De tudo que vem ocorrendo em torno às eleições de 2010, o que mais tem chamado a minha atenção é a atuação inédita da mídia brasileira e sua relação direta com a opinião e os votos dos eleitores. Este é um momento ímpar, em que a falaciosa imparcialidade dos jornalistas está sendo exposta com toda a força. E, dentre os fatos inéditos, há a baixa repercussão da campanha massiva de difamação por parte da imprensa. Parece incrível que, todas as capas e editoriais lançados pela Veja, a Folha de S.Paulo, o Estadão, o grupo Globo, tenham servido para baixar apenas 5% dos votos de Dilma Roussef em relação ao que vinha sendo demonstrado pelas pesquisas de opinião. Em outros tempos, essa baixa repercussão parecia ser impossível-impensável.
Umas duas semanas antes do primeiro turno, o presidente Lula declarou em público que a imprensa deveria assumir que atua como um partido de oposição e que não tem nada de imparcial no que publica. Isso provocou uma reação imediata e provocativa por parte dos conservadores. Jornais e revistas apareceram dizendo que o presidente queria acabar com uma suposta “liberdade de imprensa” existente no país. Mas, contradição das contradições, a capa de uma das revistas de maior circulação apareceu com o seguinte anúncio com ares de “denúncia”: “a liberdade sob ataque”. Como ilustração da capa, a estrela do PT fincada sobre o artigo da constituição que garante a liberdade de imprensa. Evidentemente, se houvesse algum tipo de cerceamento de tal liberdade, a revista seria recolhida e proibida. Não foi bem o que vimos.
De qualquer modo, o assunto gerou muita polêmica. Ambos os lados da história se posicionaram, discutiram. A revista Carta Capital, partidária assumida do atual governo, também lançou seus impropérios, claro, na defensiva. “Vale, porém, discutir as implicações da liberdade de imprensa, e de expressão em geral. É do conhecimento até do mundo mineral que a liberdade de informar encontra seus limites no Código Penal. Se o jornalista acusa, tem de provar a acusação. E informar significa relatar fatos. Corretamente. Quanto à opinião, cada um tem direito à sua”, afirma Mino Carta em seu editorial de 27 de setembro. E para acender a fogueira das discussões, Sandra Cureau, vice-procuradora-geral da Justiça Eleitoral, exigiu da revista “a entrega da documentação completa do relacionamento publicitário com o governo federal”.
Por outro lado, uma reação pareceu honesta e louvável: o jornal Estado de S. Paulo colocou em seu editorial: “Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, (…) apoia[mos] a candidatura de José Serra à Presidência da República”. Acredito ter sido esta a primeira vez que um jornal conservador assumiu tal postura na história da democracia brasileira. A Folha, que disputa mercado com o Estadão, não teve uma postura tão digna. Continuou acusando o governo de ser contra a liberdade de imprensa.
Apesar de tanto discurso acusatório, quem acabou por cercear a liberdade de informação foram os próprios acusadores. O site Falha de S. Paulo, paródia da Folha, que trazia críticas e denúncias, foi tirado do ar após uma ação na justiça. O argumento era de que o site fazia “uso indevido da marca”. Para infelicidade do acusador, o site proibido ganhou logo uma versão colaborativa, que dificilmente será tirada do ar.
Mas o fato mais escandaloso (e talvez insuficientemente repercutido no cenário nacional) foi a demissão da jornalista, psicanalista e poeta Maria Rita Kehl do Estadão. O argumento deste foi que houve um “delito de opinião”. É que ela descreveu, em sua coluna semanal, algumas das grandes conquistas do atual governo. Continue lendo Da liberdade de imprensa