Não é pela surpresa, como sugeriu Luiz Costa Lima em algum lugar, nem pela saudação gratuita de um morto ilustre, como sugeriram outros. Chorar a morte de um homem como Décio Pignatari é sinal de respeito. Respeito a uma vida dedicada à poesia e a sua potencialização em todos os campos possíveis. Respeito a um mais velho que fez o possível enquanto estava vivo.
Lembrado por todos por ser um dos fundadores do movimento Concretista nos anos 1950, Pignatari possuía uma veia satírica e sarcástica comparável a um Tristan Corbière ou a um Gregório de Mattos, para não falar de um de seus melhores discípulos, Sebastião Nunes. Em sua poesia visual, conseguia como poucos aquela textura de linguagem em que a crueldade e o humor tornam tudo mais ácido, instigante, inabarcável, sanguíneo.
Seu livro Poesia pois é poesia e poetc, que reúne poemas de toda a sua trajetória, sempre esteve entre meus livros de cabeceira. Tradutor de Mallarmé, mas também de Gregory Corso, sem falar em Dante, Bashô, Shakespeare, Sheridan, Ezra Pound. Ainda como tradutor, foi um dos introdutores da obra do comunicólogo Marshall McLuhan no Brasil. Semioticista, foi o pai de uma escola, e através dela transitava entre a literatura e a arquitetura com ágeis pés. Também escreveu contos e seu romance Panteros é considerado um marco na literatura brasileira.
Me lembro de vê-lo na Bienal Internacional de Poesia em Belo Horizonte, ao lado do curitibano Valêncio Xavier. Em uma conversa memorável, ele dizia que pretendia escrever (terá escrito?) um livro intitulado Prosa pura, onde defendia as especificidades da prosa em detrimento da poesia. Citava como exemplos livros como Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust e Os sertões de Euclides da Cunha. Naquele 1998, achava que a poesia brasileira gozava de boa saúde, já que não havia nenhuma possibilidade de fazer com que ela se tornasse um produto rentável no mercado, o que não acontecia com a prosa, sempre comprometida em conseguir os melhores lugares na lista da Falha, digo, Folha.
Recentemente tendo vindo morar em São Paulo, o vi certa vez caminhando pela Avenida Angélica. Estava fraco, provavelmente com uma saúde intermitente. Lamentamos sua morte, mas saudamos o grande poeta que soube como poucos agitar as mentes dos vivos e, principalmente, dos muito vivos.