Arquivo mensais:junho 2011

Biblioteca mattosiana

Glauco Mattoso completa hoje, dia 29 de junho, 60 anos. Motivo para comemorá-lo. Então, para quem estiver em SP, hoje tem o lançamento da Biblioteca mattosiana, pelo selo Demônio Negro, reunião de tudo que fez até agora. Na Biblioteca só não haverá o livro Tripé do tripúdio e outros contos hediondos, que será também lançado pelo selo Tordesilhas. Haverá também um bate-papo com o autor e os escritores Lourenço Mutarelli, Mamede Mustafa Jarouche e Antonio Vicente Seraphim Pietroforte.

O lançamento acontece no Centro Cultural B_arco (Rua Virgílio de Carvalho Pinto, 426 – Pinheiros) a partir das 19h30.

***
Para quem já quiser ir degustando as palavras do desbocado Glauco, um soneto sádico:

SONETO 17 SÁDICO

Legal é ver político morrendo
de câncer, quer na próstata ou no reto,
e, pra que meu prazer seja completo,
tenha um tumor na língua como adendo.

Se for ministro, então, não me arrependo
de ser-lhe muito mais que um desafeto,
rogar-lhe morte igual à que um inseto
na mão da molecada vai sofrendo.

Mas o melhor de tudo é o presidente
ser desmoralizado na risada
por quem faz poesia como a gente.

Ele nos fode a cada canetada,
mas eu, usando só o poder da mente,
espeto-lhe o loló com minha espada.

(Glauco Mattoso. Centopéia: sonetos nojentos e quejandos. SP: Ciência do Acidente, 1999)

Palavra Inquieta – Papo com Autores – Luiz Roberto Guedes

O convidado desta semana no Palavra Inquieta – Papo com Autores é o meu amigo Luiz Roberto Guedes. Poeta, tradutor, contista, escreveu livros como Alguém para amar no fim de semana(editorial e, 2010), O mamaluco voador (Travessa dos Editores, 2005) e Calendário lunático – erotografia de Ana K (Ciência do Acidente, 2000). Traduziu também poetas como Phillip Larkin e José Kozer. Guedes não para por aí. Letrista, assina suas canções sob o pseudônimo Paulo Flexa. Também escreve literatura infanto-juvenil e esse é só o começo da lista.

O ex-poeta Sebastião Nunes compara seu O mamaluco voador, escrito inteiramente com a grafia portuguesa do século XVI, com o conto “Meu tio Iauaretê” de Guimarães Rosa. Guedes se diz um estreante tardio, tendo publicado seus primeiros livros a partir dos anos 1990, embora já escrevesse ativamente desde 1975, quando publicou o conto É a guerra, meu general na coleção Contos Jovens da editora Brasiliense.

Em abril deste ano, ele apareceu no programa Entrelinhas da TV Cultura, entrevistado pela também poeta Andréa del Fuego.

Quanto a mim, tive a chance de entrevistá-lo no Fliv, ao lado de Lourenço Muttarelli, também em abril de 2011. O programa Palavra Inquieta acontece na quinta-feira às 19h e terá transmissão ao vivo pela internet. Interessados podem enviar perguntas. Para acessá-lo, basta clicar no link: http://on.fb.me/eCtIrD

Palavra Inquieta – Papo com Autores é uma iniciativa do Clube de Autores. www.clubedeautores.com.br

Programa Palavra Inquieta essa semana

A notícia é que não haverá esta semana o programa Palavra Inquieta – Papo com Autores. O motivo principal é o feriado de Corpus Christi na próxima quinta-feira, dia 23. Aproveitaremos para fazer alguns ajustes necessários para melhorar a transmissão. Notícia boa: em julho teremos novidades. Além de irmos para a Flip, entre os dias 06 e 10 de julho, começaremos o programa num espaço novo.

Em breve, coloco mais detalhes aqui. Enquanto isso, você pode ver as primeiras 3 entrevistas no https://www.youtube.com/@LeoGoncalves-Salamalandro/videos

Marginália e experimentação

Dica: Quem estiver em BH na próxima quarta, dia 22 de junho, não deve perder as performances do Ricardo Aleixo e do Marcelo Dolabela, às 10h30, no encerramento da exposição Marginália e experimentação, que integra do ciclo de conferências Sentimentos do Mundo, coordenado pela poeta e professsora Ana Caetano. Aproveitem por mim.

Revista Coyote 22

Não é segredo nenhum que sempre espero ansioso pelo próximo número da Coyote. Uma revista semestral que chegou ao seu 22º número sem perder a juventude, sem se render aos vícios do mercado e, pelo contrário, alimentando-o com informação nova (nem sempre aproveitada como merece) não é para os blasês.

E a nova edição, que me chegou das mãos do Ademir Assunção, está um primor. Enorme foi a minha surpresa ao encontrar ninguém menos que Manuel António, poeta galego (traduzido por Jerusa Pires Ferreira e Josias Abdalla Duarte) que me foi apresentado há vários anos pelo meu amigo Andityas Soares de Moura, também seu tradutor. Tem também os contos sinistros do Sandro Eduardo Saraiva, vários poetas vivíssimos, como Solivan Brunaga e Paulo Moreira, uma cena de Veronica Stigger, poemas do nonsense Edward Lear e para fechar no up (upa!), uma entrevista inquieta com o poeta Geraldo Carneiro.

Tem mais, muito mais.

Informe-se no www.zonabranca.blog.uol.com.br ou compre seu exemplar no www.iluminuras.com.br.

Poesia contra a moral e os bons costumes

O que existe de valor por aqui exceto a paisagem?
Incontida volúpia de saquear.
É mister roubar. É mister roubar a luz
Que cobre
Montanha e mar.
Roube!

(Waly Salomão, “Poesia Hoje”)

Quem frequenta esse salamal-antro há mais tempo, deve ter sentido a falta do antigo subtítulo que sempre o acompanhou: “poesia contra a moral e os bons costumes”. O retirei faz pouco, não porque tenha mudado de ideia, mas porque sei o quanto essas palavras pesam para os olhos incautos, o susto que as pessoas desprevenidas tomam ao ler logo a frase assim a queima-roupa. Sei também que há aqueles que se torna(ra)m leitores do blogue ao se deparar com a proposta, os que aderem logo de cara, se entusiasmam, que já trazem o gozo na alma. Afinal, tenho que admitir, querer isto da poesia não é nada original. Faz parte das ideias que circulam no ar, do Zeitgeist, o Espírito da Época.

Dia desses recebi no meu e-mail a seguinte mensagem, de uma certa Mariana:

Poesia contra a moral e os bons costumes. Isso é apresentação que se apresente? O país está afundando em desonestidade e imoralidade e você tem coragem de fazer uma propaganda contra a moral? Que coisa mais triste. Fiz uma pesquisa no google e veio sua página, tive pavor quando li. Você é adolescente e odeia os seus pais, é isso?

Achei graça do comentário. Não concordo com uma palavra do que ela diz. Acho que sim, é apresentação que se apresente, contra a imensa caretice (isto sim!) em que este mundo está se afundando, não apenas o país. Acho que tamanha caretice virou justificativa para a desonestidade a que minha correspondente faz referência, e não só no Brasil. Também não concordo com a importância que ela dá à moral e menos ainda com a oposição que ela faz à desonestidade. E não se trata de odiar os pais, Mariana, mas de honrá-los e (se desse) de sacanear com esse paternalismo machista para o qual nós, homens e mulheres, fazemos as nossas preces sempre com medo que ele caia de vez.

Mas é tudo uma questão de conceitos. Foi a Renata Oliveira (grande amiga que sempre me aplica em novidades deleuzianas e outras firulas filosóficas iluminadas) que me mostrou o texto “Ética como potência, Moral como servidão”, de Luiz Fuganti (clique aqui para lê-lo). Ótimo para ilustrar o quanto de sujeição voluntária há em se querer um mundo mais “moral”. Vale a pena citar:

Expressos por discursos que pretendem representar e justificar os chamados “bons costumes”, autoqualificados de científicos, cultuados como verdades em si ou formas puras do saber, esses valores bloqueiam e separam o indivíduo de sua capacidade imanente de pensar e agir por ordem própria, desqualificando seus saberes locais e singulares como meras crenças ou opiniões e destituídos de suas potências autônomas que criam seus próprios modos de efetuação.

Moral e bons costumes são os instrumentos do Leviatã. O cidadão crédulo de que a realidade constituída é produtora de paz e tranquilidade. Salvo do medo e do desengano (para não dizer salvo no medo e no engodo), ele pode seguir em frente sabendo que existe uma frase feita, um discurso pronto em que se apoiar. Os caminhos da moral levam facilmente à culpa e à hipocrisia.

Isso sem falar no politicamente correto. No mundo conectado, o politicamente correto é um grande subterfúgio maniqueísta, provavelmente com a mais ampla adesão já vista na história da linguagem. Supõe-se que, mudando os nomes das coisas, elas se tornam menos violentas e, daí, mais “moralizadas”. Chamam negro de afro-descendente, aumentando assim o grau de indexação do indivíduo a partir da velha convenção de que a África é o continente negro e não outra coisa. E daí por diante com burocratizações e relativizações de palavras sucintas e eficazes como “cego”, “mudo”, “surdo”. No mais, não  há indício nenhum de que fulano ou sicrano não possa usar termos politicamente corretos de maneira discriminatória. As maneiras “light” de usar a linguagem não garantem a inexistência de sentimentos ruins.

Embora seja fruto da desconfiança com a linguagem, não deixa de haver uma certa nostalgia no politicamente correto (vale dizer que algumas das pessoas que mais admiro, são praticantes do famigerado vocabulário politicamente correto e não as culpo por isso). Ao tentar retirar a carga de violência da vida mudando as palavras, tenta-se conferir eficácia a elas. Não notam que ao fazer isto, os próprios falantes colocam as palavras em descrédito. O politicamente correto é a moral aplicada à linguagem, apenas mais uma tentativa de domesticá-la.

Vivemos numa espécie de Alphaville de Jean-Luc Godard. Propagamos ideias aparentemente rebeldes via Twitter ou via Facebook sem notar que estamos apenas repetindo os adágios politicamente corretos da grande mídia. Ao mesmo tempo, entregamos informações a nosso respeito para grandes corporações fantasiadas de prestadoras de serviço. A diferença entre moral e ética é a diferença entre o Facebook e a poesia. No primeiro, todos se creem participantes da grande comunidade humana mundial. O Facebook (e também a moral) é a realização dos nossos desejos mais adolescentes: com ele sentimos que “fazemos parte”. Nas redes sociais, a poesia encontra finalmente um significado (que ela não pediu). Lá, ela finalmente se torna útil: ao ser postada, as pessoas curtem. Ou não.

O poeta que busca a liberdade, rema (rima?) contra a correnteza: suas palavras são dotadas de uma estranha transfiguração, já não ditam ordens, já não constituem leis. No poema, as palavras são um fim em si mesmas, totalmente inútilizáveis. Pura potência contra uma vida apegada a significados, coerções, sedução e consumo. Contra a moral, a poesia é a felicidade de quem alcançou a miséria absoluta. Como com os antigos profetas judaicos, os griots do Senegal, os aedos gregos, os bobos das cortes medievais, os juglares da península ibérica: não ter nada nos concede o direito de dizer tudo, levem-nos a sério ou não. A grande comunidade mundial da poesia é uma imensa população de dissidentes entre si. Ao discordarem uns dos outros, tendem a estar cada vez mais unidos.

O mundo baseado na moral introjetada tende a se tornar irrespirável. 1984 é aqui. Surgirá algum poema que nos tire dessa estúpida monotonia? Como no filme do Godard, virá Lemmy Caution falar versos incompreensíveis para destruir Alpha 60, o grande olho central? Algum Orpheu maldito nos tirará desse inferno? O mundo pode ser mais interessante que uma timeline ou um programa de notícias? É possível haver vida para fora dos prolixos 140 caracteres, das novelas e das soap operas?

Poesia contra a moral e os bons costumes é um apelo que carrega em si o sufixo -ética: além dos já esperados po-ética, est-ética, quero sonhar também com sint-ética e sincr-ética. Poesia como potência. Crueldade como ecologia da linguagem. Poesia. E seus arredores.

Palavra Inquieta: Ademir Assunção

Na próxima quinta,  o Palavra Inquieta terá a presença de Ademir Assunção. Autor de livros inusitados como Adorável criatura Frankenstein e Máquina Peluda, é um dos poetas mais ativos na cena nacional. Foi um dos mais ardorosos defensores do Movimento Literatura Urgente, que mobilizou escritores de todo o país em 2004 e cujo manifesto continua ainda hoje gerando efeitos nas iniciativas privadas e públicas de incentivo à literatura. É um dos editores da Revista Coyote, foi curador da Ocupação Paulo Leminski no Itaú Cultural em 2009. Ademir trabalha, atualmente, em seu concerto Rebelião na Zona Fantasma, no qual fala seus poemas acompanhado de uma banda de rock’n roll. O Ademir mantém o blog Espelunca (www.zonabranca.blog.uol.com.br).

O programa Palavra Inquieta – Papo com Autores é uma realização do Clube de Autores, vai ao ar no dia 16 de junho às 19h e tem transmissão ao vivo pela internet. Para assistir, basta acessar o site: http://on.fb.me/eCtIrD.

Dois poemas de Thaís Guimarães

ABAIXO DO MERCADO DO PECADO
NÃO OLHE NÃO PENSE NÃO GRILE
DUAS QUADRAS ACIMA
NA RUA ARREPENDIDA
PEGUE ATALHO E NÃO RESPIRE
SUSPIRE SUSPIRE SUSPIRE

*

NOTURNA

A flor dos meus seios
Aguarda
A tua língua
O gosto da fala
Intraduzível
Em minha carne

do livro “Jogo de cintura”. Edições Dubolso, 1982


Thaís Guimarães é também autora de Reconstrução Adversa do Discurso Amoroso. Poesia. BH. Edições Gatinhos, 1983. Seu livro Bom Dia, Ana Maria. Poesia. Infantil. BH. Editora Vigília ganhou Prêmio Jabuti de Melhor Produção Editorial, 1987. A conheci com toda a sua contagiante inquietude em abril deste ano durante a ZIP.

Você também encontra poemas dela no site www.tanto.com.br

Birago Diop na Modo de Usar & Co.

Os que faleceram jamais se foram
Eles estão na Sombra que se ilumina
E na sombra que se enegrece.
Os Mortos não estão sob a Terra
Eles estão na Árvore que freme,
Estão na Madeira que geme,
Estão na Água que dorme,
Estão na Cabana, estão na Massa
Os mortos não estão mortos.

Birago Diop, “Sopro” (Souffle)

Na franquia eletrônica da Revista Modo de Usar e Co., editada por Ricardo Domeneck, Fabiano Calixto, Marília Garcia e Angélica Freitas, apareceram hoje 3 poemas de Birago Diop, traduzidos por mim.

Pouca gente o conhece, mas a figura de Birago Diop tornou-se um ícone para mim. Amigo de Léopold Sédar Senghor e Aimé Césaire, era um poeta bissexto. Celebrizou-se com seu livro Les Contes d’Amadou Koumba (1947), cujo personagem central é um griot.  Na sua minibiografia na Anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache de langue française, publicada em 1948 com prefácio de Jean-Paul Sartre, Senghor afirma: “é mais conhecido como contista. Mas na África Negra, a diferença entre prosa e poesia é mais uma questão de técnica e quão magra!”

Gosto muito de seu livro Leurres et lueurs (Présence Africaine, 1967). Especialmente os poemas “Souffle” [Sopro] e “Viatique” [Viático], nos quais o fetichismo pulula forte. Aí está um poeta para o paideuma (ou mãedeuma, segundo as tradições africanas) do Poemacumba.

Para você ler os poemas na Modo de Usar & Co., clique neste link:  www.revistamododeusar.blogspot.com