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Sobre Leo Gonçalves

Leo Gonçalves é poeta, tradutor, curioso de teatro, música, cinema, política, culinária, antropologia, antropofagia, etnopoesia e etnologia, vida, educação, artes plásticas etc.

Cicciolina, la diva futura

cicciolinaTenho que admitir: sou fã dessa loura. Sagitariana como eu, a oxigenada escandalizou a Itália católica com uma meia dúzia de atentados po(rno)é(ro)ticos. Foi presa várias vezes e foi processada inúmeras outras por atentado ao pudor.

Por exemplo: nos anos 70, ela apresentava um programa de rádio onde dava conselhos sexuais de deixar qualquer penélope de cabelo em pé. Certa noite, recebeu a ligação de uma adolescente que queria aprender a se masturbar. Deu todas as instruções e a garota teve um orgasmo em cadeia nacional. Audiência nas alturas. No dia seguinte, processo por perversão de menores.

Cicciolina fundou o Partito dell’Amore e foi eleita dePUTAda (de um outro tipo, diferente do estilo brasileiro) depois de mostrar a boceta pra todo mundo. Ela explicava que somente através do amor, digo: o amor!, as pessoas vão se tornar mais dignas e a violência diminuirá. “Não é verdade que o sexo desperta a violência nas pessoas”, ela insiste. Há inclusive, alguns filmes dela que versam sobre o tema.

Além de atuar, ela também dirigiu alguns filmes. Il telephone rosso e La diva futura são dois clássicos. Este último, de vanguarda, com elementos tecnoDADA, ready-made, edição piradex com janelas já bem antes daquele filme inovador do Peter Greenaway, The pillow book. Quem quiser saber mais, vá ler Confessions, a autobiografia dela publicada no Brasil no começo dos anos 90 pela editora Record.

imprensa de rapina

só pra fechar, a revista óia se gaba ter sido a heroína que primeiro lançou a bomba sobre o Bob Jefferson. anda dando uma de heroína salvadora da lavoura.
ninguém contesta os fatos em torno à corrupção nacional. mas ignoramos a maior parte das entranhas desse assunto. o que não acontece com o movimento literatura urgente. quem estiver afim de saber tudo sobre o assunto, as propostas e tudo mais, tá fácil fácil.
então fico pensando cá com meus botões. se com a gente eles fazem isso, não quero nem ver o que fazem para foder a turma lá que já tá mesmo toda suja até o queixo!
o brasil está viciado em heroínas!?

ainda sobre ontem…

um último comentário: o texto da veja realmente me deixou chateado. não apenas por causa da maldade inerente aos semanários nacionais, mas porque eu sei que no brasil essas idéias são bastante respeitadas. afinal, esse é um país onde os escritores são funcionários públicos que enquanto ficam morcegando, vão escrever uns livros clássicos aí tipo “a rosa do povo” e “memórias póstumas de brás cubas”.
eu só fico achando é que a revista dessa vez brincou com fogo, eles não deviam ter feito uma tolice dessas. escritor não é corrupto que fica abusando do dinheiro público não. é gente muito mais perigosa. desestabiliza a ordem. fica brincando…
mesmo assim, eu deixo aqui uma nota triste e mudo de assunto.

povim

só hoje é que fui ver a revista veja que publicou a infeliz matéria sobre o movimento literatura urgente assinada pelo jornalista jerônimo teixeira. o texto só veio comprovar o meu descrédito com a revista. da forma como está dito, faz parecer que o movimento visa um benefício do tipo que anda circulando por “malas” e “cuecas” para uma meia dúzia de escritores que, em sua maioria, não têm nem tanto espaço quanto o desperdiçado pelo ilustríssimo nazista que assinou o libelo.
chegando na rede, fiz questão de dar uma olhada geral e ver o que os “acusados” por ele dizem, e gostei. dêem uma olhada aqui e aqui.

comentário: nesse país de imprensa marrom não se pode nem ser escritor sem ser visto como um tolo ridículo. para quem não sabe, fomentos nacionais em favor da produção literária são prática salutar e muito bem vista. os mais pacientes, procurem pelas experiências bem sucedidas de países como a espanha, a frança e a irlanda, e me diga o que devemos fazer com jerônimos teixeiras e revistas óia.

em tempo: é sempre bom lembrar que a revista veja, assim como todas as revistas brasileiras se encaixa também na lei que a torna isenta de qualquer imposto sobre impressão e sobre o papel onde ela imprime as suas falcatruas. confira na constituição brasileira.

art. 150. sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à união, aos estados e aos municípios:
VI. instituir impostos sobre:
d. livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão.

projeto sertão mineiro

está em cartaz no palácio das artes a video-instalação sertão: casa da imagem. a exposição é parte do resultado de um trabalho de fôlego, feito com paixão e profundidade raras por aqui, no país da batucada. a outra parte do trabalho é o documentário sertão mineiro, que está a venda em dvd. ambos foram dirigidos por álvaro andrade garcia que nos brinda com um transbordante acervo de filmes, entrevistas, imagens e informações a respeito de tudo aquilo que chamamos sertão. não é um mero retrato ufano e ultra/passado do sertão. o sertão todo mundo sabe, é aqui (www.sertoes.art.br) e agora. mesmo em belorizontem. vá ver.

o bom menino

não saberei desamarrar os sapatos e deixar que a cidade me morda os pés,
não me embebedarei sob as pontes, não cometerei faltas de estilo.
aceito este destino de camisas engomadas,
chego a tempo nos cinemas, cedo meu assento às senhoras.
o longo desregramento dos sentidos me vai mal, opto
pelo dentifrício e as toalhas. me vacino.
olha que pobre amante, incapaz de jogar-se numa fonte
para trazer-te um peixinho vermelho
sob a raiva de meganhas e babás.

poema de julio cortázar. olha aí o original:

el niño bueno

no sabré desatarme los zapatos y dejar que la ciudad me muerda los pies,
no me emborracharé bajo los puentes, no cometeré faltas de estilo.
acepto este destino de camisas planchadas,
llego a tiempo a los cines, cedo mi asiento a las señoras.
el largo desarreglo de los sentidos me va mal, opto
por el dentífrico y las toallas. me vacuno.
mira que pobre amante, incapaz de meterse en una fuente
para traerte un pescadito rojo
bajo la rabia de gendarmes y niñeras.

Céu e Inferno de Swedenborg

Ando lendo, entre outras coisas, a obra do peça-rara sueco Emanuel Swedenborg. Nascido em 1688, morreu aos 84 anos. foi um dos maiores cientistas de todos os tempos, dominando áreas como física, química, filosofia, psicologia, política, anatomia, entre muitas outras. foi pesquisador pioneiro em várias delas.

Foi também poeta e literato. Mas o que o tornou mais conhecido pelo mundo afora foi a sua obra teológica. É que, aos 56 anos, segundo contam, recebeu a visita de ninguém menos do que o TP (o Todopoderoso) que lhe deu a missão de revelar os segredos do céu, do inferno e os símbolos escondidos por detrás dos escritos bíblicos. Palavras do próprio: “Na mesma noite, o mundo dos Espíritos, do céu e do inferno, abriu-se convincentemente para mim, e aí encontrei muitas pessoas de meu conhecimento e de todas as condições. Desde então, diariamente o Senhor abria os olhos de meu Espírito para ver, perfeitamente desperto, o que se passava no outro mundo e para conversar, em plena consciência, com anjos e Espíritos”.

Daí por diante, escreveu uma vastíssima (mais de 40 títulos), obra que fez a cabeça de uma pequena ralé literária: Kant, Goethe, Balzac, Dostoievski, William Blake, Charles Baudelaire, W. B. Yeats, S. T. Coleridge, Ralph W. Emerson, Henry James, August Strindberg, é elogiado por Paul Valéry, aclamado por Jorge Luís Borges e tema de uma das obras principais do poeta polonês Czesław Miłosz: Ziemia Ulro/Land of Ulro. No Brasil, exerceu influência sobre um único poeta, o mais original dos românticos brasileiros: Sousândrade. Ele aparece no começo do Inferno de Wall Street.

1. (O GUESA, tendo atravessado as Antilhas, crê-se livre dos XEQUES e penetra em NEW-YORK-STOCK-EXCHANGE; a Voz dos desertos: )

Orfeu, Dante, Enéas, ao inferno
Desceram; o Inca há de subir…
Ogni sp’ranza lasciate,
che entrate
Swendenborg, há mundo porvir?

Mas, assim como o próprio Sousândrade, por aqui ele não é muito conhecido. Quase não se fala nele. As poucas referências que andei encontrando: o livro de Miłosz publicado pela Unb na coleção Poetas do Mundo Não mais, que, alías, foi o que me despertou interesse pela obra do sueco. O casamento do céu e do inferno de William Blake (que tem uma excelente tradução no livro tudo que vive é sagrado da editora crisálida) é uma espécie de resposta ao livro De Coelo et ejus mirabilibus et Inferno ex auditis et vidis, de Swedenborg. Ele aparece também em algumas passagens da ReVisão de Sousândrade(sempre sem muita coragem por parte dos organizadores e comentaristas) e em A loucura na razão pura de Monique David-Menard.

Essa obra teológica deu origem à igreja swedenborgiana que, teologicamente, parece ter incentivado as incursões espirituais do francês Allan Kardec. Segue aí o endereço do site brasileiro sobre a obra de Swedenborg, organizado pela sua igreja brasileira (sede no rio de janeiro desde os anos 40!).

Vale a pena conferir: www.swedenborg.com.br

emanuel swedenborg

mais alto do que os outros, caminhava
aquele distante homem entre os homens;
chamava, apenas, por secretos nomes
os anjos. com sua visão mirava

o que não miram olhos terrenais:
a ardente geometria, o cristalino
edifício de Deus e o torvelino
nefando dos deleites infernais.

conhecia que a Glória e o Averno
estão na alma e suas mitologias;
sabia, tal como o grego, que os dias

do tempo são espelhos do Eterno.
em árido latim foi registrando
últimas coisas sem por quê nem quando.

o soneto é de jorge luís borges (swedenborges?). aí está o original:

más alto que los otros, caminaba/aquel hombre lejano entre los hombres;/apenas si llamaba por sus nombres/secretos a los ángeles. miraba/lo que no ven los ojos terrenales:/la ardiente geometría, el cristalino/edificio de Dios y el remolino/sórdido de los goces infernales./sabía que la Gloria y el Averno/en tu alma están y sus mitologías;/sabía como el griego, que los días/del tiempo son espejos del Eterno./en árido latín fue registrando/últimas cosas sin por qué ni cuándo./