outra língua – henryk siewierski

outra língua - henryk siewierski

canção de ninar

cai do sono
para o outro lado
da lua

a noite será
toda tua.

dia desses, recebi na minha casa uma preciosidade: o livro outra língua de henryk siewierski. a edição está linda e simples, produzida pela ateliê editorial.

o autor é polonês, mas os poemas foram escritos em português. ao todo são 55 poemas de alguém que se brasilificou sem nunca deixar de ser polaco. a outra língua, fica a pergunta, é a daqui ou a de lá? ou aquela que fica entre as palavras e um olhar de miríades sobre um mundo novinho em folha?

cigarra

no princípio era a
cigarra,
seu canto acordou o
menino,
o choro do menino
acordou o pai,
que fez o mundo para
ver se o distraía.

alguém talvez me pergunte, nesse país que não conhece o que tem de bom: mas quem é henryk siewierski? bem, ele é um desses personagens que vêm de fora e ajudam o brasil a ser um lugar melhor. penso nele como fazendo parte da turma de estrangeiros geniais que se aclimataram entre nós: paulo rónai, anatol rosenfeld, otto maria carpeaux e por aí vai.foi ele que eu entrevistei há uns 5 anos atrás para o jornal estilingue. na ocasião, eu tinha acabado de ler história da literatura polonesa, de autoria dele. em seguida, começou a coordenar a coleção poetas do mundo (da unb) para a qual colaborei sem saber que ele também é um poeta do mundo. pioneiro na tradução direta do polaco para o brasileirês, é o tradutor de escritores como czeslaw milosz, bruno schulz, adam mickiewicz e cyprian norwid.

cabeça aberta

antes de ter o meu pai
o meu avô foi à guerra
quase morremos todos
numa batalha perto de Viena.

uma bala lhe abriu o crânio
e a vida se ia embora
em vez de fechar-lhe a porta
o médico quis dar carona

não lhe passou pela cabeça
que num vaso tão devastado
a vida pudesse ainda
ter um aliado.

precisava o meu avô
fazer uma declaração
de que ainda queria viver
com a vida que lhe sobrou.

me lembro quando passava
a mão em sua cabeça
no lugar onde passou a bla
era mole por ser aberta.

meu avô não ganhou a guerra
mas isso não interessa
o que interessa é que ganhou
a vida com a cabeça aberta.

mas voltemos ao livro. está belíssimo e surpreendente. não é a toa que jerusa pires ferreira comenta na contra-capa: “esta é uma poética da descoberta, da chegada a pontos de observação que são verdadeiros lugares-abrigos. mas é também um ancoradouro da memória.” e eu concordo com ela. “há neles uma espécie de carta poética de achamento dos trópicos.”

non omnis moriar

é preciso mudar a terra
antes que ela nos devore
procurar outros rios
outras árvores

deixar os sonhos sonharem
do outro lado do mar
para não morrer de todo
na sua terra natal.

6 pensou em “outra língua – henryk siewierski

  1. Olá Leo,

    tb tive a feliz oportunidade de ler os poemas de Siewierski, gosto de vários, mas destaco as duas últimas estrofes do Hafiz, que diz assim:

    A poesia não salva
    nos desafiava o vento
    tudo passa o amor
    o vinho e a música

    O amor é eterno
    respondemos ao vento
    assim nos falam Vinícius
    o vinho e a música

    Não são mesmo lindos esses versos?!!

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