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áfrica, essa desconhecida

é o poeta antônio risério quem lembra a imensa dificuldade que há em se falar da áfrica. nossa ignorância sobre o assunto começa em nós mesmos. por mais óbvio que seja, sempre que falamos de coisas d’áfrica, pensamos a partir dos preconceitos e dos desvios que a história deixou. seria ocioso ficar lembrando as inúmeras vezes que falamos desse continente demonstrando profunda falta de conhecimento sobre o assunto.
recentemente incluído nos programas do ensino fundamental do mec, a história da áfrica é agora um assunto urgente e a nossa ignorância precisa acabar. nesse sentido, o livro que a editora crisálida publicou recentemente é uma lamparina no meio da escuridão. nele, os autores (uma angolana radicada no brasil e um brasileiro) demonstram extrema paixão pelo tema e se a obra peca em algum sentido, é porque o caráter introdutório não permitiu que os autores se prolongassem nos detalhes. adianto que cumpre bem o papel de história crítica.
“usualmente, associamos idéias e noções estereotipadas que constroem e são construídas por uma imagem de uma áfrica tribal, tradicional, arcaica, com negros em trajes pré-industriais e armas primitivas, buscando seu alimento nas savanas. nestas representações, a áfrica aparece como distante, como separada de nós por alguns séculos. sugerem que nós, (os tupiniquins) participamos da civilização ocidental e nisso nos distinguimos dos “negros-africanos-tribais”. procuramos buscar elementos que mostrassem os limites dessa simplificação e que colaborassem para pensarmos o continente em outros moldes.”

é o que os autores dizem na introdução à introdução. de minha parte, gostaria que muitas coisas ainda neste mundo começassem a ser pensadas em outros moldes. mas se começarmos apenas por esse, já será um grande começo.

FOMEFORTE

“um homem fica muito aterrorizado por uma fome forte;
e esse terror é a raiz de toda crueldade.”
(d.h.lawrence)

tudo isso pra dizer que acaba de chegar o mais novo livro da imensa prole de andityas: FOMEFORTE. também faz parte do selo in vento e esta edição tem a parceria da editora crisálida. a palavra dele amadureceu, as ilusões se acalmaram no peito, as amizades se firmaram. t.s.eliot, rûmi, laforgue, molière. o verso duro é saudado por ninguém menos que glauco mattoso e o nosso grande mestre: juan gelman, que assinam orelha e contra-capa.

a dureza dos poemas é um contrapeso diante de uma coisa incerta que cerceia todo o “poemário”, a insegurança causadora de tensão. como o andityas é um poeta partidário da razão, dá uma puta tentação de enfileirá-lo na turma dos limpinhos e higiênicos poetas da minha geração (não vou citar nomes aqui). mas a verdade é que a poesia desse português das minas (lembrem-se da fama de barbacena torno aos hospícios) respira a uma vivacidade incomodante, misturada com o pedantismo próprio das línguas românicas. pensamento conciliador, o demônio das coisas concluídas e bem arranjadas, a voz dos ofendidos na guerra. vida atual. tempo atual. em cumplicidade com o tempo insistentemente obsoletizante, desobsoletizando-o. contra uma mera moral. a favor de outro tipo de bons costumes.

não é um poeta para escolinhas de adolescentes. não é nenhum partidário da certeza, como tantos. é um cara vivo e atento. antenas viradas para um outro lado sem o grande bocejo da vida dita “real”.

quem quiser encontrar as obras de a.s.m na internet, está fácil: OS enCANTOS e lentus in umbra estão disponíveis na web. leia os livros do andityas aqui.

à boa teta

teta nova, mais branca que ovo,
teta de cetim branco novo,
teta que faz a rosa corar,
teta de beleza sem par,
teta firme, não teta, enfim,
pequena esfera de marfim,
no meio da qual se fareja
uma framboesa ou uma cereja,
que ninguém vê, tampouco toca,
mas assim é descrita em doce fofoca.
teta, pois, da pontinha vermelha,
teta que sempre imóvel semelha,
no ir e vir de seu caminhar
ou para correr, ou para bailar.
teta esquerda, teta sozinha,
teta separada da sua irmãzinha,
teta que é grande homenagem
para o resto da personagem.
teta, que desperta em moço e ancião
um grão desejo lá dentro da mão:
de te provar, de te possuir.
mas é preciso refrear o sentir,
o achegar-se assim tem que ser,
senão outras vontades verás florescer.
ó teta nem grande nem pequena,
apetitosa, desenhada a bico-de-pena,
teta que noite e dia implora:
“casa-me, casa-me agora!”
felizardo, eis como se chamará
aquele que de leite de t’encherá
fazendo de teta de donzela
teta de mulher inteira e bela.













poema de clément marot (1496-1544) publicado em à boa teta [tradução de andityas soares de moura]. crisálida, 2005.