaça podem ser oferendas para Exu, o deus mensageiro. Milho é oferenda para Oxossi ou para Oxum. Acarajé é muito apreciada por Iansã. Amalá, um prato com inhame, é, conforme se diz, “comida de Xangô”. São as “Comidas de santo”. E isso não é segredo.

Mas Nei Lopes opina que a palavra macumba vem mesmo é de kumba, feiticeiro (palavra também quimbunda), com adição do mesmo prefixo plural. Sendo assim, não está errado quem diz que macumba é feitiço. Um respeitado pai de santo me disse que feitiço não existe. Mas conheço gente que já fez. Feitiço existe e não existe. Boas intenções existem. Más também. Acredita-se mais nas más do que nas boas? Feitiço é como o diabo do Guimarães Rosa, “vige é dentro da gente”. Todas as culturas, crenças e povos, sejam eles ciganos, celtas, iorubas, egípcios, núbios, indianos, guaranis, sempre souberam disto.

Relativizadores, na tentativa de purificar a impressão geral sobre as religiões de matriz africana, querem fazer que a palavra designe um instrumento musical parecido com o reco-reco (já vi quem dissesse também que o tal instrumento é uma espécie de tambor feito com a madeira de uma árvore específica). Se continuarmos seguindo a orientação de Nei Lopes, veremos que essa acepção está ligada a uma outra palavra do quimbundo: mukumbu, som.

Há lugares em que macumba é a filha-de-santo, as pessoas que praticam a religião. “Fulana, macumba do terreiro tal”. Nesse caso, sempre seguindo Nei Lopes, macumba seria proveniente do umbundo. Nesta língua, kumba é “família morando dentro do mesmo cercado” e também “conjunto de domésticos, serviçais e escravos”. Nesta mesma acepção, o falante brasileiro está habituado a dizer que fulano “é macumbeiro”, ou seja: fulano é da umbanda ou do candomblé.

Essas são as etimologias apresentadas no admirável Dicionário de Nei Lopes. Entre os simpatizantes e praticantes dos cultos ancestrais (candomblé, umbanda e suas variantes), macumba significa (simples e afetivamente) terreiro, ou seja, o local onde são feitos os rituais e também a sua prática.

Mas palavras têm seus próprios usos, independente da explicação que dermos e da sua etimologia. E aquelas de origem africana, especialmente as ligadas a seus cultos originais, possuem mesmo esse dom de dubiedade e são fácil alvo de preconceito para o maniqueísmo ocidental. Macumba não é a única. Muito já se falou, por exemplo, do pré-juízo que assola o nome do já citado orixá mensageiro, peça chave do panteão iorubá, Exu, identificado com o diabo no imaginário cristianizado. E, mais parecida com macumba, tem aquela que entrou negativamente para o vocabulário afroestadunidense e que passou para o Brasil com o mesmo enxurro (para usar uma palavra de Waly Salomão): voodoo, vodu, vodum.

Vodu é palavra de origem fon. Em candomblés brasileiros (conhecidos como Nação Jeje) e caribenhos, ela significa o mesmo que Orixá e Nkisi (Inquice, segundo a grafia mais aportuguesada). As práticas vodus são atividade central em países como o Haiti, a Martinica e outros lugares nas Antilhas e no Benin. Passaram para os Estados Unidos num período de migração antilhana para lá. Esse mesmo povo inseriu palavras novas no inglês estadunidense. Uma delas é Zombie. A prática vodu é, por exemplo, tema do filme Coração satânico (veja que aí já há o preconceito). É que a visível intolerância religiosa norte americana associa os vodus ao mal e à crendice de que vodu é o bonequinho usado com fins maléficos, cópia mágica de um corpo para feri-lo a distância. Mas cabe perguntar: tal prática fetichista existe? Sim. Assim como em outras culturas não ocidentais, existe o desejo de se fazer o bem ou o mal a uma pessoa que está distante. Mas toda e qualquer interpretação que eu tenha encontrado disso vem do olhar ocidental racionalista e generalizante, com total desdém pela cosmologia desses povos.

Foto: Layza Vasconcelos
Foto: Layza Vasconcelos

Entre 2011 e 2012, eu e a dançarina Kanzelumuka concebemos a ideia de um espetáculo de dança e voz intitulado Poemacumba. Apresentamos um primeiro esboço em novembro de 2011 na Casa das Rosas, num evento organizado por José Geraldo Neres e depois estreamos na Funarte, em 2012. Daí por diante, circulamos um pouco. Nos apresentamos em Londrina, Belo Horizonte e Goiânia. Nesse espetáculo, saudamos em corpo e palavra os Nkisis, ou seja, as divindades do panteão banto. Bombongira, Nkosi, Matamba, Kitembo, Kaviungo, Mutacalambô, Lemba e outros, são invocados e convocados pela minha fala e ritualizados em forma de dança por Kanzelumuka.

Quando me perguntam a qual das acepções estou me referindo no Poemacumba, respondo em primeiro lugar que se até os sacerdotes estão certos da inefetividade das intenções maléficas do candomblé, que direi eu que só encontrei valores éticos e muita alegria entre seus praticantes desde que comecei a ter contato com a religião em 2005.

Mas também digo que a ninguém é dado o direito de dar às palavras um sentido fechado. As palavras e seus efeitos nos precedem. Elas vieram antes de nós. Num poema, não posso dizer que estou falando isto em detrimento daquilo. O feitiço do poema é justamente este: permitir às palavras toda a pluralidade, toda a reverberação que elas guardam dentro de si. Elas podem até não significar absolutamente nada, mas todas têm uma importante função no búzio do poema. A poesia não é justamente essa magia de não querer controlar o incontrolável, mas vibrar com ele?

Na ontologia banto (e aqui faço referência ao admirável trabalho do Reverendo Tempels, que publicou em neerlandês o livro de nome A filosofia bantu), o cerne do mundo, o motor das ações humanas, é a força (ngunzu). E tudo o que há no mundo aponta para essa força, essa potência. E não seria justamente o ngunzu (energia vital, segundo a macumba) a força a que almeja todo e qualquer poema?

É função da arte retirar as coisas do lugar. Assuste-se quem for de se assustar. No Poemacumba, a corp-oralização das palavras é o eixo para a experiência-poema. A voz como veículo, o corpo como encantamento. A oralidade como linguagem corporal, o corpo como manifestejo, afeto, exaltação da beleza. A poesia (incorporação) como lugar de força. Ngunzu. Fala-feitiço. Daí que se a palavra macumba assusta a alguns, tanto melhor.

*

Em tempo: há um belo poema de Aimé Césaire exatamente com esse título: “mot macumba”, que traduzi como “palavra macumba”. Você o lê clicando aqui.

Nova cara, novas decolagens

O Salamalandro, num esforço de mimetizar as mudanças no campo de ação de seu piloto, tem passado por uma série de mudanças em vários sentidos. E muita coisa ainda há de mudar. Na medida do possível, vou lançando por aqui as notícias.

Para os curiosos de plantão, já posso adiantar algumas coisas:

Está no prelo, pela editora Patuá, o meu primeiro livro da fase em que tenho estado “paulistando” (assim mesmo no gerúndio, para nos mantermos sempre e movimento e nunca concluso). Use o assento para flutuar terá tudo o que o que você espera (e um pouco de inesperado também, espero): apresentação, posfácio, orelha, para em pé – salvo engano, um formato avantajado, capa colorida e tudo o mais. Farei lançamentos em algumas cidades. Quem quiser acompanhar as informações (vou atualizando ao longo dos dias), é só clicar aqui.

Está também no forno a nova versão de Poemacumba, em vias de se transformar num espetáculo, ou numa performance-espetáculo. Eu e Franciane de Paula estivemos trabalhando nisto nos últimos meses, dando novos movimentos, inserindo elementos cênicos (iluminação etc) e sonoros, novos poemas e um pouco mais de cada um de nós, de cada uma de nossas inquietudes. Essa é, para mim, uma das minhas mais importantes experiências de 2012.

Tanto o Poemacumba quanto o livro serão lançados/estreados no dia 21 de agosto de 2012 na Sala Guiomar Novaes, na Funarte-SP (Alameda Nothman, 1058, próximo ao Minhocão e a alguns quarteirões da estação Santa Cecília). Depois disso, o livro e a performance vão ao Paraná, onde participaremos do Londrix – Festival Literário de Londrina (aguardem mais notícias por aqui também).

Na agenda, que está se completando aos poucos, tem ainda passagens confirmadas por Belo Horizonte  (na Casa Una) e Paraty. Para ir se informando, é neste link (sobre o livro) e neste outro link (sobre a performance).

Para alguns dos lugares onde passarei (passaremos), estou preparando algumas oficinas que vão de “Iniciação à poesia”, voltada para o público jovem, passando por um curso que se chamará “Sobre a poesia”, voltado para professores do ensino fundamental, médio e para estudantes de letras. Ainda voltado para o público pouco experimentado, disponibilizarei o “Ateliê de poesia falada”, inaugurado em julho deste ano, como parte da programação da Off-Flip. Para os iniciados, disponibilizarei também dois minicursos: “África & Poesia”, um curso sobre as contribuições dos “valores de civilização do povo negro” para as poéticas contemporâneas; e “A contribuição Dadá”, para aqueles que se interessam, mas conhecem pouco, os grandes avanços e invenções de um dos movimentos literários que inauguraram o século XX.

Tudo isto e mais um pouco, circulará por aqui no Salamalandro. Conto com a participação de quem quiser (alimentado de Enthousiasmos, quer dizer, do “sopro dos deuses”) levantar voo nessa navilouca ou  quem quiser simplesmente “usar o assento para flutuar”.

 

OFF FLIP 2012

A partir de quarta-feira, dia 04 de julho, acontece, a Flip – Festa Literária de Paraty. Para quem ainda não notou (duvido!) este é o evento literário mais glamouroso do Brasil, repleto de muitos focos e fogos, muita matéria nos melhores jornais do país, ingressos a preços exorbitantes. Nada mais nada menos, ultrapassou as Bienais no quesito expectativa do público e lançou uma moda de flaps, flups, flops nos quatro cantos do país.

Nada mais nada menos. Contradições que contradizem as próprias contradições, disso é feita a vida. Vejam bem o que eu disse: o mais glamouroso, não o melhor em que já estive presente. Se quiserem saber qual foi, muito fácil: a BHZIP, que rolou em Belo Horizonte em 1998. Mas antes que a conversa descambe para o delírio total e você, leitor, perca o rumo, volto ao ponto.

De 04 a 08 de julho acontece em Paraty a melhor festa literária para quem estiver por lá de corpo presente: a Off Flip. Enquanto respira os eflúvios da Flip, você pode curtir um clima de muita poesia e encontros com pessoas realmente interessadas em literatura. Bate-papos, mesas-redondas, saraus e baladas pela cidade afora. Na cidade cujo nome já foi sinônimo de cachaça, haverá muito o que fazer (e beber) durante a semana.

***

Quanto a mim, estarei por lá a convite do Clube de Autores com quem já tenho uma parceria frutífera há pouco mais de um ano. A programação deste Salamalandro que vos fala, estará intensa. Deixo a deixa aqui para vocês, tomem nota:

Dia 05, das 10 às 15h na Casa do Clube de Autores (Rua do Comércio, 149 – Centro Histórico):
Oficina de Poesia Falada
A proposta desta oficina que darei é pensar a fala como um suporte para o poema, encontrando na sua própria estrutura, a partitura para a sua recitação. Os participantes devem levar, até 3 textos (de preferência de autoria própria) caneta, papel. Caso tenham outros instrumentos, tragam também, serão benvindos. Haverá um único encontro e os resultados serão apresentados no sábado às 18h, como parte da programação da Mostra de Poesia Contemporânea.

6 de julho, 18h às 20h no Camoka Botequim (Praça da Bandeira, próximo ao cais, no Centro Histórico)
Lançamento de livros da Editora Patuá
Com os autores Juliana Bernardo, Barbara Leite, Polyana de Almeida Ramos, Vlado Lima, Cesar Veneziani, Elisa Andrade Buzzo, Eduardo Lacerda, Charles Marlon, Reynaldo Bessa, Flavio Aquistapace. Mediação de Leo Gonçalves.

Sábado, 7 de julho às 10h da manhã no Silo Cultural (Rua Dr. Samuel Costa, 12, em frente à Casa da Cultura, Centro Histórico)
Mesa Literatura Afro Brasileira
A Mesa reunirá lideranças quilombolas, escritores, pesquisadores e ilustradores da Escrita Fina Edições em torno do tema da fusão cultural entre África e Brasil – as contribuições, questões e sincretismos decorrentes dessa miscigenação e a literatura produzida a partir disso. André Côrtes- livros Vozes D’África, O Navio Negreiro (autor das aquarelas de abertura da série de TV Ó pai, ó!), Luciana Grether Carvalho – livro Vida que Voa / Bonecas Abayomi, Leo Gonçalves e Maria Clara Cavalcanti – livros Quibungo e O Terrível Guerreiro – Contos Populares Africanos. Mediação: Ronaldo Santos – Liderança do Quilombo do Campinho.

(Nesta mesa falarei rapidamente sobre os programas centrais da do movimento literário da Negritude, a passagem de Aimé Césaire pelo Brasil e a tradução do poema “Batuque” feita por Carlos Drummond de Andrade em 1963.)

7 de julho, 22h no Barril Pub Choperia (Rua Marechal Deodoro, 27, Centro Histórico)
Picareta Cultural (Fechando com chave de ouro)
Nem os maias, nem a mãe Dináh ou sequer o Paulo Coelho poderiam prever esta audácia: Picareta Cultural – edição especial 5 anos, na OFF FLIP 2012. Poesia, música e cachaça dão o ar da graça novamente. O sarau reúne o fino do fino: autores novos e consagrados, músicos e artistas de todas as partes. O time deste ano é formado pelos poetas Mano Melo, Cintia Luando & Palarvore, Caio Carmacho, Emerson Alcalde, Allan Dias Castro, Edson Moura, Tchello Melo, Felipe Cataldo, Flávio de Araújo, Felipe Rey, Letícia Simões, Leo Gonçalves, Valterlei Borges, Roberto Borati, Tomás Paoni, Matheus José Mineiro e Tiago Malta; a banda Lusofones e grande elenco. Acontece sábado à noite, dia 7 de julho, no Barril Pub Chopperia (ao lado do Sarau Bar e Restaurante), e a entrada é franca. Melhor do que isso, só dois disso. Evoé, picaretas!

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Para saber mais informações  e pegar a programação completa é no www.offflip.paraty.com/offflip2012

Centenário de Léon-Gontram Damas

2012 é o ano do centenário do poeta guianense Léon-Gontram Damas, um dos fundadores do movimento da Negritude. Autor menos conhecido e evocado que os seus dois colegas Léopold Sédar Senghor e Aimé Césaire, Damas foi uma figura diferente no grupo. Boêmio, articulado, chegou a Paris antes dos outros dois e por lá perambulava livremente. Se aproximou dos surrealistas no final dos 1920, especialmente de Robert Desnos, com quem parecia se identificar mais.

Antes ainda do surgimento da Negritude, fez parte do grupo Légitime Défense, ao lado do poeta antilhano Étienne Léro, tendo assinado um dos textos da revista que trazia o nome do grupo em 1931. Por lá também conheceu os poetas da Harlem Renaissance, especialmente Langston Hughes e Claude McKay, que frequentavam os salões das irmãs Nardal, ponto de encontro dos negros presentes na Paris de então.

Césaire se refere a ele com grande admiração como um homem dotado de toda a alegria, a intuição e a atitude vivazes de um negro órfão de sua terra natal, a Guiana, assim como de uma África perdida e dilacerada na memória da pele.

Seu livro Pigments (“batimentos cardíacos rumo a altas nevralgias”, segundo Desnos), publicado em 1937, é considerado a obra fundadora da Negritude. Ganhou enorme destaque na época, especialmente para os que assistiam com temor o triunfo dos fascismos.

Reproduzo abaixo um dos poemas de Léon-Gontram Damas em tradução minha.

LOGO MAIS

Logo mais
não terei apenas dançado
logo mais
não terei apenas cantado
logo mais
não terei apenas roçado
logo mais
não terei apenas suado
logo mais
não terei apenas dançado
cantado
roçado
suado
roçado
suado
roçado
cantado
dançado

Logo mais

***

BiENTÔT

Bientôt
je n’aurai pas que dansé
bientôt
je n’aurai pas que chanté
bientôt
je n’aurai pas que frotté
bientôt
je n’aurai pas que trempé
bientôt
je n’aurai pas que dansé
chanté
frotté
trempé
frotté
trempé
frotté
chanté
dansé

Bientôt

Revista Coyote #23

Demorou, mas graças ao aparecimento da Rô Candel, uma nova amiga, tenho finalmente em mãos a Revista Coyote número 23. Como sempre, ela está repleta de coisas boas. Dou destaque especial para o poema “Discurso por ocasião de um congresso internacional de pessoas jurídicas”, do Bruno Brum, que tive a honra de ver nascer e para as traduções do meu camarada Reuben da Cunha Rocha, dos poemas de Gregory Corso, dentre os quais me divirto em reproduzir um aqui. Mas tem mais: Moacir Scliar, Bernardo Vilhena, Márcia Tiburi, Beatriz Bracher e por aí vai. Para adquirir seu exemplar, é só encomendar no Sebo do Bac ou no site da editora Iluminuras.

Céu de Cambridge

Olho pra cima
e milhares de recém-nascidos
sangram da vela dos meus olhos;
filhos e filhas de cera derretida
sangrados do útero dos olhos.
Ah esta é a mais lenta das horas
nuvens das nuvens qual flores que demoram
até uma nuvem tornar-se todas
e eu ficar cego.

A última coisa que enxergo
é um pássaro no alto cantar destemido
e ainda ouvirei no céu seu último bramido
antes que a rajada arebente a asa.

[Gregory Corso traduzido por Reuben da Cunha Rocha]

Entrevista com Janaína Moreno

Janaína Moreno vai gravar seu primeiro disco e procura investidores. Entrou num sistema crowdfunding para arrecadar fundos. A coisa é simples e já bem conhecida por quem usa internet: você colabora e se torna apoiador(a) com algum dinheiro através do site e fica por dentro do processo de feitura, ganha um cd autografado, conversa com a cantora. Para fazer seu cd, ela e a produtora C2 chamaram o produtor baiano Luiz Brasil e o disco promete vir bonito e com surpresas.

[Para conhecer mais do projeto e colaborar, clique aqui.]

Quem já viu um show da Janaína Moreno sabe da energia que rola. Cantora com voz potente, bota a plateia para sambar sem dó. Vive rodeada de músicos incríveis e aproveita muito de seus quitutes de atriz, mãe e dama sedutora. Difícil sair de um show dela sem um sorriso imenso na cara.

Nascida em Belo Horizonte, foi uma das principais cantoras do projeto Samba da Madrugada, invenção do Miguel dos Anjos, Mestre Jonas, Dudu Nicácio e outros bambas de lá. Se mudou para o Rio de Janeiro em 2009 ao se sair vencedora no concurso Novos bambas do velho samba, organizado pela casa noturna Carioca da Gema, na Lapa. O crítico musical Sérgio Cabral a definiu como uma cantora “cheia de bossa e brasilidade”. Vem dividindo palco com grandes mestres da música brasileira: Alcione, Monarco e o saudoso Walter Alfaiate foram apenas alguns.

Nas idas e vindas, entrou como cantora num barco transatlântico, circulou por alguns países africanos, mergulhou um pouco mais nas culturas matrizes de seu samba, que mistura ritmos brasileiros como o coco, o maracatu, jongo, calango, congo e muitos mais.

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A Jana é pessoa das mais queridas para o Salamalandro. Me concedeu uma pequena entrevista em 2008, quando seu projeto estava no começo. Agora, mais que nunca, chegou o momento.

Por que Festeira? Como surgiu o nome?

Tive a necessidade de dar um nome e conceituar este trabalho solo quando fui selecionada para o concurso “Novos bambas do velho samba” que é uma realização tradicional do Bar Carioca da Gema e queria que meu show falasse da minha trajetória até então e que fosse honesto com meu momento de carreira. Foi então que começamos (eu, Andreza Coutinho e o Miguel dos Anjos) a pensar num nome que abarcasse tudo o que buscávamos. Festeira sou eu, mesmo. Uma festeira de mão cheia. Minha música “Festeiro” já sugeria o nome, mas snão foi o mais importante. O fundamental é que festeira é um adjetivo que retrata bem a mim e ao show. Misturo ritmos de festejos populares com o samba e o show se torna uma grande festa!

O que surgiu de novo com a experiência de cantar no Rio de Janeiro?

Tantas novidades! No Carioca da Gema eu tive a oportunidade de fazer o show de abertura de personalidades do samba como, por exemplo, Monarco, Wanderley Monteiro, Walter Alfaiate, Moacyr Luz, Tia Surica dentre outros. Além de colaborar com a minha pesquisa de novos sambas. Ouvi sambas que nem imaginava algum dia conhecer. O trabalho de observação destes que levam o samba como filosofia de vida, e com muito fundamento, me alimentou ainda mais de respeito. O samba é realmente muito generoso e eu lhe devo muito respeito. Com toda esta vivência, um amadurecimento do show foi algo natural. Mas ainda temos muito pra crescer.

Você é uma cantora que insere muito de sua experiência como atriz no palco. Como é isso para você?

Acredito numa arte que transforma o ser humano. Parece meio esotérico o que vou dizer: a arte tem poder de cura. a música transforma o ambiente, o deixa mais feliz, mais triste. Manipula-se com a arte várias qualidades de energia. O teatro me trouxe uma compreensão dramatúrgica da música. É como se eu pudesse provocar em quem me ouve sentimentos que nem sou capaz de prever, embora eu ache o máximo quando uma canção feita para fazer chorar provoque o riso de alguém. É a subjetividade da vida aplicada na arte. Minha arte não termina quando acaba a canção pois a canção traz a reflexão e quando o canto é associado ao gestual, este caminho se estreita. A atriz que me habita, sem dúvidas me aproxima do público. São duas artes complementares. Meu canto precisa do gestual, da expressão, da cura. Eu canto meus tormentos e quero ser entendida, e quero chegar o mais perto possível do coração das pessoas. A atriz me ajuda nesta tarefa.

Hoje em dia são poucas as cantoras da noite que tocam músicas autorais. Como é tocar as suas próprias músicas e as dos amigos no palco? Fazem menos sucesso que os clássicos? Seu público sente falta de poder encontrar um cd seu? Te perguntam se vc já gravou algo, costumam querer te “levar para casa”?

Eu navego muito de mansinho pelos caminhos da composição. realmente não é uma busca minha compor. Às vezes acontece de maneira natural. Me sinto mesmo é porta voz de palavras já ditas, de cantos de outros cantos. A convivência com compositores de minha geração me despertou interesse. Escolhi algumas composições deles para trabalhar e assim tenho feito. É uma forma de divulgar canções novas que são tão boas como grandes clássicos. Meu compromisso é simples. Quero transmitir o pensamento desta canção? Se a resposta for sim, pronto: eu canto! Elas fazem sucesso também. Me sinto feliz quando, no final, alguém me pergunta de quem é aquela canção, como faço pra ouvir, tem cd? Há um interesse nas pessoas em “me levarem para casa” (risos) como você diz e, maior que o interesse delas de “me levarem pra casa” é o interesse que eu tenho de ser levada (mais risos). Minha busca atualmente é trabalhar para conseguir gravar. Um disco é um nascimento para o música. Mas quero isso de forma substancial, portanto me mantenho ativa no trabalho, atenta aos sopros dos anjos, consciente de que casa segura é aquela que construímos tijolo por tijolo.

www.myspace.com/janainamoreno