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11 de setembro dez anos depois

(Clique na imagem para me ouvir falar o poema WTC Babel S. A.)

Já não somos mais os mesmos desde o dia 11 de setembro de 2001. Nossa percepção estética, nossa visão de mundo, as bases da negatividade nietzschiana que nos habitavam ganharam novos aspectos desde o atentado ao World Trade Center.

Muita gente se levantou contra este fato, tocados pelos milhares de mortos. No entanto, não foram os mortos que alteraram nosso olhar. Mesmo porque não os vimos. O atentado do WTC foi o espetáculo trágico mais higiênico da história: nenhuma gota de sangue foi exposta. Apenas poeira. Apenas escombros. Frames. E a inauguração da estética do looping, adotada em todos os noticiários sensacionalistas desde então.

Godard dizia que o cinema jamais seria o mesmo depois de Auschwitz. Poderíamos repetir a fórmula e dizer: nossos olhos já não são mais os mesmos depois do 11 de setembro.

Cresci sob o clima da guerra fria. Ao longo da infância e da adolescência, assisti e por vezes participei de maniqueísmos falseadores. Super Homem contra Lex Lutor. He-man contra o Esqueleto. O bem contra o mal. Não era possível gostar de Beatles se você gostasse de Rolling Stones. Led Zeppelin ou Deep Purple. USA ou URSS.

O mundo mudou. A queda do muro de Berlim, o fim da União Soviética, as mudanças nas aparências políticas soavam amargas. Talvez ninguém mais se lembre, mas até o dia 10 de setembro de 2001, o mundo ainda olhava amedrontado para o fantasma do socialismo e a bomba atômica escondida por detrás dele (que poderia ser lançada por ele ou por seu arqui-inimigo, o fantasma do capitalismo). Ao amanhecer do dia seguinte, começava a tentativa de implantação de um novo maniqueísmo, um maniqueísmo que pretendia se tornar absoluto. O mais fácil de todos os maniqueísmos, posto que o inimigo era milenar: o islamismo. Saímos da guerra fria para a guerra morna, a guerra descafeinada.

Mas o que importa, a alteração ocorrida nas nossas relações humanas não dizem respeito ao acontecimento em si. O que há é que o atentado coroou um aprendizado que vínhamos desenvolvendo ao longo das últimas décadas do fin-de-siècle: a reconciliação dos aparentes opostos. Casamentos de céu e inferno. Novos reencontros de raças. Novas mestiçagens poéticas e inusitadas. Nomadismos transbordados da filosofia.

Já não nos é permitido olhar para as coisas de maneira generalizada, como tão bem aprendemos com as fórmulas da mídia. A comunidade-mundo se tornou pequena. Não apenas a internet nos deu a impressão de proximidade: há também uma melhoria e acessibilidade aos aeroportos. O fenômeno não é apenas brasileiro.

Desde o acontecimento, aprendemos que é urgente e necessário saber olhar através. Aprendemos que o sistema político que nos governa hoje já não é o capitalismo, mas o capital. Que o comunismo ficou insosso e, depois da revelação do que ocorria nos bastidores de suas ditaduras, nos parece hoje tão cruel quanto o nazismo. Que o mundo de aparências que os políticos produzem para os nossos olhos já não basta. Que a normalpatia já não nos salva.

Mas mais importante do que tudo isso: há dez anos que descobrimos que as palavras realmente importam. O WTC pode ter sido fruto de uma algaravia, resultado da incomunicabilidade humana. O WTC pode ter sido uma faceta da Babel que o Sonho Americano sucitava. Mas hoje, mais do que nunca, e mesmo para honrar os mortos do atentado (que não foram em menor quantidade que os negros linchados no Mississipi, que os mortos em Hiroshima e Nagazaki, que os índios extirpados do continente americano, que os antigos sábios da oceania, os opositores às ditaduras militares da América Latina nos anos 60, 70 e 80), devemos aprender o peso das palavras. Porque mais do que nunca, poetas, elas significam. Elas importam.

MIP2 – Sobreabismos

 

viaduto santa tereza

Quem já ouviu falar do viaduto Santa Tereza, pode pensar que se trata de uma obra prima da construção civil. Mas não é. É apenas um dos muitos lugares inóspitos da cidade, construído originalmente para a travessia de carros e pedestres. Não é longo: caminhando com calma, pode-se atravessá-lo em 10 minutos. Seus famosos arcos e os postes antigos que o iluminam dão-lhe um ar pitoresco, e pode ser animado pela imensa faixa de céu que se abre acima, o sol que se esconde à esquerda, atrás da praça da estação, e a feia linha do metrô que passa por baixo. Também passa embaixo o rio Arrudas que, de tão feio e fedorento, foi coberto de cimento e asfalto. Olhando na extremidade que está conectada ao centro, vemos muitos prédios. E por todos os lados, asfalto e tráfego. Embora por ali passe sempre muita gente, sua função é a de unir os bairros da região leste de Belo Horizonte ao centro, garantindo o tráfego funcional do município.

A proposição se chama Sobreabismos. Duas bacias dispostas lado a lado em cada extremidade da calçada direita. Em uma delas, água. Na outra, uma combinação de pigmentos que lembram algum minério extraído das minas gerais. A performer Cinthia Mendonça pisa na bacia com água, molha bem os pés descalços e depois se deixa sujar com o pó amarelo-avermelhado da outra bacia. Segue então seus passos até o outro lado da ponte. O trabalho, que faz parte da programação da MIP2 (Movimentação Internacional de Performance), teve seu início na sexta-feira, dia 07 de agosto às 14h e foi até o pôr do sol. No percurso, observações, contatos humanos, encontros previsíveis e imprevisíveis, diálogos, descobertas, um rastro colorido no chão e a teimosa vontade da artista de ser elo entre os dois lados do incontornável precipício que habita o indivíduo da cidade grande.

Às 16:30, começa outra performance, desta vez na praça da estação. Durante duas horas e meia, o grupo Xepa realiza a Edificação: muros construídos com tijolos limpos cor laranja. Os tijolos, encaixados um por um pelos performers, não levam cimento e são colocados num ângulo levemente deslocado até o ponto de cair. Por alguns instantes, a simbologia de dureza e rigidez é forçada ao ponto de tornar-se movimento. O resultado final é um conjunto de esculturas-instalações que fazem da cinzenta praça um lugar apocalíptico e colorido por onde o passante pode sentir que está ou entre barricadas ou no meio de um quadro surrealista. Infelizmente, por questão de tempo, só pude ver esse trabalho no momento em que os realizadores já não estavam presentes. Mas, enquanto passava por ali, por volta das 19h, por entre as muretas caídas e abandonadas, ainda pairavam no ar algumas reflexões.

A palestrante portuguesa Suzana Vaz, comentou a idéia de Joseph Beuys de que “todas as pessoas são artistas” para concluir algo mais ou menos assim: “Quanto a mim, acho que a maioria das pessoas atualmente sofre de uma certa normalpatia que as leva a não entender nada que não caiba nos moldes do sistema consumista. É claro que essa minha opinião não está livre de discordâncias, mas assim é como eu vejo”.

Em Belo Horizonte, nesta época do ano, o sol se põe antes das 18h. Nesse horário, o centro está repleto de pessoas que vão e vêm em busca das conduções que as levarão de volta para casa. Na praça da estação, especialmente, há muitos pontos de ônibus que levam até os bairros mais periféricos da cidade. É realmente um grande e rápido fluxo de gente. E, exatamente por esta razão, uma operadora de telefonia móvel resolveu instalar ali um ruidoso balão dirigível vermelho com a notícia de sua mais nova promoção, eclipsando as Edificações do Xepa. E, enquanto eu caminhava pela populosa praça, onde as pessoas não podiam deixar de olhar para o imenso outdoor que a todo momento ameaçava alçar vôo, eu sentia a melancolia de quem anda sobre abismos. Os mesmos e incontornáveis abismos que distanciam de ações propositivas como estas e muitas outras que participam da MIP2, as imensas procissões cotidianas do consumismo e da normalpatia.