O som e o sentido – José Miguel Wisnik

o som e o sentido - uma outra história das músicas, livro de josé miguel wisnik

Mais um livro para a minha estante de cabeceira. José Miguel Wisnik está afiadíssimo nesta “outra história das músicas”. Há muito tempo sou um leitor apaixonado de histórias da música. Apesar disto, costumo me aborrecer com a tediosa e repetitiva eurocentrização do som. Daí a surpresa deste livro.

Publicado pela primeira vez em 1989, O som e o sentido mostra um pouco das concepções primordiais do som em cada cultura. O som (organização arbitrária em cada povo) entendido como antítese de ruído, a organização do sentido em meio ao caos sonoro reinante no planeta. Som – palavra. Sonho sentido.

Interessante a distribuição temática do assunto: ao dividir a história da música em períodos em que reinam o Modal, o Tonal e o Serial, Wisnik produz um efeito de ecos no qual a história da música deixa de ser uma mera descrição do passado e se transforma numa verdadeira presentificação dos infinitos sons que circulam pelas mentes e ouvidos do mundo atual.

Em tempos de alta circulação de arquivos sonoros pelo planeta (com apoio de youtubes, emules e rapidshares), a sugestão é não se ater à simples (porém necessária) audição do cd que vem junto com o livro, mas acompanhar a leitura com a audição aprofundada de cada som sugerido. Pigmeus do Gabão ou os gamelões de Bali, as escalas de microtons indianas e árabes, as pentatônicas da economia política chinesa e africana, sem falar nas maravilhas da era tonal e pós-tonal.

A música modal é a ruidosa, brilhante ritualização da trama simbólica em qua a música está investida de um poder (mágico, terapêutico e destrutivo) que faz com que a sua prática seja cercada de interdições e cuidados rituais. Os mitos que falam da música estão centrados no símbolo sacrificial, assim como os instrumentos mais primitivos trazem a sua marca visível: as flautas são feitas de ossos, as cordas de intestinos, tambores são feitos de pele, as trompas e as cornetas de chifres. Todos os instrumentos são, na sua origem, testemunhos sangretos da vida e da morte. O animal é sacrificado para que se produza o instrumento, assim como o ruído é sacrificado para que seja convertido em som, para que possa sobrevir o som.

(…)
O mundo é barulho e é silêncio. A música extrai som do ruído num sacrifício cruento, para poder articular o barulho e o silêncio do mundo. Pois articular significa também sacrificar, romper o continuum da natureza, que é, ao mesmo tempo silêncio ruidoso (como o mar, que é, nas suas ondulações e no seu rumor branco, freqüência difusa de todas as freqüências). Fundar um sentido de ordenação do som, produzir um contexto de pulsações articuladas, produzir a sociedade significa atentar contra o universo, recortar o que é uno, tornar discreto o que é contínuo. (José Miguel Wisnik)

4 pensou em “O som e o sentido – José Miguel Wisnik

  1. É um livro de estudos. E de viagens…

    Passei a estudar o teatro pelo viés desse livro, acredita? Ver uma arte através de outra…

    E Wisnik nos dá a aventura humana do som e do sentido.

    Concordo, é demais!

    Abraços

  2. Garrocho, é isso mesmo. Imagino que ver o teatro desse mesmo viés deve ser bem interessante, depois você me conta como é. O bonito é que ele não faz uma história da notação musical, como normalmente fazem. Ele procura compreender como cada cultura domestica o som. Aí sim!

    Abraço.

  3. Esse é o livro que desde da sua primeira edição, sempre tive vontade de ler e até hoje ainda não conseguir comprar, quando volto a livraria, o livro ja acabou. O José Miguel Wisnik é um talento e tanto para escrita, com música então você fica envolvido nas suas analises, que ele tem uma sensibilidade com as artes, que fiquei querendo ler esse livro depois que li “Sem Receitas”, outro livro muito bom dele, que gostei.

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