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Sobre Leo Gonçalves

Leo Gonçalves é poeta, tradutor, curioso de teatro, música, cinema, política, culinária, antropologia, antropofagia, etnopoesia e etnologia, vida, educação, artes plásticas etc.

O negro, a flor e o rosário

foto: Michelle Campos

Está em cartaz no Teatro do Izabela Hendrix o espetáculo cênico-musical “O negro, a flor e o rosário”. Nele, são contadas poéticas histórias da presença do negro no Brasil, com uma África sempre mítica, uma poderosa mãe que proporciona a esperança aos que foram levados pra longe, que atravessaram o Calunga Grande (o mar). Personagens como Zumbi, Dandara, o Saci e muitos outros aparecem para rechear de beleza o imaginário referente ao negro no Brasil.

“O negro, a flor e o rosário” é uma criação de Maurício Tizumba e Vítor Alvim. Faz parte da programação da 36ª Campanha de Popularização do Teatro. No seu elenco: Benjamin Abras, Julia Dias, Elisa de Sena, Tásia D’Paula, Eneida Silva, Maíra Baldaia, Simone Meireles, Josi Lopes, Ana Luisa Moreira e Viviane Moreira.

O espetáculo está em cartaz de quinta a sábado (às 21h) e aos domingos (às 20h) até o dia 24 de janeiro.

Dibaxu/Debaixo, Juan Gelman

Acaba de sair pela editora da Universidade Federal do Ceará a primeira edição brasileira do livro Dibaxu/Debaixo de Juan Gelman, com tradução do meu amigo Andityas Soares de Moura. O livro faz parte da coleção Nossa Cultura e nasce graças ao apoio do poeta Floriano Martins.

Dibaxu é um trabalho singular. Escrito entre 1983 e 1985, traz uma coleção de 29 poemas amorosos. Uma curiosidade: Juan não os escreveu em espanhol, sua língua natural, mas na língua dos judeus da península ibérica, o sefardita. “Sou de origem judia, mas não sefardita, e suponho que isso teve a ver com o assunto”, comenta o poeta. Trata-se de um idioma antigo, que está nas próprias origens da língua espanhola. É, entre outras coisas, o idioma do Cantar de mio Cid, poema fundador do povo castelhano. Apesar de antigo, o sefardita não é uma língua morta. “O acesso a poemas como os de Clarisse Nikoïdski, novelista em francês e poeta em sefardita, desvelaram essa necessidade que em mim dormia”, revela o poeta, outra vez no “Escólio”, incluído na publicação. E arremata: “a sintaxe sefardita me devolveu um candor perdido e seus diminutivos, uma ternura de outros tempos que está viva e, por isso, cheia de consolo”. O livro brasileiro vem em versão trilíngüe (sefardita, português e espanhol), seguindo o caminho proposto pelo próprio poeta em sua publicação original (sefardita-espanhol).

Há poucos livros de Juan Gelman publicados no Brasil. O primeiro foi o trabalho de Eric Nepomuceno, a belíssima antologia Amor que serena, termina?, ao que se seguiu Isso, publicada pela UnB e traduzida por mim e pelo Andityas (ver capa ao lado). Pela editora Crisálida, o livro Com/posições, também tradução de Andityas. Como o tradutor bem lembra, Juan Gelman possui uma das características mais interessantes (a meu ver) para um poeta no mundo contemporâneo: a diversidade. Dono de variadas técnicas na criação poética, foi uma das mais poderosas vozes nos anos 70 e 80, período de resistência contra a ditadura militar argentina. Despaegado dos rótulos, o premiadíssimo Juan Gelman tem mostrado sempre novas e surpreendentes faces ao longo de seus mais de 30 livros. Segundo consta, seus poemas eram memorizados e recitados às escondidas para os presos políticos, circulavam como alimento para a revolta entre os ativistas de esquerda e davam uma nota de esperança aos que continuavam sonhando uma Argentina livre. O escritor Julio Cortázar achava que “Talvez o mais admirável [na poesia de Gelman] seja sua quase impensável ternura ali onde mais se justificaria o paroxismo do rechaço e da denúncia, sua invocação de tantas sombras por meio de uma voz que sossega e arrulha, uma permanente carícia de palavras sobre tumbas ignotas”. Seu poema “Gotán” (tango na gíria lunfardo), escrito nos anos 60, está entre os mais conhecidos poemas argentinos.

A escolha de Andityas Soares de Moura em traduzir justamente os poemas sefarditas se faz pela mais pura confluência. Admirável conhecedor da língua portuguesa e amante da diversidade, o poeta-tradutor publicou, em 2003, o livro OS enCANTOS, um livro único no Brasil, com versos escritos em português, galego, provençal, catalão, francês, italiano, latim. Uma desbabel neolatina, na qual se entrevê, como em Juan Gelman, uma busca apaixonada pelas raízes da língua. Como se buscar as raízes da língua fosse buscar as próprias raízes da poesia. Para completar a edição, o leitor de Dibaxu/Debaixo ganha um último presente: uma série de poemas de autoria do próprio Andityas nos quais ele assume ter-se deixado influenciar pela poética social de Juan Gelman.

Dibaxu/Debaixo foi uma das melhores coisas que recebi neste final de 2009. Tomara que chegue às livrarias do sudeste. Para quem quiser uma palhinha, aí vai:

XX.

não tens porta/chave/
não tens fechadura/
voas de dia/
voas de noite/

o amado cria o que se amará/
como tu/chave/
tremendo
na porta do tempo/

******

no tenis puarta/yave/
no tenis sirradura/
volas di nochi/
volas didia/

lu amadu cría lu qui si amará/
comu vos/yave/
timblandu
nila puarta dil tiempu

******

no tienes puerta/llave/
no tienes cerradura/
vuelas de noche/
vuelas de día/

lo amado crea lo que se amará/
como tú/llave/
temblando
en la puerta del tiempo/

Iê iê iê do Arnaldo Antunes

Iê Iê Iê

O disco é do caralho! O título já de cara avisa que aí vem homenagem. Não, não é aos beatles. São os ieieiê daqui: Roberto e Erasmo Carlos e toda a turma da jovem guarda. Umas leves pitadas de Cauby Peixoto disfarçadas entre os gritos do cantor. Mas não é um revival dos anos doirados.

Os ritmos têm aquele gostinho de rock romântico e sonhador dos anos oitenta. Aqueles mesmos anos que a gente passava ouvindo Titãs Cabeça Dinossauro Sonífera ilha. Quem cresceu nos anos oitenta põe o dedo aqui. Lembra daquela batida de rock quadradona, aquele rock para ousados cabeludos de cabelo repicado? E aquelas músicas de dançar a dois que a gente chamava de “música lenta”. Esperávamos ansiosos pelo Rock’n Rio, não podia aparecer mulher pelada na televisão, palavrão era censurado até no meio da rua e acreditávamos em tudo o que dizia o Forastieri na revista Bizz.

Felizmente, hoje só quem for bobo se guia por revistinhas de showbizz. O mundo está todo disponível para o nosso gozo que pode ser aqui agora, basta dar um clique. E já não existe mais o showbizz. Tudo é vida. Tudo respira e pira. Milhões de discos, palavrões, dores de cotovelo e mulheres peladas são gravados, fotografados e lançados na rede a cada minuto. Sempre para o nosso gozo. Isso, é claro, sem deixar o mundo que sempre existiu. E é deste mundo que o Iê iê iê fala.

onde é que eu fui parar
aonde é esse aqui
não dá mais pra voltar
porque eu fiquei tão longe

onde é esse lugar
aonde está você
não pega celular
e a terra está tão longe

(da música “Longe”)

Aprovado o SIMPLES para a Cultura

Na primeira votação do Plenário nesta quarta-feira (16), 51 senadores aprovaram o chamado “Simples da Cultura”, projeto de lei complementar da Câmara (PLC 200/09), do deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP) que inclui os produtores e as produções artísticas e culturais no sistema tributário denominado Simples Nacional. Pela medida, que precisa ser sancionada pelo presidente da República ainda este ano para surtir efeitos em 2010, os artistas e produtores de arte e cultura serão beneficiados com uma redução na alíquota de tributação de 18% para até 6%, segundo observou o senador Aloizio Mercadante (PT-SP).

A notícia é excelente. É raro ver os políticos percebendo o papel da cultura para o crescimento do país. A visão estreita dos políticos não os deixa perceber que, além de formar parte significativa da população brasileira, artistas e produtores culturais colaboram diretamente, e não apenas em patrimônio imaterial, para o desenvolvimento econômico do país. Segundo a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), relatora da matéria, o setor artístico responde por pelo menos 5% do PIB.

para saber mais, clique aqui.

Quase nada sempre tudo : Juan Fiorini

Convite Lançamento Quase nada sempre tudo

Uma boa dica para quem estiver em Belo Horizonte no sábado é o lançamento do primeiro livro do Juan Fiorini. Tive a sorte de conhecê-lo este ano no bate papo  que rolou no final de fevereiro lá no Azucrina sobre “A lente objetiva do poema”. Na ocasião ganhei de presente uma publicação simples e bacana que ele mesmo fazia de seus poemas. Ainda não li, mas garanto que o livro está excelente. Além do que, foi publicado dentro de uma proposta bem interessante de edição colaborativa “inspirada pelos antigos sistemas de subscrição que viabilizaram a publicação de obras fundamentais como a Encyclopédie francesa de Diderot e Dallembert” (palavras da editora).

Dia 12 de dezembro, de 12 às 14h
No Balaio de Gato (Rua Piauí, 1052 – Funcionários)

Saiba mais no site da editora:

www.tradiçãoplanalto.com.br

Babilak Bah e o seu Enxadigma

babilak

Enxadigma, enxadário, curacões, corpoletrado, ou a gente se raoni ou a gente se sting. O divertido vocabulário de Babilak Bah é uma verdadeira festa e se parece com a parafernália sonora que ele mesmo vem criando há alguns anos. Quem não conhece, não devia perder mais tempo: procure, fuce, ouça, leia. Ou então, vá vê-lo no próximo sábado, dia 05 de dezembro:

Babilak Bah e Quarteto de Enxadas lançam: Enxadigma + Corpoletrado (livro de poemas do Babilak) + Curacões (vídeo documentário sobre um tema recorrente e interessante: o cu).
Sábado, dia 05 de dezembro às 21h
no Teatro do Oi Futuro Klauss Vianna (Av. Afonso Pena, 4001)

(Babilak se apresentará em breve também em Recife e em Barcelona, aguardem)

Para ouvi-lo é no:

www.myspace.com/babilakbah
www.babilakbah.com.br

Lacuna que Alécio deixa

Alécio Cunha. foto: Marcelo Prates

No dia 16 de janeiro deste ano, em meio aos preparativos para o lançamento do WTC BABEL S. A., recebi o telefonema de Alécio Cunha: “Leo, você pode estar aqui no jornal em 30 minutos para uma entrevista?” Obviamente eu não podia. Cheguei duas horas depois. Encontrei o Alécio sorridente como sempre, mas preocupado porque queria muito publicar algo sobre o meu poema. Me fez uma entrevista inteligente e que me pôs para pensar. No outro dia, saiu um artigo esperto no qual se via claramente que havia sido feito às pressas. Alécio havia dado um jeito de fazer caber o texto na pauta do dia seguinte e teve que fazê-lo com agilidade. Sempre foi assim. Eu o via sempre correndo, às vezes até com a fala apressada. Escolheu entregar seu tempo ao jornal, independentemente da sua saúde. Certamente porque o fazia com muita paixão.

Conheci o Alécio Cunha em 1998, quando eu trabalhava na Livraria da Travessa. Costumava ir lá aos sábados quando gastávamos horas de conversa sobre literatura e poesia. Procurava manter-se em dia com o mercado editorial da área, conhecia os principais autores contemporâneos e foi quem me apresentou, entre as muitas coisas, a Anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache de langue française, numa época que eu nem sabia quem era Léopold Sédar Senghor. Eu, em troca, lhe apresentei as traduções que fazia do então inédito no Brasil Juan Gelman.

Alécio sempre tratou com muito entusiasmo dos meus trabalhos. Escreveu sobre todos eles. Desde A rainha da cocada preta. Em 2002 fez uma imponente entrevista comigo, por ocasião do lançamento da primeira edição d’O doente imaginário. Procurou fazer o mesmo quando do lançamento do livro Isso e do meu das infimidades. Seu texto sobre Canções da Inocência e da Experiência começa inusitadamente com lágrimas, um ato de coragem para um jornalista.

Além de repórter, Alécio era um poeta confiante no poder da linguagem. Despreocupado quanto ao seu próprio reconhecimento enquanto escritor e atento às pequenas coisas que existem por detrás daquelas que nos comovem profundamente. Acreditava, como eu, que poeta bom é poeta vivo. Era jovem e jovial, tinha apenas 40 anos e havia publicado poucos livros, embora tenha escrito bastante e contribuído muito para a literatura brasileira, tirando da obscuridade não apenas poetas contemporâneos, mas também grandes mestres esquecidos (basta lembrar o caso de Lúcio Cardoso).

A notícia de sua morte no último sábado me deixou muito triste. Soube que havia sofrido um aneurisma em outubro e que estava em coma. Eu esperava que ele melhorasse, que fosse sobreviver a isso. Mas as coisas não são como queremos. Alécio Cunha fará muita falta por aqui.

Retour au pays de Patrick Acogny

Este ano o FAN – Festival de Arte Negra aconteceu em situação mais ou menos periférica. Digo mais ou menos porque a programação estava bonita, com convidados ilustres e competentes. As instalações bem feitas e bem organizadas, com dois grandes palcos e um Ojá (mercado em yorubá). Periférica porque foi empurrado para a orla da Lagoa da Pampulha. Embora bonito, um lugar fora de mão, com poucos ônibus. Difícil para quem não estivesse de carro e quisesse acompanhar a festa até mais tarde. Todo o mérito para os organizadores, o Rui Moreira e o Adyr Assumpção que, pelo jeito, levaram na cara e na coragem. Uma pena o novo prefeito não haver percebido que o FAN é a menina dos olhos dos festivais belorizontinos.

No vídeo acima, feito pela rádio Ojá, alguns momentos do espetáculo “Retorno ao país natal”, apresentado pelo Coletivo FAN da Dança (criado especialmente para o evento) e dirigido pelo coreógrafo senegalês Patrick Acogny. Quem acompanha é o grupo Uakti em colaboração com o griot Oumar Fandi Diop. Leo Gonçalves acabou colaborando um pouco também, enviando as traduções dos poemas de Léopold Sédar Senghor, Aimé Césaire e Léon Gontram Damas que são recitados pelas dançarinas durante o espetáculo.