Arquivo da categoria: Poesia & arredores

Celuzlose 03 (versão impressa)

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A Celuzlose é uma revista semestral, organizada pelo poeta Vítor Del Franco, lançada a cada edição numa mídia diferente, alternando entre o digital e o impresso. Este novo número traz poemas inéditos meus e trabalhos de um elenco para lá de bacana.

O lançamento, que será no dia 04 de julho a partir das 19h na Casa das Rosas (Av. Paulista, 37 – Bela Vista).

Para saber mais notícias, acesse o:
www.celuzlose.blogspot.com.br

Aimé Césaire 100 anos

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Para celebrar o centenário de Aimé Césaire no dia do seu aniversário (o dia 26 de junho, data que não gosto de deixar passar em branco), um poema dele em tradução fresca e úmida, publicado originalmente em seu livro Moi, laminaire.

dorsal bossal

existem vulcões que falecem
existem vulcões que permanecem
existem vulcões que só estão lá para ficar ao vento
existem vulcões loucos
existem vulcões bêbados à deriva
existem vulcões que vivem em matilhas e vigiam
existem vulcões cuja goela emerge de tempos em tempos
verdadeiros cães do mar
existem vulcões que velam a face sempre nas nuvens
existem vulcões esparramados como extenuados rinocerontes
em que se pode apalpar o bolso galáctico
existem vulcões pios que elevam monumentos à glória dos povos desaparecidos
existem vulcões vigilantes
vulcões que uivam
montando guarda às portas do Kraal dos povos adormecidos
existem vulcões fantásticos que aparecem
e desaparecem
(são jogos lemurianos)
não esquecer os que não são os menores
os vulcões que nenhuma dorsal jamais recuperou
que de noite os rancores se constroem
existem vulcões cuja forma da boca tem a medida exata da ferida antiga

*

Il y a des volcans qui se meurent,
Il y a des volcans qui demeurent,
Il y a des volcans qui ne sont là que pour le vent,
Il y a des volcans fous,
Il y a des volcans ivres à la dérive,
Il y a des volcans qui vivent en meute et patrouille,
Il y a des volcans dont la gueule émerge de temps en temps, véritable chiens de la mer,
Il y a des volcans qui se voilent la face, toujours dans les nuages,
Il y a des volcans vautrés comme des rhinocéros fatigués dont on peut palpés la poche galactique
Il y a des volcans pieux, qui élèvent des monuments à la gloire des peuples disparus,
Il y a des volcans vigilants, des volcans qui aboies montant la garde au seuil du Kraal du peuple endormis,
Il y a des volcans fantasques, qui apparaissent et disparaissent, ce sont jeux lémuriens,
Il ne faut pas oublier, ceux qui ne sont pas des moindres, les volcans qu’aucune dorsales n’a jamais repérés
Et dont, la nuit les rancunes se construise
Il y a des volcans, dont l’embouchure, est à la mesure exacte de l’antique déchirure

Tradução de Leo Gonçalves

Aimé Césaire em Moi, laminaire.

A revolta do vinagre ou “não temos tempo de temer a morte”

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Muita gente anda dizendo que não está entendendo nada. Da coluna do Antonio Prata na Folha ao pronunciamento da presidente sobre as manifestações de segunda-feira, todos parecem querer dizer a mesma coisa: “não estou entendendo nada”. O poeta Carlito Azevedo postou numa rede social: “Quem não estiver confuso não está bem informado”. A frase, que ele encontrou num dos cartazes da manifestação, foi originalmente dita pelo detestável Delfim Neto por ocasião da crise mundial. Como lembrou minha amiga Fabiana Motroni no twitter, nada mais apropriado para ambos os casos.

Mas será realmente tão difícil compreender o texto e o subtexto de todas as falas e gritos de revolta pelas ruas do país? Vinte centavos foram a gota d’água de uma série de abusos que vêm nos acompanhando incessantemente há mais ou menos uns 500 anos. Um dia o caldo entorna, e vinte centavos passam a ser uma fortuna incontornável.  Muito sobre isso já foi dito. Que não é esse o primeiro protesto decorrente de um aumento nos preços das passagens. Que o movimento pelo passe livre não é novo.

O que talvez não tenha sido dito ainda em palavras explícitas e reunidas num canto só é:

“Nesses vinte centavos, vocês querem mais uma vez nos fazer de otários. Não aceitaremos isso mais.”

E eis o texto que acompanha:

“Há tempos estamos saindo às ruas. São inúmeras as marchas. Marcha contra Belo Monte. Marcha das vadias. Marcha contra Marcos Feliciano. Marcha contra Renan Calheiros. Marcha contra a corrupção. Marcha contra a Pec 37. Marcha contra o genocídio de índios. Marcha pela melhoria da educação. Marcha contra a desapropriação da Aldeia Maracanã. Marcha disso, marcha daquilo.

Mas vocês não ouvem. Gritamos e vocês fazem ouvidos moucos, fingem-se de surdos. Fingem que não é com vocês.

Disseram e sustentam que esta é uma democracia. Mas sabemos que para vocês o país só é democrático na época das eleições. Somos obrigados a ir às urnas para escolher entre o ruim e o pior. Não bastasse isso, não se sentindo satisfeitos com a democracia de aparências, vocês procuram os desfavorecidos para comprar seus votos. Vocês já têm as cartas marcadas e nos querem usar para validar a sua democracia.

Então um dia, saímos para reclamar e vocês nos jogam na cara suas bombas de gás lacrimogênio, seus sprays de pimenta, suas balas de borracha, seus militares-cães-de-guarda e pensaram que iríamos nos acovardar. Mas nós nos cansamos, caros políticos. Não nos acovardamos desta vez. Saímos aos milhares e vocês fizeram suas demonstrações de guerra contra nós. Provaram que estão mentindo. Nós não queremos  a sua truculência. E por isso agora já somos milhões.

Podem usar a mídia para confundir os confusos, mas vocês não conseguirão conter a fúria de um povo abusado. Como diz um verso do Chico Science: “um homem roubado nunca se engana”. Estamos cansados.

Estamos cansados dessa política que é definida pelas empresas privadas, pelos capitalistas interessados, pelos altos lucros das megaempresas.

Estamos cansados de política tratada como negócio.

Estamos cansados de manipulação das informações.

Não somos crianças. Não somos idiotas. Chega de abusar da nossa paciência.

Presidente, você não tem coragem para admitir que seu país está iniciando uma insurreição e quer tratar os protestos apenas como mais uma onda de “marchas”. Você se finge de tola, mas sabe muito bem que seus panos quentes não resolverão. Queremos que você ouça as lideranças do seu país. Queremos que você converse com os índios, as mulheres, os negros, os representantes das classes. Não queremos que você seja só uma gerentona. Queremos alguém capaz de enxergar a vida para além da economia. Se quiséssemos só uma gerente, teríamos eleito um ministro da economia e não uma presidente.

Governadores, não queremos que sua polícia militar garanta a segurança de outro que não nós. Avisamos que se continuarem soltando seus cães contra nós, vocês correm o risco de que eles também se unam à nossa causa. Porque a nossa causa é também a deles. Vocês também os exploram. Os treinaram para serem cães, mas mesmo os cães quando maltratados um dia se voltam contra seus donos.

Prefeitos, não queremos que vocês vivam com as calças abaixadas para as oligarquias do transporte. Não queremos nosso dinheiro investido na Copa do Mundo quando milhões de pessoas morrem de fome, de pobreza e de falta de educação. Não queremos a cidade vendida e loteada para que só alguns ricaços apodreçam de tanto ganhar dinheiro às nossas custas.

Senadores, deputados, vereadores, não queremos que vocês votem mais leis contra nós mesmos. Não queremos Cura Gay. Não queremos Ato Médico. Não queremos impunidade. Não queremos, sobretudo, pagar tantos milhões ao ano para sustentar vocês.

Estamos cansados!”

 

É isso que dizem os cartazes. Quem não entendeu, ou é porque é mais conveniente, ou é porque não quer ver, ou é, ainda, porque preferem ter esperanças numa possível burrice dos participantes. O que talvez dê no mesmo.

A nova poesia brasileira vista por seus poetas

A nova poesia brasileira vista por seus poetas - Suplemento Literário de Minas Gerais

No próximo sábado, dia 15 de junho, será lançado na livraria Scriptum (Rua Fernandes Tourinho, 99 – Belo Horizonte) o número especial do Suplemento Literário de Minas Gerais. Nesta edição, 54 poetas indicam trabalhos de poetas nascidos depois de 1960 que mais lhes tenham marcado.

Participo desta edição com a seleção do poema “Lagos” da Mônica de Aquino, seguido de um comentário. Tarefa sempre difícil a de selecionar um poema dentre tantos que me marcaram. Para o meu gosto, faltaram poemas de Bruno Brum, Ricardo Aleixo, Anderson Almeida, Marcelo Sahea, Marcelo Ariel, Ricardo Silvestrin, Ronald Augusto, Luciana Tonelli, Michelle Campos, Jorge Emil e tantos outros!

Em todo caso, a edição está excelente. Esperemos que outras dessa apareçam em breve.

Quem não puder ir ao evento, pode baixar aqui mesmo (basta clicar na imagem). Quem puder, não deixe de adquirir seu exemplar impresso. É gratuito e a edição é histórica.

O que: Lançamento do número especial do Suplemento Literário de Minas Gerais
Onde: Livraria Scriptum (Rua Fernandes Tourinho, 99 – Belo Horizonte)
Quando: Sábado, dia 15 de junho a partir das 11h

Na Modo de Usar e Co.

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Apesar de um pouco sumido, várias notícias quentíssimas têm circulado pela sala do Salamalandro. Vou atualizando aos poucos. Felizmente, sendo o assunto poesia, não preciso funcionar como a mídia midiática, viciada no calor dos fatos. Afinal, como dizia o Pound: “poesia é notícia que permanece notícia, novidade que permanece novidade”.

No mês passado, tive a alegria de aparecer na revista Modo de Usar e Co. O editor, que considero um dos melhores leitores de poesia contemporânea hoje e dos poetas que mais admiro, Ricardo Domeneck, fez e postou uma boa seleção de poemas de Use o assento para flutuar.

Para acessar, basta clicar aqui. Reproduzo abaixo uma página do livro, tal como postada na Modo.

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Não é a primeira vez que apareço por lá. O poeta congolês Tchicaya U Tam’si teve, provavelmente, sua primeirimagesa tradução brasileira, feita por mim, publicada no dia 9 de fevereiro deste ano de 2013. Tchicaya é o autor de obras como Mauvais sang e Feu de brousse e os poemas que escolhi fazem parte da Anthologie de poésie africaine, organizada pelo poeta e romancista Alain Mabanckou. Segundo ele, a négritude francesa não chegou a tocar a obra de Tchicaya.

Quanto a mim, penso que poemas como “Le signe du mauvais sang [O signo do sangue ruim] guardam um parentesco todo especial com o Cahier d’un retour au pays natal e o pensamento de Aimé Césaire. Além disto, esse poema faz referência ao “Mauvais sang” de Arthur Rimbaud que, pouca gente sabe, é um dos precursores da literatura africana do século XX. Em Une saison en enfer, Rimbaud se revela um dos raros autores europeus a se referir a sua própria “raça” sem o velho orgulho, critica seus ancestrais gauleses e afirma “je suis un nègre”, frase que atingiu em cheio os jovens negros que andavam pela Paris dos anos 1930 em busca de uma linguagem própria.

Tchicaya U Tam’Si significa “passarinho que canta sua aldeia” em sua língua congolesa, o que condiz bastante com a obra desse magnífico africano.

Para ler minhas traduções na Modo de Usar e Co., o clique no link.

birago diopEm anos anteriores, outras traduções minhas foram publicadas na franquia virtual desta revista. Uma de que me orgulho muito é a de Birago Diop, poeta que, apesar de bissexto, escreveu um dos poemas mais célebres do continente africano. “Souffle [Sopro]” é um desses poemas-epígrafes, rodeado de misticismo, mistério, fetichismo, ancestralidade. Nele, estão as bases do pensamento animista de boa parte dos povos que habitam há milênios a África.

Além de poesia, escreveu contos inspirados nas narrativas dos Griots que, segundo ele, lhe eram contados por sua avó quando criança. São os Contes d’Amadou Koumba e os Nouveaux contes d’Amadou Koumba.

Diop é da mesma geração dos poetas da Negritude, contemporâneo deles no collège Louis le Grand, se não me falha a memória.

Clicando aqui, você acessa os poemas de Birago Diop na Modo.

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E por falar em Négritude, foram exatamente os principais idealistas desse movimento os primeiros a, generosamente, aparecer na Modo. Domeneck fez uma recompilação dos poemas de Léopold Sédar Senghor que postei anteriormente aqui no Salamalandro, além de dois poemas de Aimé Césaire, que ele postou por lá por ocasião da sua morte em 2008.

Clique aqui para ler os poemas de Léopold Sédar Sengor

Clique aqui para ler os poemas de Aimé Césaire.

Eu já disse isso antes, mas vale a pena repetir: a revista Modo de Usar (tanto a versão impressa como a imagesvirtual) está entre as melhores coisas que rolam hoje em língua portuguesa. Revista independente, tem o mérito de não tratar a literatura como uma instituição, e sim como uma grande comunhão. Editada por Angélica Freitas, Marília Garcia e Ricardo Domeneck, divulga cotidianamente poetas dos quatro mil cantos do mundo. De Ricardo Aleixo a Jerome Rothenberg, de Gertrude Stein a Fabiano Calixto, dos cantos maxacali a Haroldo de Campos.

www.revistamododeusar.blogspot.com.br

Fliv 2013 – Festival Literário de Votuporanga

Fliv - Festival Literário de Votuporanga

Ainda com a agenda aberta para 2013, mas com alguns planos que vão se fazendo aos poucos, participo esta semana do III Fliv – Festival Literário de Votuporanga. Na ocasião, conversarei com o escritor Paulo Lins, autor de livros como Cidade de Deus (que deu origem ao filme homônimo) e o recente e admirável Desde que o samba é samba.

Pela terceira vez consecutiva, colaboro na curadoria do evento, em parceria com o Clube de Autores. Tivemos a honra de receber escritores como Márcia Tiburi, Luiz Roberto Guedes, Lourenço Mutarelli, Ricardo Aleixo, Kátia Canton, Ferréz e muitos outros nos anos de 2011 e 2012.

Este ano teremos, além de Paulo Lins: Marcelino Freire, Sérgio Vaz, Antonio Cícero, Francisco Bosco, Alice Ruiz, Humberto Werneck, Bráulio Tavares, André Dahmer e Alexandra Morais. Com esse belo time, a festa promete também fazer uma bela homenagem aos poetas Frederico Barbosa e Vinícius de Moraes, o bom e velho poetinha camarada. E em alto estilo, com o show de Toquinho e Tiê no evento de abertura.

O evento terá algumas novidades. Uma delas é que a programação acontecerá em pavilhão especialmente montado para o Fliv. Na feira, o público encontrará que também ocupa o pavilhão, o público poderá comprar seus livros a partir de R$ 0,50. Durante o festival, como nos outros anos, o público poderá também prestigiar a programação do Fórum Internacional de Dança, que acontece todo ano, na mesma época, parceria da prefeitura de Votuporanga com a de São José do Rio Preto.

Saiba mais sobre o Fliv no: www.flivotuporanga.com.br

Generosidades de um leitor

Capa do livro Use o assento para flutuar - Design de Leonardo Mathias

Hoje, ao abrir minha caixa de recados pela manhã, encontrei essa generosa mensagem sobre o meu Use o assento para flutuar. Reproduzo-a na íntegra e como veio. O autor é o poeta e tradutor Gabriel Resende Santos, a quem muito agradeço.

leo,

já conhecia teu trabalho fazia algum tempo. como tradutor e poeta. percebia em você um independente, com uma poesia igualmente independente. tinha te lido no teu blog, o salamalandro, e também no escamandro. assisti algumas entrevistas do palavra inquieta. se não estou enganado, uma delas com o claudio willer. a questão é que apesar do interesse, cometi o erro de esperar um tempo considerável para me aprofundar na sua poesia… então.

chegou hoje de manhã a encomenda do teu ‘use o assento para flutuar’. vi no teu título um potencial livro de qualidade. pelo que já tinha lido de você e pelo que alguns amigos como o guilherme gontijo flores escreveram, foi até uma escolha óbvia. tinha boas expectativas. que foram cumpridas.

li num fôlego e já estou relendo. cara, como eu gostei do teu livro. me agradaram demais poemas como especulação imobiliária, as destrezas e os desastres do amor, soneto das pequenas coisas, wtc babel s.a… não. mais que agradar: tocar. me tocaram sentimental e intelectualmente. o magnetismo do seu universo lírico, a ironia por vezes ríspida (gosto muito), a rara beleza visual dos versos + a preocupação com o ritmo (que fez o segmento ‘língua de aruanda’ tão bonito), o respeito pelas formas clássicas (embora sem fixação), as referências sempre orgânicas e não gratuitas, a coragem de não se deixar prender por um “modo de produção”, frequentemente confundido com a noção de estilo. eu teria mais elogios, mas prefiro não prolongar. o que queria te dizer é: tive prazer te lendo. e me sinto grato por isso.

desculpe aparecer do nada. é que desta vez preferi a resposta ao silêncio. também desculpe pela mensagem mal escrita: agora, enquanto a digito, o sono meio que atrapalha. e sono, taí uma coisa que não senti ao ler teu ‘use o assento’. ele me deixou foi muito desperto, embora flutuando

meus parabéns pelo belo livro. abraço grande