A Pablo Picasso
Ela dorme e repousa sobre o candor da areia
Kumba Tam dorme. Uma palma verde vela a febre dos cabelos, a fronte curva cobre
As pálpebras fechadas, corte duplo e têmperas seladas.
Esse estreito crescente, este lábio mais negro e até pesado
– onde o sorriso da mulher cúmplice?
As patenas das bochechas, o desenho do queixo cantam o acordo mudo.
Rosto de máscara fechado ao efêmero, sem olhos sem matéria
Cabeça de bronze perfeita e sua pátina de tempo
Que não suja ruge nem rubor nem rugas, nem marcas de lágrimas nem de beijos
Oh rosto tal como Deus te criou antes da própria memória das eras
Rosto do amanhecer do mundo não te abra como um colo terno para emocionar a minha carne.
Eu te adoro, oh Beleza, com meu olho monocórdio!
Masque nègre
A Pablo Picasso
Elle dort et repose sur la candeur du sable./Koumba Tam dort. Une palme verte voile la fièvre des cheveux, cuivre le front courbe/ Les paupières closes, coupe double et sources scellés./Ce fin croissant, cette lèvre plus noire et lourde à peine/ – où le sourire de la femme complice?/Les patènes des joues, le dessin du menton chantent l’accord muet./Visage de masque fermé à l’éphémère, sans yeux sans matière/ Tête de bronze parfaite et as patine de temps/Que ne souillent fards ni rougeur ni rides, ni traces de larmes ni de baisers/O visage tel que Dieu t’a créé avant la mémoire même des ages/ Visage de l’aube du monde, ne t’ouvre pás comme um col tendre pour émouvoir ma chair./ Je t’adore, ô Beauté, de mon oeil monocorde!
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Postei este poema, atendendo ao pedido do Mateus, leitor deste blogue, segue o poema “Máscara negra” de Léopold Sédar Senghor, em tradução minha.
Dedicado a Pablo Picasso este poema testemunha uma epifania do poeta diante do pensamento do pintor. Segundo o próprio Senghor, a obra de Picasso, sua paixão pelo primitivismo, o fez repensar sua condição de africano na época em que vivia em solo europeu, num período em que a ideia da Negritude apenas fervilhava nas cabeças dos jovens poetas que moravam em Paris.
Consta que Picasso alimentava uma certa paixão pela tradição pictórica da África e, ao entender que uma máscara nas culturas animistas não é uma mera escultura, mas uma arma, uma ferramenta, afirmou: “Se damos formas aos espíritos, nos tornamos independentes”. Com isso, também pôde compreender melhor o sentido de sua própria pintura.