Em pré-venda pela Urutau, Leo Gonçalves lança novo livro de poemas que dialogam com questões humanas da contemporaneidade, tais como as migrações, as identidades e coletividades afetivas em suas novas formas, a passagem do tempo.

Leo Gonçalves lança seu novo livro de poemas Marselhesa para sangues impuros pela editora Urutau. O livro se encontra na pré-venda até o dia 26 de junho de 2025, com direito a diversas opções de apoio. A pré-venda é ao mesmo tempo uma maneira de garantir o seu exemplar antes mesmo do livro ir para a gráfica e de apoiar a iniciativa editorial. Ao clicar no link, vá em “apoiar” e escolha a sua modalidade de aquisição. O livro pode ser digital ou impresso, com dedicatória do autor, e várias modalidades com brindes da editora.
Marselhesa para sangues impuros é um projeto que vem sendo desenvolvido há vários anos por Leo Gonçalves. Muito mais que pensar o lugar de fala, os poemas do livro apontam para um lugar de destino: os povos mistos e multicoloridos que ampliam as muitas línguas e linguagens que habitam o planeta na contemporaneidade. É também uma declaração de lugar de enunciação: seguindo um pensamento de Gary Snyder, de que o poeta deve ter consciência da sua aldeia, o poeta declara aqui a sua busca por “habitar” um planeta como se fosse sua própria cidade, encarando nele as suas contradições e buscando reatar os diferentes povos que o colonialismo separou.
No poema que começa com o verso “eles nos viram rezar”, Leo reencena e reinterpreta o tempo e o espaço de um mundo que viveu (e ainda vive) sob o fantasma da supremacia branca, capaz de se apropriar de tudo o que possa ser produzido pelos “outros” e chamar esses objetos de seus. Mas não se trata de um poema raivoso, apenas de uma redistribuição de lugares. Sim: ao se apropriar do jazz, do blues, do samba, essas coisas se tornaram suas. Mas então você criou uma modalidade disso que é sua, sem que jamais aquelas produções negras deixem de existir também, concomitantemente, com outros contornos, com outros significados.
eles nos viram rezar
pensaram que rezando
éramos fiéis
ao sonho deles
ao deus deles
ao mundo deles
e éramos, sim
fiéis a tudo isso
enquanto nos amávamos
num espaço só nosso
assim debaixo de seus narizes
organizávamos uma revolução
(…)
Em “Calunga nguma”, poema que aparece na divulgação, o poeta retoma as diversas vozes que preenchem o fundo de sua subjetividade, conectando clássicos como “O cemitério marinho”, de Paul Valéry, que foi publicado em tradução sua em parceria com Paulo de Toledo em 2023, versos do cantor Bonga (“Mona ki ngi xika”) e uma melodia bantofônica, em busca da antiguidade negra que o poeta Langston Hughes já evocava em seu famoso “O negro fala de rios”, que vai para muito além da mera experiência da escravidão. Calunga nguma significa a morte. E muito mais que a morte. “Calunga é tudo aquilo que é profundo”, diz o verso.
Leo evoca também o tema da marronagem, quer dizer, da fuga. Para além do aquilombamento, o poema aqui funciona como um direito de viver apesar dos governos e das ideologias da extrema direita, cada vez mais avessas ao direito de migrar. Afinal, ao contrário da Marselhesa, o hino nacional da França, não é um sangue impuro que inunda o nosso chão, mas a força dos inúmeros povos que existem sobre a terra e que são capazes de se apaixonar pelo “outro”, pela diferença, por tudo aquilo que possa escapar às certezas de um mundo dominado pela ideia de supremacia capitalista, macha e branca.
fugir para buscar
o caminho que vai dar no sol
fugir feito um bebop
subterrâneo feito um trem
fugir para que a vida revide
fugir e enganar a morte
fugir em busca de um novo início
fugir porque vale a pena
fugir porque não vale
fugir sem passaporte
ter esse direito
o direito de fugir em paz
“Acredito que os poemas deste livro tenham nascido da minha tomada de consciência de que o mundo é multicolor e que, como dizia o poeta africano Tchicaya U’tam Si, “branco é cor de circunstância, negro é a cor de todos os dias””, declara o autor. “Ter andado por Marselha e encontrado ali uma França múltipla tem algo a ver. Ter me dedicado nos últimos 20 anos ao ensino da língua francesa também. Trabalhar em traduções de autores como Aimé Césaire, Léopold Sédar Senghor e Édouard Glissant é outro fator que combina para essa minha busca de uma escrita anticolonial ou que, ao menos, aponte para isso”, declara ainda.
Se contarmos as publicações nesse formato, esse seria o terceiro livro de Leo Gonçalves. Mas outros trabalhos vêm sendo pulicados ao longo dos vinte e um anos desde a primeira edição de das infimidades (2004), livro que marca a sua estreia na poesia. Leo Gonçalves também é o tradutor de autores como Aimé Césaire, Langston Hughes, Juan Gelman, William Blake e muitos outros. Vem trabalhando como tradutor profissional para editoras como a Bazar do Tempo, Civilização Brasileira e outras. Seus poemas aparecem em diversas antologias de poesia, publicadas no Brasil e também no exterior.
O livro Marselhesa para sangues impuros traz orelha escrita pelo poeta angolano Abreu Paxe:
com uma linguagem em sexualidade que ora fere e ora acaricia em eroticidade, o autor nos convida a revisitar a história, a questionar o presente do antropoceno e a construir um futuro onde a liberdade seja mais que uma palavra, mas a energia que pulsa em todos. marselhesa para sangues impuros expõe em cena os sentidos dos cantos/poemas (ovissungu) em sonoridades, visualidades, tactiabilidades como músculos da paisagem que deve residir na beleza humana.
Abreu Paxe
Por fim, se trata de um livro amoroso: “eu e você me dá bolhas de sabão no céu da boca”, é o poeta que canta em “ginga molho mandinga”. Poemas que declaram que há liberdade para se ser feliz em qualquer lugar. “aqui agora com você/ou onde a gente estiver”.