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não macule a minha faca


“quem com letícia féres, confere e será querido”.
imperdível. nas terças poéticas: jardins internos do palácio das artes. hilda hilst homenageando letícia féres. letícia féres homenageando hilda hilst. poesia em alta voltagem. samplermusic & videocolagem. julius. frederico pessoa. poesia hoje. queria conseguir dizer mais. mas precisa? vá lá e comente depois aqui comigo, vai.

à amada esquiva

dessem-nos tempo e espaço afora
não fora crime essa esquivez, senhora.
sentar-nos-íamos tranqüilos
a figurar de modos mil os
nossos dias de amor. eu com as águas
do humber choraria minhas mágoas;
tu podias colher rubis à margem
do ganges. que eu me declarasse
dez anos antes do dilúvio! teus
nãos voltar-me-iam a face
até a conversão dos judeus.
meu amor vegetal crescendo vasto,
mais vasto que os impérios, e mais lento,
mil anos para contemplar-te a testa
e os olhos levaria. mais duzentos
para adorar cada peito,
e trinta mil para o resto.
um século para cada parte,
o último para o coração tomar-te.
pois, dama, vales tudo o que ofereço,
nem te amaria por mais baixo preço.
mas ao meu dorso eu ouço o alado
carro do tempo, perto, perto,
e adiante há apenas o deserto
sem fim da eternidade.

tua beleza murchará mais tarde,
teus frios mármores não soarão
com ecos do meu canto: então
os vermes hão de pôr à prova
essa comprida virgindade,
tua fina honra convertendo em pó,
e em cinzas meu desejo. a cova
é ótimo e íntimo recanto. só
que aos amantes não serve de alcova.
agora, enquanto pousa a cor
da juventude em ti como na flor
o orvalho, enquanto por
todo poro teu a alma transpira
com urgentes fogos,
entreguemo-nos aos jogos
do amor e, amantes aves de rapina,
antes de um golpe devoremos nosso tempo
que enlagueçamos em seu lento
queixo. enrolemos nosso alento
e suavidade numa só esfera.
e rasguemos prazeres como feras
pelos portões férreos da vida.
assim, se não sustamos nosso sol,
ao menos o incitamos à corrida.

é do andrew marvell (1621 – 1678) to his coy mistress,
e a tradução é de augusto de campos (verso, reverso, controverso. ed. perspectiva, 1978)

what can i hold you with? (um poema inglês de jorge luis borges)

de que modo eu posso te abraçar?
eu te ofereço estreitas ruas, poentes desesperados, a lua dos subúrbios gastos.
eu te ofereço a amargura de um homem que olhou longamente a lua solitária.
eu te ofereço meus ancestrais, meus mortos, os fantasmas que os vivos honraram em mármore: o pai do meu pai assassinado na fronteira de buenos aires, duas balas atravessadas nos pulmões, barbado e morto carregado por seus soldados no couro de uma vaca; o avô de minha mãe – com apenas vinte e quatro anos – encabeçando uma carga de trezentos homens no peru, agora fantasmas sobre desvanecidos cavalos.
eu te ofereço qualquer insight que possa haver em meus livros, qualquer hombridade ou humor na minha vida.

eu te ofereço a lealdade de um homem que nunca foi leal.

eu te ofereço o cerne de mim mesmo que achei de certo modo – o coração central que não aposta em palavras, que não trafega com sonhos e é intocado pelo tempo, pela alegria, pelas adversidades.
eu te ofereço a memória de uma rosa amarela vista ao pôr-do-sol, anos antes de você nascer.
eu te ofereço explanações sobre você mesma, teorias sobre você mesma, notícias autênticas e surpreendentes sobre você mesma.
eu posso te dar a minha solidão, a minha escuridão, a fome do meu coração; estou tentando subornar-te com incertitude, com perigo, com derrota.

(tradução: leo gonçalves)

o borges é um sujeito muito raro. melhor conhecido como prosador, foi também um grande poeta – um marco da lingua castelhana, grande influência de gerações e gerações na literatura argentina. e não só: também produziu bons ensaios sobre o tema, sendo que hoje, um poeta interessado em se aprimorar conceitualmente sobre sua arte perde muito se não tiver acesso às essas reflexões. por outro lado, sua posição conservadora se refletia em sua produção. isso não o impediu de ser um dos mais transgressores artistas do século xx. curioso é que como poeta, a preferência é por uma forma mais tradicional (quem se interessar, publiquei aqui no salamalandro há algum tempo um soneto dele chamado “swedenborg”). voltando de diamantina, tive o desejo de ler poemas dele. qual não foi a surpresa ao encontrar este poema que me parece esteticamente “selvagem”, apaixonado e racional ao mesmo tempo. e escrito em inglês! quando eu gosto tanto de um poema assim, fico emocionado e preciso “lê-lo melhor”. e “ler melhor” significa traduzir. não quis pôr o original aqui porque o blogspot não oferece muito bons recursos na formatação do poema e com esta trabalheira já basta o poema em português. mas quem quiser conhecer o original (é sem dúvida muito mais bonito que a tradução), é só clicar aqui: www.primrose.com/borges

um poema de antonio cicero

guardar

guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
em cofre não se guarda coisa alguma.
em cofre perde-se a coisa à vista.

guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela,
isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela.

por isso melhor se guarda um vôo de um pássaro
do que um pássaro sem vôos.

por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
para guardá-lo:
para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
guarde o que quer que guarda um poema:
por isso o lance do poema:
por guardar-se o que se quer guardar.

programa petrobrás cultural

no último dia 11 saiu o resultado do programa petrobrás cultural. detalhe interessante: nesta edição a petrobrás resolveu destinar uma parte do seu investimento em literatura. uma antiga demanda do setor, dizia num parêntesis o edital de dezembro/2006. ficava implícita a atuação do movimento literatura urgente nesse sentido. e logo, essa abertura gerou de imediato uma séria discussão sobre as condições do programa. a empresa se propunha investir naqueles escritores “que já mostraram anteriormente a importância do seu trabalho”. assim, o autor deveria ter em seu currículo pelo menos 1 livro publicado e com isbn, além de um contrato já fechado com alguma editora com registro legal.

marcelo sahea, ricardo aleixo e ademir assunção levantaram em seus respectivos blogues as melhores questões e foram em cheio: qualquer um sabe que poetas no brasil sempre publicam “às próprias custas s. a.” apenas alguns poucos se deram o trabalho de correr atrás de editora e de registro na biblioteca nacional. partindo desses princípios, quem sairia em primazia seria a ficção.

tratavam-se de discussões interessantes surgidas num momento inoportuno, na minha opinião. e fiquei calado. afinal, era a primeira vez que um programa como esses surgia no cenário nacional, já tão carente de boas iniciativas. a minha reação foi me deparar com um outro problema que colocava já em crise a exigência da petrobrás: como vocês podem ver aí ao lado, meus livros publicados são em sua maioria tradução de poesia e meu único livro de poemas passa muito longe de um registro comercial. para falar verdade, não penso nem sequer em me dar a tal trabalho por razão nenhuma. por outro lado, considero esses trabalhos de tradução tão importantes quanto meu trabalho criativo, pois me abre uma porta pouco freqüentada por quem escreve que é a do intercâmbio de idéias (e de poéticas) no ato de criação.

decidi então que inscreveria o meu “tratado de pequenos crimes”. de certa forma já sabia que não seria contemplado, mas achava necessário fazê-lo. politicamente mesmo. para que a questão se fizesse um problema real no ato da escolha. para criar um pouco de dúvidas quanto às regras.

não posso negar que cultivei uma certa expectativa. mas também, não posso deixar de ficar contente pelos poetas que alcançaram a distinção: ricardo aleixo, chacal (o livro dele é uma ficção!), sérgio alcides, rodrigo de souza leão, josely vianna baptista…

recebi a seguinte mensagem da petrobrás na manhã do dia 11:

a grande quantidade de projetos inscritos, a excelente qualidade apresentada e a limitação dos recursos disponíveis para atendê-los tornou extremamente difícil a escolha final. por essa razão, caso seu projeto não tenha sido contemplado, gostaríamos de esclarecer que a abertura de inscrições de projetos para a edição 2007/2008 será anunciada em breve no site da empresa, não havendo qualquer impedimento de re-inscrição de seu projeto.

bem, não sei se re-inscreverei o meu tratado. mas acho que o saldo é positivo. fico sonhando que outras empresas também tomem iniciativas desse tipo.

mais notícias pela bloguesfera afora

chacal lança na flip o livro belvedere, que reune a poesia dele até aqui.

comentário: a notícia de que saiu essa reunião dos 36 anos de criatividade do chacal me deixou letrelétrico e me trouxe muito prazer. afinal, é tão difícil achar os livros dele. e a vida é curta para ser pequena. (www.chacalog.zip.net)
marcelo sahea, inventor de uma coisa divertida chamada poegifs, lança o seu novo site. visceral. está ainda em construção, mas já dá para passear por lá.
comentário: o site está lindão. marcelo sahea não é só um poeta em carne viva, mas um puta artista gráfico. passa lá: www.sahea.net (www.poesilha.blogspot.com)

marcelo terça-nada! criou há alguns dias uma coisa bacana: um centro de informações bloguísticas chamado vizinhança. comentário: de idéias boas é que o mundo vive. leio jornais e acho uma merda. só consigo me ver realmente informado quando dou uma passada pelos blogues. (www.virgulaimagem.redezero.org)

renato negrão, makely ka e chico de paula vão a ouro preto dar a oficina de “desespecialização artística”. de 16 a 20 de julho. comentário: grande sacada essa. a proposta vai na contramão do capitalismo atual onde o mais bonito é sempre ser cada vez mais especialista. saber cada vez mais sobre cada vez menos. (www.nocalo.blogspot.com)
lenise regina retoma a sua palavra sem nome, dando a palavra ao poeta-repórter especial julius cesar, que está cobrindo a flip – festa literária de parati. lá também você tem mais notícias sobre o belonovo livro do chacal. comentário: regina é palavra latina e quer dizer rainha. ela e seu césar. não é à toa que a letícia, a rainha do trocadilho chama ela de primeira dama. êh lindeza! (www.poesiahoje.art.br/palavrasemnome)

a morte de josé agrippino de paula

1967 foi um ano chave. glauber rocha lançava terra em transe. zé celso martinez entrava em cartaz no teatro oficina com o rei da vela de oswald de andrade. a tropicália a toda. na literatura: josé agripino de paula lançava o seu panamérica. caetano na vitrola: “panaméricas de áfricas utópicas/túmulo do samba mais possível/novo kilombo de zumbi”

passaram-se 40 anos. o teatro oficina do zé celso continua sua luta pela sobrevivência num país que é ainda o túmulo do samba mais possível. e do samba menos possível também.

passaram-se 40 anos e josé agrippino passa dessa para uma melhor. falecido em 04 de julho. sem louros, sem reconhecimento que valha os 40 anos de sua panamérica. silencioso. uma pena. me faz pensar em pound:

“os artistas são as antenas; um animal que negligencia os avisos de suas percepções necessita de enormes poderes de resistência para sobreviver.

os nossos mais delicados sentidos estão protegidos, o olho por um alvéolo ósseo, etc.

uma nação que negligencia as percepções de seus artistas entra em declínio. depois de um certo tempo ela cessa de agir e apenas sobrevive”.

daqui eu vejo ademir assunção esbravejando de sua espelunca. compartilho da sua ira.
boa viagem, agrippino.